Oito dias de Jogos Olímpicos – dois de passagem da tocha e seis de competição – custarão aos cofres públicos do Distrito Federal o mesmo que um ano de manutenção de 11 Centros Olímpicos e Paralímpicos (COPs). A estimativa da Secretaria-Adjunta de Esportes e Lazer é de gastos na ordem de R$ 25 milhões com o evento esportivo, valor apenas R$ 1 milhão menor em relação ao dispendido para manter as 11 unidades.
O palco dos dez jogos de futebol a serem realizados entre 4 e 13 de agosto será o Estádio Nacional Mané Garrincha, que o Tribunal de Contas do DF estima ter custado quase R$ 2 bilhões. Para construir os 11 centros, o Governo de Brasília gastou pouco mais de R$ 160 milhões, ou seja, 8% do valor da arena, conforme a pasta.
Análises diferentes
Especialistas divergem sobre a relevância dessas comparações. O professor de Educação Física e mestre em Administração Paulo Henrique Azevedo acredita que esses R$ 25 milhões serão convertidos em investimentos na área esportiva e trarão benefícios, como a revitalização do complexo do Cave, no Guará.
O pós-doutor em Administração José Matias-Pereira por sua vez, pensa ser um momento ruim para gastar o dinheiro, ainda mais devido à falta de investimentos em saúde e mobilidade urbana.
Detalhamento da conta
Os R$ 25 milhões incluem os gastos com o revezamento da tocha, estimados em R$ 4 milhões, e a previsão pelos seis dias de jogos de futebol.
De acordo com a Secretaria-Adjunta de Esporte e Lazer, 40 mil pessoas já passaram pelos centros olímpicos e paralímpicos até o momento. Eles oferecem mais de 27 mil vagas pelo DF.
Saiba mais
Nos dias 4, 7, 10 e 13 de agosto acontecerão partidas do torneio masculino, e em 9 e 12 do mesmo mês, do feminino.
Conforme a pasta de Esporte, o investimento pode não ser gasto de maneira integral e a secretaria estaria se esforçando para reduzir os custos.
O Centro Olímpico de Planaltina, o 12º a ser construído no DF, está em obras e previsto para inauguração ainda este ano. O custo da obra supera R$ 8 milhões.
A unidade da Estrutural começou a funcionar aos sábados. No local, serão oferecidas as modalidades de natação — a partir de 7 anos — e hidroginástica — a partir dos 18 anos. São 300 vagas ao todo, e as matrículas foram abertas na semana passada. Mais informações na secretaria do centro olímpico.
Ser um grande atleta é o maior dos desejos
Alheia à situação, a estudante Camilli Raquel de Oliveira Costa, de 12 anos, gostaria que existisse um centro olímpico e paralímpico para cada região administrativa – palavras dela. “Seria bom porque daria para treinar mais gente, né?”, simplifica.
A menina treina ginástica acrobática desde os oito anos e, há um, integra a equipe voltada ao alto rendimento do COP da Cidade Estrutural.
Sonho olímpico
Ao assistir o revezamento da tocha pela televisão, ela revela ter sentido algo diferente. “Quem me dera disputar uma Olimpíada, né!”, conta, com os olhos brilhando.
A garota competiu regionalmente no último ano e admite ter se sentido bastante nervosa, mas projeta evolução para os torneios por vir. Seu sonho olímpico, porém, por mais fascinante que seja, não é o objetivo final do centro. O foco é a inclusão social.
Números
2 bilhões de reais é o custo total do Estádio Mané Garrincha, segundo o Tribunal de Contas do DF
160 milhões de reais custou a construção dos 11 centros olímpicos
4 milhões de reais, aproximamente, foram os gastos com o revezamento da tocha no DF
Investimento ou desperdício?
“O foco é social. Agora, temos um novo formato em que a criança pode ficar aqui a manhã ou a tarde toda. Ajudamos a suprir a carência de creches”, exalta o diretor do Centro Olímpico da Estrutural, Amilton da Silva Prado.
Segundo ele, atualmente, o centro atende a mais de 2,5 mil pessoas. O déficit de vagas em creches foi estimado em cerca de 23 mil no início deste ano.
O especialista Paulo Henrique Azevedo vê os COPs como parte do que pode constituir o legado olímpico e defende o investimento na recepção dos jogos. A faxineira Maria Aparecida, de 35 anos, é uma das beneficiadas disso.
Cinco de seus seis filhos ocupam o tempo livre no centro da Estrutural. Em meio à alegria por ver sua menina e seus quatro meninos longe das ruas e do perigo que elas oferecem, ela nutre, também, o sonho olímpico.
“Dizem que meu mais velho tem porte (físico) para fazer atletismo. Ele que escolhe o que vai querer ser, não é o pai nem a mãe, mas seria bom, né?!”, anima-se a mulher. Aparecida também acredita na criação de COPs para dar alternativa aos jovens e tirá-los da rua. Em seu raciocínio, isso deveria ser prioritário, porém, à realização do evento.
Para Paulo Henrique Azevedo, por sua vez, os jogos vão atrair investimentos e ajudar a revitalizar a cidade: “Esses R$ 25 milhões se devem mais à pobreza de nossas instalações para receber esse tipo de evento. Talvez, se a cidade tivesse mais condições, teríamos de gastar R$ 6 milhões ou R$ 7 milhões”.
Ele também crê na fiscalização do Comitê Olímpico Internacional (COI) como mecanismo regulador, pois as obras devem encontrar o padrão estabelecido pela entidade. Isso serviria como garantia do bom uso dos recursos na capital. “Se houver desvio, as instalações não cumprirão as condições técnicas e todos vão perceber”, argumenta.
Não é a hora
O especialista José Matias-Pereira é mais cético em relação aos benefícios de um possível legado olímpico. Para ele, mesmo que os custos fossem menores, o momento não pede gasto nenhum em coisas não-prioritárias. “Para o indíviduo desempregado, meia dúzia de bananas já fica caro”, compara.
“Países evoluídos, de uma maneira geral, pensam duas vezes antes de aceitar sediar esses eventos de grande porte, enquanto o Brasil embarcou em uma canoa furada sem pestanejar”, esbraveja, citando a Copa do Mundo de 2014. “Esses estádios foram monumentos ao desperdício sem paralelo na história, até mesmo em outros países corruptos”, critica.
A secretária-adjunta de Esportes e Lazer, Leila Barros, foi procurada, mas não pôde responder até o fechamento desta edição.