Conheça Fumarte Sessions e Iluzine
Em um estúdio com perfume vintage, numa casa no Lago Norte, a banda brasiliense Judas grava um videoclipe em tom informal de uma versão deCópias mal feitas, de Alceu Valença. À vontade, os músicos dão novos contornos ao clássico do cantor pernambucano. Captadas pela fotógrafa Patrícia Soransso, as imagens fazem parte do projeto Fumarte Sessions e deixam claro como funcionam as gravações no Estúdio Fumarte, dos irmãos Breno Brites e Bruno Prieto, um dos redutos undergrounds da cidade que tem movimentado a cena local. Uma característica espontânea do espaço é ter recebido bandas influenciadas pela contracultura e psicodelia da década de 1970.
Com produção de Gustavo Halfeld, Rios Voadores, Joe Silhueta, Vintage Vantage, Almirante Shiva e Galopardo já gravam faixas, EPs e discos por lá — e também de fora. Quando veio à capital para se apresentar, a banda Camarones Orquestra Guitarrística, do Rio Grande do Norte, fez questão de passar pelo local, com caráter aconchegante e que remete aos tempos remotos de estúdios clássicos, como o inglês Abbey Road, o paulista Trama e o americano Electrical Audio.
A atmosfera retrô é proposital e se reflete na sonoridade tanto das gravações quanto da web-série Fumarte Sessions. Quanto mais próximo do som orgânico e visceral, melhor. “Nós gravamos de forma muito específica, como se fazia há 50 anos. Tentamos manter o máximo de som ao vivo. A maioria das bandas busca exatamente isso, quer o mínimo de edições quanto for possível. Esse material ‘bruto’, original, tem a capacidade de captar o momento”, esclarece Breno. O reduto tem incentivado a música autoral da cidade e serve de impulso a um novo levante musical candango, um processo em andamento, qual a sala se orgulha de fazer parte. “Somos mais um espaço entre tantos que atendem essa necessidade dos artistas da cidade que querem divulgar sua música”, afirma Brites.
Breno rebate quando questionado se o underground brasiliense parecia morto ou com dias contados. “Exatamente por isso é underground. Não queremos entrar no mainstream, até para dar a atenção que as bandas merecem. Trabalhamos com os músicos de modo pessoal, para fazerem o som com conforto e tranquilidade. Mas, apesar dessa informalidade, não é um hobby, é trabalho”, emenda.
O know-how se equipara ao de especialistas da indústria fonográfica tradicional, embora a mentalidade e abordagem sejam completamente opostas. “A Sala Fumarte é o contrário da produção em massa. É um processo artesanal, o equipamento é analógico, embora o resultado final seja digital. A tecnologia digital permitiu que chegássemos a esse meio-termo, aliando o melhor dos dois mundos. É importante destacar, também, que não gravamos só artistas de rock. O underground está em qualquer lugar e estilo. Na música, há sempre alguém começando”, ressalta Breno. Sobre os vídeos da Sessions, o próximo clipe a ser lançado tem nome marcado: a banda Rios Voadores.
Fotógrafa que trabalhava com videoclipes no Paraná, Patrícia Soransso está radicada há dois anos em Brasília e é quem registra as imagens que começaram como making of descontraído. “A sala recebe uma luz dourada natural. Evitamos filmar a noite. Fui construindo minha linguagem a partir do que o lugar organicamente me oferece, como os quadros espalhados por lá, que dão uma vibe setentista”, comenta a artista.
Zine “subversivo”
Misto de ilustração, colagens e texto, a Iluzine lança nova edição, com inspiração na revista anarquista Víbora, publicada nos anos 1980, no fim da ditadura militar. Em comum, e tão underground como a Sala Fumarte, tem os traços de artistas com inspiração setentista e o anseio de manter-se alheio ao sistema convencional de se fazer cultura. O projeto é encabeçado por três moradores do Entorno: o ilustrador Oberon Blenner, o escritor Gabriel de Jesus e o poeta Leonardo Pereira, que comandam a editora Rroboro. Há, ainda, a colaboração de Rai Cruz, um ajudante de pedreiro e poeta.
Na nova edição, filosofam sobre subversão, niilismo e autoafirmação, no que eles chamam de contracontracultura. Se o mercado de zines já é algo à margem, a equipe do Iluzine se encontra além dela pelo fato de morarem fora do DF, na Cidade Ocidental (GO). “Fomos separados desde sempre. Não faz sentido querer tratar as coisas da mesma forma”, explica Gabriel de Jesus.
Nada panfletário
“Temos um caráter ácido e verborrágico em relação ao circuito de zines de Brasília. Somos o underground dentro do underground. Os trabalhos têm um caráter de reclame social, mas muito subjetivo, nada panfletário.Não é um manifesto, são confissões misturadas a ficções”, diz Gabriel.
Ilustrações psicodélicas, resultado de um processo chamado de fluxo de consciência, no qual Oberon é guiado pela sensibilidade e só depois define o teor das imagens, se encontram com contos e poemas igualmente reflexivos. “Ele se intitula o mestre psicodélico da caneta Bic”, brinca Jesus.
O resgate da imagem da arte marginal mostra como o coletivo se vê em relação ao mundo. “Estamos prestes a viver uma revolução. Quando decidimos ressucitar o zine, em junho, lembramos da nossa ideia inicial, de relembrar a Víbora, que tinha capacidade de fazer uma leitura muito boa do momento histórico que viviam. Nós percebemos que essa responsabilidade agora era nossa”, comenta, explicando que a polaridade política do país os inspira, embora os textos não sejam direcionados a favor ou contra partidos específicos. “Mas para quem entende, um pingo é letra”, encerra Gabriel.