Gravação de conversa entre dois advogados feita em 2005 reforça os indícios de que a compra do Hospital Regional de Samambaia, concretizada no governo Roriz, foi irregular. Transcrição do diálogo entre os dois defensores foi um dos itens apreendidos pela Polícia Civil no gabinete do distrital Cristiano Araújo, no âmbito da Operação Drácon
Mais de uma década se passou e um fantasma da gestão Joaquim Roriz retorna em meio à Operação Drácon. Transcrições de uma conversa apreendida por policiais civis no gabinete do distrital Cristiano Araújo (PSD) mostram detalhes de como a cúpula do Banco de Brasília (BRB) e o próprio Roriz teriam se beneficiado da compra do Hospital Nossa Senhora Aparecida, que mudou de nome para Hospital Regional de Samambaia ao passar para as mãos do GDF em 2005.
A transação custou aos cofres públicos R$ 18,3 milhões e, segundo investigação do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o GDF pagou R$ 3,3 milhões acima do valor de avaliação da Caixa Econômica Federal. Essa diferença teria sido dividida entre integrantes do GDF e do BRB.
A gravação, na qual é comentado como o negócio teria ocorrido, foi feita em 2005 pelo advogado Valério Gonçalves. Ele conversava com outra advogada, Leila Fernandes de Souza. Na época, Gonçalves defendia a então proprietária do hospital, Mercedes Barbiani. Leila já havia trabalhado tanto para Mercedes quanto para o BRB, mas não representava mais nenhum dos antigos clientes.
Em 2007, Gonçalves entregou as transcrições a alguns deputados — entre eles, Cristiano Araújo, que estava em seu primeiro mandato —, com o objetivo de ajudar na apuração das denúncias de irregularidade na compra do hospital.
E foi justamente a transcrição desse diálogo entre Gonçalves e Leila que acabou apreendido no gabinete de Cristiano Araújo, em 23 de agosto passado. Segundo o distrital “o documento estava todo esse tempo” na sala dele na Câmara Legislativa.
Mesmo após colher dezenas de depoimentos nos últimos anos — incluindo os do governador do DF e do secretário de Saúde à época da compra do hospital, Joaquim Roriz e Arnaldo Bernardino, respectivamente —, as investigações do MPDFT não avançaram. A parte criminal foi arquivada definitivamente em abril deste ano.
Financiamento
Segundo a conversa entre Gonçalves e Leila, Mercedes tentou um financiamento no BRB ainda no governo de Cristovam Buarque — entre 1995 e 1998 —, mas o pedido foi rejeitado. Já na gestão de Roriz, a empresária procurou novamente o banco. A proposta foi aceita, sob a condição de que fosse contratada a construtora Polígono Engenharia. Mercedes aceitou, e o empréstimo acabou sendo liberado em 1999. Os recursos foram utilizados em obras no Hospital Nossa Senhora Aparecida.
Leila afirma, na gravação, que o dinheiro saiu graças à influência que o proprietário da Polígono, Juvenal Amaral, tinha sobre a cúpula do BRB. “A Mercedes ficou desesperada porque precisava do dinheiro para começar aquilo lá… Aí o Elizeu (Gonçalves das Neves, ex-administrador do Hospital Nossa Senhora Aparecida) foi e conversou com o Juvenal. Aí deu certo, porque o Juvenal era carne e unha com o presidente do banco”, conta a advogada na conversa com Valério Gonçalves.
Seis anos após contrair o financiamento, Mercedes estava inadimplente e não conseguia pagar as parcelas. Foi então que o suposto esquema teria sido articulado. O hospital acabou confiscado para que a dívida da empresária com o BRB fosse quitada. E o banco, então, vendeu a unidade de saúde para o GDF. A advogada relata que “quem comandou aquela negociação todinha foi o Célio”, em referência ao ex-diretor Jurídico do BRB Célio Prado Guimarães.
Em seguida, Gonçalves e Leila falam sobre as suspeitas de irregularidades e duvidam que as investigações sobre o caso avancem, uma vez que foi necessário “o alto escalão para pôr o negócio para frente”. Ela ressalta que o presidente do BRB à época, Tarcísio Franklin, era amigo de Joaquim Roriz.
Leia trechos da transcrição:
Leila: Os caras são muito fortes por trás. O Tarcísio é amigo do Joaquim Roriz.
Valério: Mas você acha que o Roriz está envolvido nesse negócio do hospital?
Leila: Ah, Valério, com relação ao hospital eu não sei, não. Mas, na verdade, foi ele quem autorizou, foi ele que mandou liberar o dinheiro.
Valério: Mas por que ele fez isso?
Leila: Porque ele gosta de dinheiro, lógico. Por exemplo, se for fuçar direitinho, R$ 10 milhões vieram, foram para a Secretaria de Fazenda e lá, ó… Viu o dinheiro? Para quem foi esse dinheiro? Comprou medicamento, fez alguma coisa? Não.
Outro lado
Ao ser procurado pela reportagem, o BRB negou quaisquer irregularidades envolvendo a instituição e seus ex-diretores. Por meio de nota, o banco disse que toda a transação foi “objeto de rigorosas apurações pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, Banco Central do Brasil e Ministério Público Federal, ou seja, por todas as autoridades competentes”.
O advogado de Joaquim Roriz, Eri Varela, também ressaltou que “tanto não houve irregularidades que o caso foi arquivado”. Segundo Varela, “apenas havendo fato novo” as investigações poderiam ser reabertas.
O advogado Valério Gonçalves não quis se pronunciar sobre o caso. Leila Fernandes de Souza não foi localizada para comentar o assunto. Quanto à Polígono, nenhum dos telefones informados no site da empresa atendeu, tanto os números de Brasília quanto os do Paraná.