Ideia é que guardadores de carros ajudem na segurança, diz administração. Inscrição não é obrigatória; eles vão receber crachá e colete de graça.
A administração do Sudoeste/Octogonal, no Distrito Federal, está cadastrando desde o mês passado os guardadores de carros que trabalham nas quadras comercias. A administração disse esperar que os profissionais ajudem na segurança da região denunciando possíveis casos de agressão e furtos.
Em 31 de julho, o dono de um foodtruck foi morto a facadas por um morador de rua na entrequadra da quadra 104.
O crime aconteceu por volta das 23h55 e, segundo a Polícia Militar, o assassinato foi motivado por uma discussão iniciada por Hugo Tacio de Oliveira Soares, que estaria incomodado com o barulho do gerador de energia usado pelo foodtruck. Hugo dormia dentro de um carro, onde também guardava materiais para lavar carros.
De acordo com a PM, ele reclamou mais de uma vez por não conseguir dormir com o barulho e discutiu com o dono e um funcionário do estabelecimento. A polícia foi acionada e ele foi levado à delegacia, mas logo foi liberado e voltou ao local com uma faca para cometer o crime.
O projeto da administração começou após uma análise social de 80 moradores de rua da cidade. De acordo com o antigo administrador Paulo Feitosa, a maioria deles estava trabalhando como guardadores de carros e morando na região. Após o diagnóstico, o órgão decidiu cadastrar os profissionais interessados em se profissionalizar para trabalhar legalmente nos estacionamentos de áreas comercias.
Os cadastros estão sendo feitos de acordo com uma lei de junho de 1977. Para se inscrever, o guardador de veículo precisa apresentar documentos como identidade, carteira de trabalho, nada consta criminal e comprovante de residência. De acordo com a administração do Sudoeste/Octogonal, os cursos, matrícula e capacitação não têm custos para os inscritos.
A ideia é que em quadra da área comercial da Primeira Avenida do Sudoeste trabalhem seis guardadores de carros, com dois por bloco. A iniciativa, segundo Feitosa, vai evitar problemas como discussões, brigas e ameaças de morte.
Os inscritos terão cursos de capacitação anuais feitos pela administração e Polícia Militar, que vai orientar os profissionais sobre procedimentos de segurança a ser adotados em casos de perigo nas entrequadras. Os formados vão receber colete e crachá gratuitamente, que serão feitos em parceria com o Rotary Club.
“A inscrição de quem está trabalhando como guardador de carros não é obrigatória, mas nós vamos orientar a população para que deixe a contribuição para as pessoas que receberam a capacitação da administração. Quem estiver com o colete e crachá, a população vai saber que está devidamente cadastrado conosco”, disse o então administrador.
Leoni Ferreira tem 24 anos e trabalha há dez nos estacionamentos da quadra comercial do Sudoeste. Ele teve a iniciativa de se cadastrar há três anos após se casar e ter um filho. Ele tem registro no Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Veículos do DF. O guardador vive em Luziânia, em Goiás, e percorre todos os dias de ônibus o trajeto de quase 60 km para trabalhar.
Com a ajuda da população, ele conta que consegue sustentar a família. “Eu consigo sustentar minha filha e esposa com o dinheiro que eu consigo tirar aqui. As pessoas me ajudam bastante. Eu não obrigo ninguém a dar dinheiro, eles me pagam se quiserem.”
Ferreira diz que teve problemas com outras pessoas que tentavam “vigiar” carros no estacionamento em que ele trabalha, na quadra 101 do Sudoeste.
“Se chegarem fazendo bagunça e em grande número eu chamo a polícia. Eu não tenho que ter medo porque eu estou trabalhando e eu sou cadastrado. Eu deixei com a polícia para lidar com quem chega.”
O guardador de veículo conta que já viu confrontos por espaços nos estacionamentos diversas vezes entre pessoas que tentam trabalhar. Ele acha que com os cursos e o cadastro que será feito pela administração, haverá proteção para trabalhar e também para quem deixa os carros nas vagas públicas.
“Eu acho que melhora para todo mundo. Para gente que trabalha na rua é uma segurança a mais porque a gente sai de casa, mas não sabe se volta, pela falta de proteção. Para a população é bom porque ela vai se sentir mais segura e vai confiar mais na gente. As confusões aqui nesse setor acontecem somente com quem não tem cadastro e quem passa aqui vê isso.”
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do DF, não existem dados específicos sobre crimes cometidos por flanelinhas ou guardadores de carros no sistema do órgão.
Cadastro inconstitucional
Em 2009, os guardadores de veículos começaram a ser cadastradores pela Secretaria de Desenvolvimento do DF (Sedest), que hoje se chama Sedestmidh. Na época, só seriam autorizados a trabalhar nos estacionamentos os profissionais que tivessem o crachá e colete do órgão. Para poder exercer a profissão, o interessado teria que passar por um curso de capacitação, de caráter eliminatório, com comprovação de no mínimo 80% de frequência.
A capacitação era com a carga horária de 8 horas tinha disciplinas como noções básicas sobre o trânsito, de responsabilidade social, relações humanas no trabalho, obrigações profissionais dos guardadores/lavadores e direitos dos proprietários dos veículos e informações sobre a fiscalização.
Após a realização das palestras, os participantes faziam uma prova de avaliação. Os participantes que tivessem no mínimo 80% de frequência e fossem aprovados, recebiam o colete e o crachá de identificação, e assinavam o termo de compromisso para o exercício da atividade.
Em 2011 a Procuradoria Geral do DF emitiu um parecer indicando que o cadastramento era inconstitucional e que somente a União poderia legislar sobre o assunto. Por conta da decisão judicial, o GDF suspendeu a capacitação e o programa de cadastramento destinados aos lavadores e guardadores de veículos.
Nos dois anos de cadastramento, haviam 1.650 guardadores e lavadores de carros credenciados. Foram realizadas 24 turmas de capacitação, sendo que a última aconteceu em dezembro de 2011.
Problemas
Por conta da falta de controle de quem trabalha nos estacionamentos, não é difícil encontrar motoristas no DF que tiveram problemas ao chegar e sair de algum local. A jornalista Cleuma Cunha conta que em 2012 quase foi agredida por um usuário de drogas que estava “trabalhando” como guardador de carro no estacionamento de um supermercado da Asa Norte.
Ela conta que foi “salva” após a chegada de um policial militar de moto. “Eu saí do mercado e quando estava chegando próxima ao carro o flanelinha me pediu um dinheiro. Essa hora da noite você paga, sendo mulher e sozinha, eu pago. Quando ele chegou eu dei R$ 2 e nem olhei. Ao abrir o carro eu ouvi vários xingamentos, como ‘cachorra’, ‘vagabunda’. Entrei em pânico porque estava com as sacolas de compras e chave na mão. Eu não consegui entrar no meu veículo porque ele ficou balançando a porta do carro. Na hora passou um PM de moto que parou e me jogou dentro do carro. O policial me disse para ir embora. Eu parei mais à frente e liguei para o meu marido vir me ajudar.”
Cleuma conta que o marido chegou ao local e constatou que o carro estava com o retrovisor quebrados e problemas na porta, por conta da tentativa de agressão. Eles foram até o mercado e a polícia estava com o flanelinha que a atacou. Ela conta que o gerente do estabelecimento informou que os seguranças só podem agir até a escadaria e que o estacionamento não é de responsabilidade dos funcionários da empresa.
Ao voltar ao local, dias depois, Cleuma encontrou o agressor trabalhando no mesmo estacionamento. “Eu fui lá alguns dias depois e ele estava trabalhando normalmente. Perguntei para outros guardadores e eles disseram que esse homem tinha ameaçado uma outra mulher com uma faca e o mercado também não tomou nenhuma atitude.”
O enfermeiro Guilherme Fatel teve problemas com guardadores de veículos no Setor Comercial Sul, na área central de Brasília. Ele conta que deixou a chave do carro com um flanelinha para ir ao prédio onde trabalhava. Fatel voltou cinco minutos depois e o trabalhador pediu um dinheiro pelo período em que “olhou” o carro.
“Ele me pediu um dinheiro e eu dei R$ 2. Ele riu e disse que não daria para pagar nem o refrigerante. Outro guardador chegou e me falou para dar algum valor. Repeti novamente que eu só tinha os R$ 2. No outro dia, tive que deixar o carro no mesmo estacionamento. Quando voltei para ir embora o veículo estava com um arranhado enorme na lataria, muito parecido com um que eu tinha arrumado meses antes.”