Merendeira espera 1ª consulta com proctologista desde o fim de 2015, no DF. São mil bilhetes, cada um a R$ 40; Fusca ‘Itamar’ é de 1994 e foi reformado.
Sem conseguir atendimento há um ano na rede pública do Distrito Federal, a merendeira Maria José Cardoso Gomes decidiu rifar o Fusca de estimação do cunhado para custear um tratamento contra câncer. Por causa do tumor, que se desenvolveu no reto e está em estágio avançado, ela já perdeu 20 kg. A Secretaria de Saúde disse em nota que a mulher está inserida na lista para a primeira consulta de proctologia e que a convocação ocorre “de acordo com a prioridade de cada caso”.
Maria José conta que sentiu os primeiros sintomas da doença – diarreia crônica e mal-estar no estômago e no intestino – em novembro do ano passado. “A princípio, imaginei que pudesse ser problema nas hemorroidas”, lembra a mulher, que de imediato decidiu procurar o hospital.
A ginecologista que a acompanha emitiu no mesmo mês encaminhamento para que ela se consultasse com um proctologista. Já na época Maria José desconfiou que o problema pudesse ser mais sério, por causa do histórico da família: de 12 irmãos, uma morreu de câncer e outras três já tiveram a doença.
Como os sintomas persistiram, a merendeira pediu auxílio ao médico com quem faz controle da diabetes, que a encaminhou para um gastroenterologista. A consulta também não foi marcada pela rede pública. Por fim, com a ajuda de uma conhecida, ela conseguiu em julho deste ano pedidos para fazer exames de endoscopia, ultrassonografia de abdômen e colonoscopia.
“E aí veio uma nova luta, que foi para marcar. Só consegui marcar para agosto. O de abdômen, que não é feito pela rede, fiz particular. Ele e a endoscopia não deram nada, estava tudo limpo. Aí faltava a colonoscopia. Eu passei mal no dia e não foi possível fazer. O médico remarcou para setembro. Dois dias antes, me ligaram do Hospital Regional de Sobradinho dizendo que não tinha médico e que só teria como fazer em novembro”, conta.
Ainda sentindo dores e depois de atingir 60 kg, Maria José procurou clínicos-gerais para pedir medicação, mas não recebeu receitas, porque a doença ainda não estava diagnosticada. Em outubro, ela procurou o oncologista da irmã em um hospital particular e fez a colonoscopia.
“Constatou na hora, tanto que não teve nem como concluir, porque está muito grande. O médico da irmã disse: ‘olha, eu vou ser bem realista, você não tem tempo para esperar’. Ele disse que o tumor pode se romper, que está grande e inflamado”, diz a merendeira.
A mulher recebeu a indicação de fazer 31 sessões de radioterapia e dez de quimioterapia para só depois extrair o tumor. O primeiro tratamento foi orçado em R$ 16,5 mil. O preço do segundo ainda não foi informado, nem o da cirurgia. Maria José usou R$ 6 mil do FGTS para ajudar a custear a etapa inicial. Ela recebe dois salários-mínimos por mês (R$ 1.760).
“Eu me sinto inútil, eu me sinto envergonhada porque eu não posso fazer nada. Estou doente e não tenho como me tratar. É uma situação humilhante e muito difícil”, contou Maria José. Moradora do Paranoá, ela conta que depende da ajuda de dois filhos, de 27 e 18 anos, além das irmãs.
“A reação dos efeitos da quimio e da rádio é muito forte. A gente sente muito enjoo, muita náusea, fica sem apetite para comer”, completou a merendeira. “Se depender da Secretaria de Saúde, vou ficar sentada esperando a morte chegar.”
Rede pública
De acordo com a Secretaria de Saúde, a rede pública oferece atendimento de oncologia no Hospital de Base (cirurgias, quimioterapia e radioterapia) e no Regional de Taguatinga (quimioterapia). “Há, também, um convênio com o Hospital Universitário de Brasília, que é da União, e dispõe de um acelerador linear.”
Pacientes com diagnósticos de câncer passam, inicialmente, por uma triagem da área de oncologia que indica o acompanhamento mais adequado ao caso. Para o tratamento em radioterapia, a espera chega a oito meses – muito acima dos 60 dias determinados em lei. Atualmente, há mil pessoas aguardando pelo serviço.
“Os motivos para o não cumprimento da norma são variados e vão desde a problemas históricos estruturais, de manutenção de equipamentos e falta de recursos humanos – todos oriundos da grave situação financeira em que o DF se encontra”, diz a pasta.
Para quimioterapia, de acordo com a secretaria, não há fila de espera e o atendimento ocorre em até cinco dias após o paciente dar entrada no tratamento.