Em noite de novos conflitos, depredações e saques, Itamaraty e prefeitura do Rio são atacados.
Partidos políticos tentam entrar em manifestações e são expulsos.
Depois de terem conseguido os primeiros resultados concretos, com a redução de tarifas de ônibus em várias capitais, os protestos que tomaram conta das ruas do país tiveram ontem o seu dia mais violento, marcado por confrontos em pelo menos dez cidades. Em Brasília, manifestantes atearam fogo às janelas do Itamaraty e tentaram invadir o prédio: 39 pessoas saíram feridas. No Rio, a caminhada pacífica, com 300 mil pessoas, foi interrompida pela ação de radicais que tentaram invadir a sede da prefeitura. Houve, na sequência, depredação de prédios públicos, pontos de ônibus e sinais de trânsito, saques e focos , de incêndio. Em São Paulo, onde surgiu o Movimento Passe Livre, a manifestação, com 100 mil pessoas, foi pacífica na maior parte do tempo. O MPL se retirou do ato, informando que não assumiria novas reivindicações diante da ação de grupos radicais. Em Campinas, a prefeitura foi apedrejada, e houve confronto com a PM. Em Ribeirão Preto, 12 pessoas foram atropeladas durante o ato, e um jovem de 18 anos morreu. Em várias capitais, houve rejeição aberta a integrantes de partidos políticos. Os que tentaram entrar nas manifestações foram expulsos. A presidente Dilma adiou viagem ao Japão e convocou reunião de emergência para hoje. Em sua proteção, o Exército cercou o Palácio.
Manifestantes radicais venceram a maioria pacifista e deram o tom dos protestos em série que tomaram ontem as ruas do país. Indiferentes à redução dos preços das passagens de ônibus em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, grupos sectários entraram em confronto com a Polícia Militar em pelo menos dez cidades brasileiras, ofuscando as milhares de pessoas que pretendiam se manifestar em paz. As lideranças das marchas, representadas principalmente pelo Movimento Passe Livre, foram incapazes de conter os confrontos. A sede da prefeitura do Rio e imediações, na Cidade Nova, foram transformados em campo de batalha, deixando 34 pessoas feridas. As cenas de violência se repetiram em Brasília, onde o Palácio do Itamaraty foi atacado por vândalos, e em Salvador, Porto Alegre, Manaus, Vitória, Natal, Belém, Campinas e Ribeirão Preto (SP).
Após os confrontos, a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião de emergência com ministros para amanhã, às 9h30m. Preocupada com a escalada na violência, a presidente Dilma Rousseff alterou sua agenda de viagens dos próximos dias, entre as quais uma viagem a Salvador hoje e outra para o Japão no domingo, para acompanhar do Palácio do Planalto a situação. A explicação oficial do Palácio do Planalto, em relação ao Japão, é que a presidente não gostaria de ficar uma semana fora do país, num momento como este.
Carros incendiados, prédios invadidos, lojas saqueadas, muros pichados, mobiliário urbano destruído, confrontos e prisões. Estas foram as marcas dos protestos de ontem, que ocorreram em pelo menos 80 cidades brasileiras e foram enfrentados pelas policiais militares com balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo. Em Ribeirão Preto, um manifestante, Marcos Delefrate, de 18 anos, morreu atropelado quando um carro tentou furar um bloqueio formado por manifestantes. Em Manaus, um jovem foi ferido a faca.
Numa das mais graves demonstrações de vandalismo do dia, grupos munidos de pedras, cones e garrafas quebraram vidros do Itamaraty, em Brasília. Logo que um rojão explodiu dentro do prédio, a PM revidou com bombas de efeito moral, gás de pimenta e usou até extintores para dispersar as pessoas que ocupavam as duas rampas de acesso ao prédio. Um dos manifestantes quebrou um refletor dentro do espelho d”água com um cone de trânsito. Outro agrediu um policial com a haste de sua bandeira.
Mais uma vez, militantes de partidos políticos e organizações sindicais foram hostilizados pelos manifestantes e expulsos dos protestos. Em São Paulo, cerca de 100 integrantes do PT, usando camisetas vermelhas e com bandeiras na mão, chegaram a ser empurrados, xingados e trocaram socos e pontapés com jovens que gritavam “fora, PT”. Diante do repúdio dos manifestantes aos partidos políticos, militantes do PT, do PSB, do PCdoB e de outras legendas, como o PSTU e o PSOL, decidiram participar dos protestos em Brasília sem camisas, bandeiras ou qualquer outra identificação das siglas.
No Rio, os manifestantes que tomaram ontem a Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, não pareciam dispostos a deixar que participantes tirassem proveito partidário do movimento. Houve brigas para evitar que isso acontecesse em vários momentos. Logo na concentração, junto à Igreja da Candelária, cerca de dez militantes usando camisetas da CUT, carregando bandeiras e panfletos, aguardavam o início da caminhada, quando foram cercados por um grupo de 20 manifestantes, que rasgaram as bandeiras e quebraram os mastros.Em resposta às hostilidades, os comandos do PT e do PCdoB mobilizaram sua militância, centrais sindicais e movimentos sociais para fazer uma manifestação paralela. A convocação, uma reação ao apartidarismo da chamada “marcha do vinagre” e uma tentativa de neutralizar um impacto negativo das passeatas para a presidente Dilma Rousseff, foi iniciada nas redes sociais pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão, um dia depois de se reunir com Dilma, o ex-presidente Lula, o marqueteiro João Santana e o ministro Aloizio Mercadante, em São Paulo.
No início da tarde, momento em que as marchas começavam a partir, o clima parecia tranquilo. No Rio, os cerca de 300 mil manifestantes partiram da Candelária em direção à prefeitura tomando a Avenida Presidente Vargas, a maioria caminhava tranquila, empunhando bandeiras e cartazes. Muitos usaram a máscara do “anônimo” e registravam as cenas com celulares e máquinas fotográficas. Porém, não demoraram a surgir grupos de pessoas com camisas escondendo o rosto, como se preparassem para o confronto ao encontrar as tropas policias da entrada da prefeitura.
Os radicais começaram a brigar entre si, mas logo enfrentaram a Cavalaria, postada em frente à prefeitura. No conflito entre manifestantes e polícia, o repórter Pedro Vedova, da GloboNews, foi ferido na cabeça com uma bala de borracha. Um veículo de reportagem do SBT, estacionado perto da prefeitura, foi atacado durante o tumulto. Os equipamentos foram roubados de dentro do carro, que foi pichado e incendiado.
Foi tensa também a situação em Salvador. Desde cedo, manifestantes concentrados no Campo Grande tentaram alcançar a arena da Fonte Nova, onde jogariam Nigéria e Uruguai, seguindo pelo bairro Nazaré. No meio do caminho, porém, foram barrados pela PM. Ao forçar a passagem, entraram em confronto, atirando pedras e outros objetos contra as balas de borracha e bombas de efeito disparados pelos militares.
Em Manaus, além do adolescente esfaqueado, dois ônibus foram apedrejados no protesto que reuniu mais de 30 mil pessoas no Centro da capital do Amazonas. De acordo com a 24ª Companhia Interativa Comunitária (Cincom), um adolescente de 16 anos, identificado como Joseias Santos, desentendeu-se com outro grupo de adolescentes e foi furado com uma faca no ombro por um outro jovem. Ele foi levado para o Serviço de Pronto Atendimento (SPA) do bairro São Raimundo, Zona Sul da cidade, e não corre risco de morte.