Associações feministas criticam fortemente o projeto de lei. Professor da UnB afirma que matéria não traz novidades na discussão sobre o assunto.
Está pronto para ser votado em plenário o projeto de lei (PL) que “estabelece diretrizes para a implantação do programa distrital de prevenção ao aborto, abandono de incapaz e administração das casas de apoio à vida”. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa seguiu os passos da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Casa, que deu parecer favorável no ano passado, e aprovou a matéria ontem. Entre outros pontos polêmicos, o PL visa dificultar o aborto até mesmo em casos de estupro. Coletivos feministas reclamam da “falta de sensibilidade” com a violência sexual por parte dos deputados. Especialista em direito constitucional classifica a medida como “algo para mostrar serviço” ao eleitorado.
A matéria já repercutiu entre associações feministas. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) manifestou repúdio ao projeto de lei por “não se atentar ao código penal, que garante à mulher acesso às informações e ao abortamento legal em casos de violência sexual”. “O que mais choca é a falta de sensibilidade a uma forma de violência tão brutal, como o estupro. Argumentam-se em defesa da vida, mas se esquecem da vida da mulher”, critica a assessora técnica do Cfemea Masra Andrade. “Como você coloca alguém como mãe de um estupro? Esse projeto, assim como o estatuto do nascituro em âmbito federal, visa dificultar ainda mais o processo de abortamento legal”, afirma.
Segundo Débora Diniz, pesquisadora da organização não governamental Anis — Instituto de Bioética, o projeto ignora as mulheres que não querem ter filhos. “Um programa distrital de prevenção e cuidado à mulher vítima de violência sexual e que inclua o aborto só pode ser feito de duas maneiras: cuidando das que queiram interromper a gravidez e das que desejam mantê-la. Esse projeto não reconhece as mulheres que não querem se manter grávidas após um estupro”, argumenta. “Em todo o artigo 2º não existe mulher vítima de violência sexual ou em sofrimento, somente ‘mãe’. Não é uma troca ingênua”, continua. Diniz argumenta que a matéria prevê o que a política nacional de saúde já estabelece, e ainda ignora o fato de a mulher poder interromper a gestação.
“Nada novo”
Na visão do professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said, o texto reproduz parte do que é estabelecido em âmbito nacional e não apresenta inovações. “Parece-me ser algo para mostrar serviço. O parlamentar dá a entender que está impulsionando o GDF a estabelecer um programa, mas não traz nada novo”, diz. “O projeto, pretensamente, estabelece inovações, mas não muda o quadro, pois se o GDF fosse implantar um programa, o próprio Executivo estabeleceria a norma”, explica.
Questionada sobre o posicionamento feminista e jurídico, Sandra Faraj argumenta ser a “favor da vida”. “(Ser favorável ao aborto) é uma visão feminista, e eu tenho o meu jeito de ver. A partir da concepção, há vida”, opina a deputada. “As feministas acham que têm o direito de matar. O feto não é um alongamento do corpo da mulher, é outra vida”, continua. Na justificação do PL, Rafael Prudente (PMDB) afirma ser necessário “erradicar ou eliminar substancialmente o aborto, propiciando segurança à saúde e vida das mulheres”.