Quem conhece um pouco da indústria de tecnologia sabe que praticamente tudo é produzido na China. Os baixíssimos salários dos trabalhadores, somados a uma lei trabalhista bem frouxa, criaram um cenário amplamente favorável para a indústria local, ao mesmo tempo em que sacrificaram radicalmente a qualidade de vida dos funcionários.
Nos tempos atuais, começou a “pegar mal” as notícias de que trabalhadores começaram a se suicidar nas fábricas, e que as empresas tiveram que começar a instalar grades e redes de proteção para evitar mais casos similares. Os casos começaram a chegar ao Ocidente, e as empresas começaram a pressionar para que as pessoas responsáveis por montar seus produtos sejam tratadas de forma mais humana.
Para demonstrar o progresso que tem sido feito nesta área, John Sheu, presidente das instalações da Pegatron, uma das empresas responsáveis pela montagem do iPhone, convidou jornalistas da Bloomberg a conhecer a fábrica e seus 50 mil funcionários, responsáveis pela produção do smartphone da Apple.
Os jornalistas puderam observar os procedimentos rígidos de segurança, voltados a impedir o vazamento de informações sobre os produtos que ainda não foram revelados para o público. Todos os visitantes e trabalhadores passam por detectores de metal que visam revelar possíveis dispositivos com câmeras que possam ser usados para fotografar os aparelhos.
Ao passar pela segurança, eles seguem setas coloridas no chão, e passam por corredores revestidos com pôsteres motivacionais. Eles passam por uma escadaria com as tais redes de proteção antissuicídios, até chegarem aos armários, onde precisam colocar suas redes para cabelos, vestir uma jaqueta rosa e trocam seus sapatos por chinelos de plástico. Depois de se alinharem com precisão militar, os funcionários são divididos em unidades de produção de 320 pessoas, organizadas em quatro fileiras de 80 trabalhadores antes de começarem as atividades.
Ao entrar na fábrica, os trabalhadores precisam, além de passar pelo detector de metais, verificar suas identidades, o que é feito por meio da apresentação de um crachá e identificação facial. Além de impedir intrusos, o processo serve para garantir que ninguém está trabalhando mais do que o permitido.
Sim, depois da pressão ocidental, o cuidado com o excesso de horas extras aumentou significativamente. Os funcionários podem realizar horas extras para ganhar um dinheiro a mais, mas agora eles têm um limite. A Apple determina que seus parceiros adiram às diretrizes do Electronic Industry Citizenship Coalition (Coalizão da Cidadania da Indústria de Eletrônicos) que proíbem que os trabalhadores façam mais de 80 horas extras por mês. No entanto, a lei chinesa determina um máximo de 36 horas; a empresa diz que consegue driblar esta restrição pelo fato de o trabalho ser sazonal.
Para o monitoramento destas horas, o sistema de identificação conta com crachás que acompanham o tempo, os pagamentos e até os gastos com dormitórios e refeições. Pode parecer excessivo, mas pelo menos fez com que a empresa se aproximasse a quase 100% do cumprimento dos regulamentos sobre horas extras. A única exceção são os engenheiros trabalhando em reparos de emergências. Uma auditoria da Apple mostrou 97% de conformidade com as diretrizes de um máximo de 60 horas de trabalho por semana.
O problema continua sendo o pagamento baixo. Um funcionário que preferiu não se identificar conta que “os trabalhadores sempre querem fazer mais horas porque os salários são baixos. Nós podemos ganhar muito mais com horas extras, então nós sempre queremos mais horas extras”, afirmou à reportagem. A empresa diz que, contando com as horas extras, os funcionários conseguem levar para casa em média entre 4.200 e 5.500 yuans (algo entre R$ 2,3 mil e R$ 3 mil) em um mês. No entanto, uma trabalhadora mostrou à Bloomberg que seu salário-base era de 2.020 yuans (cerca de R$ 1,1 mil), o que dá uma dimensão de quantas horas extras os funcionários costumam fazer em um mês para ter um salário mais satisfatório. Para referência: um iPhone 6 no país custa 4.488 yuans (R$ 2,4 mil). A empresa ainda está na mira de organizações como a China Labor Watch, que afirmam que ainda há evidências de trabalho excessivo nas fábricas.