Uma servidora pública de 49 anos procurou um site de relacionamentos no início de fevereiro. Solteira e mãe de dois filhos, queria se casar. Dias depois, recebeu três mensagens de um homem sedutor. O desconhecido contou ser de Oklahoma, nos Estados Unidos, porém, disse que vivia na Argentina por causa do trabalho. Galanteador, conquistou a confiança e afirmou vir ao Brasil em 10 de abril para conhecer a namorada virtual. Prometia viver com ela pelo resto da vida. Era tudo o que a mulher queria ouvir — ou ler. Mas o sonho acabou em golpe. Em vez de noiva, virou vítima. E perdeu R$ 17,5 mil.
A funcionária pública não é a única a sofrer com o esquema conhecido como scammer amoroso no Distrito Federal. Há casos registrados na 1ª DP (Asa Sul), na 2ª DP (Asa Norte) e na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), que centraliza as ocorrências. O Correio apurou que até 50 mulheres caíram na lábia de estelionatários. São brasilienses de meia-idade, a maioria de classe média alta, solteira e à procura de um relacionamento após frustrações amorosas. Muitas trabalham no governo e recebem altos salários.
É o caso da servidora de 49 anos. O golpista teve acesso ao perfil dela no site de relacionamentos e, após trocas de mensagens, nas redes sociais. Neste mês, o suposto engenheiro civil contou que precisava fazer uma viagem de três semanas, de barco, até Dubai para levar o material de trabalho. Para isso, mandaria US$ 2 milhões para ela, pois o valor milionário não poderia ser levado em alto-mar. Com o dinheiro, estariam presentes, surpresas e o par de aliança. Para receber a mercadoria, no entanto, a mulher deveria transferir R$ 17,5 mil em contas repassadas por uma empresa transportadora parte do esquema — ela fez três depósitos. A companhia exigiu R$ 50 mil, que poderiam ser reduzidos para R$ 20 mil.
Foi a partir daí que ela desconfiou se tratar de uma fraude. Na segunda-feira, registrou uma ocorrência na Polícia Civil e procurou a Polícia Federal. “Jamais imaginei que isso pudesse acontecer comigo. Fiquei mais arrasada, não pelo dinheiro que depositei, mas preocupada com a minha reputação. Nem conseguia dormir de tão arrasada. Eu falava para ele que estava vivendo um sonho e que amanhã acordaria e veria que era tudo mentira. Mas ele era muito convincente e falava que me faria a mulher mais feliz do mundo. Não teve como eu desconfiar. Os meus filhos acompanharam a minha alegria. Eu estava eufórica. Comprei até lingerie, estava ajeitando o meu quarto e o apartamento. Não tem como eu apagar essa história”, lamentou.
Segundo o delegado-chefe da 1ª DP, Luiz Alexandre Gratão, inicialmente, trata-se de estelionato, mas cada caso precisa ser avaliado. “Primeiro, precisamos definir o local onde o crime foi praticado. Isso acontece em todo o Brasil. A apuração é extremamente difícil. Em tese, eles são nigerianos, mas há vítimas que depositaram dinheiro em contas de São Paulo”, detalhou.
Suspeitos
O diretor da Divisão de Comunicação da Polícia Civil, delegado Paulo Henrique de Almeida, reforçou que quase todos os suspeitos são da Nigéria. “Noventa por cento deles são nigerianos. Eles têm uma rede para isso, e nós estamos rastreando as identidades e as contas bancárias. Algumas dessas contas são do Brasil, porque existem laranjas que fazem parte do esquema. Esses casos são muito antigos, mas o scammer amoroso é mais moderno, porque envolvem sites de relacionamento e redes sociais”, explicou.
O investigador ressaltou que a fórmula do golpe se repete. Depois de conquistar as vítimas, os estelionatários conseguem convencê-las a passar altas quantias. “A dica é sempre desconfiar, principalmente em ambiente virtual. Nesses casos amorosos, a pessoa pega os dados pessoais e mantém uma conversa até estabelecer confiança. Depois, falam que vão visitá-las e começam a pedir dinheiro. Quando alguém solicitar valores, pode saber que é golpe. Uma recomendação é que a mulher pegue todos os dados possíveis e repasse à Polícia Civil ou à Polícia Federal”, recomendou (veja quadro).
O pesquisador da área de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em crimes digitais Laerte Peotta explicou que, nesses casos, os criminosos se apresentam de forma bem-sucedida. Passam-se por empresários, advogados e médicos e tentam convencer as vítimas de algo muito bom. Se mandam fotos, são de homens brancos e de meia-idade. “Esse é um dos golpes mais antigos da internet. Eles começam a conversar com as pessoas e ganham confiança. A maioria é nigeriana, mas muitos dizem morar em Paris, Estados Unidos, porque dá ideia de glamour. Esses homens mostram imagens que não são verdadeiras e ganham a confiança das vítimas, inclusive se passando por militares e dizendo que estão em locais de guerra ou a serviço.”
Situação semelhante aconteceu com uma aposentada de 62 anos, que repassou R$ 37 mil para o bandido virtual e, até hoje, paga o empréstimo — ela financiou a dívida em 60 parcelas e pagou 14. “Ninguém da minha família sabe. Tenho vergonha de contar para a minha irmã e o meu sobrinho. Iludi-me muito”, contou (leia Depoimento). A moradora do Plano Piloto registrou ocorrência em agosto de 2014.
Alerta
Essas fraudes são tão recorrentes que há sites para alertar sobre os scammers amorosos. Um deles, criado por Crystal Brasil, recebeu mais de 3 mil denúncias, por e-mail e por rede social. “O site existe há seis anos, e a nossa única arma é a publicação. Eles estão ramificados em todo lugar, inclusive no Brasil. Calcula-se que existam 3 mil em São Paulo. São estruturados”, contou.Crystal pesquisou a situação depois de uma amiga ser alvo de uma tentativa de fraude. “Comecei a publicar como golpe virtual e apareceram muitas mulheres de classe média como vítimas. São médicas, advogadas, jornalistas, fisioterapeutas e donas de casa”, revelou.
Depoimento
“Fui muito ingênua”
“Conheci por meio do Facebook e acreditei nele o tempo todo. Conversamos menos de seis meses. Ele falava que queria compromisso, que ficaríamos juntos. Contou ser pai de uma menina de 8 anos. Iludiu-me o tempo todo. Logo ele veio com a história de dinheiro. Falou que morava em Londres, mas era militar e estava prestando serviço no Iraque pelo Exército. Dizia que compraria passagem para vir me conhecer e passar a Copa do Mundo aqui. Eu acreditei. Depois, começou a dizer que a menina dele estava doente e precisava de dinheiro. Eu até questionava se em Londres não tinha hospital do governo, mas ele tinha uma conversa muito boa. Na primeira vez, depositei R$ 8 mil. No total, foram R$ 37 mil. Fiz empréstimos no banco. Fui muito ingênua, mas era uma força que me envolvia que até hoje não consigo entender. Ninguém da minha família sabe. Tenho vergonha de contar para a minha irmã e o meu sobrinho. Iludi-me muito. Até hoje, pago empréstimo. Dividi a dívida em 60 parcelas e quitei 14. A minha situação financeira está muito difícil por tudo isso. Fiquei arrasada. Eu mandava fotos minhas, mas ele dizia que não tinha imagens dele ou falava que precisava consultar os arquivos da casa da mãe. Resumo tudo em muita tristeza.”
Vítima de 62 anos
Cuidados
Confira dicas para não cair no golpe
» Não acredite em tudo que vê e lê na internet
» Duvide sempre da pessoa com quem você conversa
» Assim como na vida real, evite dar informações pessoais
» Configure o filtro de privacidade em redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter. Assim, apenas pessoas do seu círculo de amizade poderão ter acesso às informações pessoais e às fotos
» Evite demonstrar posses de bens
» Não acione a localização de onde você está nem informe a localidade da sua casa
» Evite demonstrar interesses específicos, pois podem ser explorados pelos golpistas
» Fique atento às mensagens recebidas em nome de alguma instituição, que tente induzi-lo a fornecer informações, instalar/executar programas ou clicar em links
» Desconfie de apelos demasiados pela sua atenção e que, de alguma forma, o ameacem, caso você não execute os procedimentos descritos
» Não considere que uma mensagem é confiável com base na confiança que você deposita no remetente, pois ela pode ter sido enviada de contas invadidas, de perfis falsos ou pode ter sido forjada
» Cuidado ao acessar links. Procure digitar o endereço diretamente no navegador
» Verifique o link apresentado na mensagem. Golpistas costumam usar técnicas para ofuscar o atalho real. Ao posicionar o mouse sobre o link (sem clicar), muitas vezes, é possível ver o endereço real da página falsa ou do código malicioso
» Utilize mecanismos de segurança
» Verifique se a página tem conexão segura
» Acesse a página da instituição que supostamente enviou a mensagem e procure por informações