Criado em 1986, o espaço consolida-se também como mas como um local que abriga as mais diversas manifestações culturais
“Inté mesmo a asa branca bateu asas do sertão. Intonce eu disse, adeus Rosinha, guarda contigo meu coração.” A história contada é de que esses versos da música Asa Branca, de Luiz Gonzaga, inspiraram Oscar Niemeyer no projeto da Casa do Cantador de Ceilândia. Logo na entrada do prédio, a ideia é reforçada. Os três grandes arcos da construção simbolizam as asas citadas na canção. O local, que tem objetivo de reunir a cultura nordestina, completa três décadas amanhã.
Desde 1986, bailes de forró, encontros de artistas e apresentações de cantorias improvisadas, conhecidas como repentes, marcam o patrimônio dos ceilandenses. Entretanto, o ambiente de rica cultura nordestina começa a abrir espaço para outros tipos de intervenções. Grupos de hip hop, da cultura negra e até mesmo do rap, agora, podem utilizar o espaço público para apresentações abertas à sociedade. Nesta semana de aniversário, o local conta com uma programação rica em diversidade.
Mesmo que amanhã seja o dia oficial do aniversário, as comemorações começam na sexta-feira. Apresentações de repentistas farão parte das atrações, assim como um bolo será servido à comunidade. As celebrações, porém, seguem até o fim do mês (veja quadro). De acordo com o diretor da Casa do Cantador, Francisco de Assis, o espaço está aberto à diversidade cultural. “Com Ceilândia, nós acompanhamos o crescimento da sociedade. Mesmo sendo de outros movimentos, todos que vêm aqui respeitam o nosso jeito nordestino”, explica. Para ele, permitir outras formas de expressão no local é uma oportunidade de que pessoas de fora conheçam mais do monumento. “O que ocorre aqui dentro vai além do entretenimento. Não podemos deixar nossas características serem engolidas”, realça.
Natural de Brasília e morador da Ceilândia há 43 anos, Francisco, mais conhecido como Neném, não esconde sua paixão pelo Nordeste. “Posso não ter nascido lá, mas meus pais e meus avós, sim. Isso explica meu sotaque carregado”, relata. Neném ainda destaca que, mesmo que a Casa do Cantador não esteja na região central da capital, o público não deixa de comparecer aos eventos. “Quando temos alguma coisa aqui, aparece gente de tudo quanto é canto. A maioria dos brasilienses tem um pé no Nordeste e as pessoas gostam de viver essas memórias do passado”, aponta.
Em 2014, a Casa do Cantador passou por uma reforma para implementar um projeto de acessibilidade a pessoas com necessidades especiais. Hoje, a limpeza e a conservação são destaques no local. No espaço, há aulas de música para cerca de 170 alunos, às segundas, quartas e sábados. A cada quinzena, ocorre ainda o Sabadão do Forró e, em toda última sexta-feira do mês, a Sexta do Repente. Todas as festividades são gratuitas e abertas à comunidade.
Diversidade
A arte de dominar palavras e colocá-las em uma canção sobre os mais diversos temas, no compasso de uma viola, até parece algo fácil para o cantador Francisco de Assis, 54 anos. Chico, como prefere ser chamado, iniciou-se na arte do repente aos 15 anos de idade. “Vivo da viola há 34 anos. Sou formado em artes e deixei de exercer a profissão para viver da minha paixão pelo estilo musical”, conta. Natural do Rio Grande do Norte, ele relata que esse tipo de carreira está se perdendo. “Em Brasília, existem pouco mais de 20 profissionais do repente e apenas cinco vivem disso”, lamenta.
Chico chegou à capital em 1994 e afirma ter tido que se adaptar a uma comunidade tão jovem. “Como repentista, precisamos falar sobre os mais diversos assuntos. É como em qualquer profissão, sempre precisamos estar nos especializando”, destaca. O homem conta que, culturalmente, os cantadores encaram a habilidade como um dom divino. “Eu não acredito nisso, mas, já que nasci no meio, decidi continuar. Porém, é muito gostoso fazer o que eu faço, o apoio do público também reforça meu desejo de me manter nesse caminho”, confessa.