Parlamentar afirmou que houve ‘erro da assessoria’. Refeições ocorreram em setembro de 2011 e custaram entre R$ 23 e R$ 87, cada uma.
O Software criado para monitorar gastos públicos conseguiu a primeira devolução de dinheiro usado de forma irregular. Alegando “equívoco da assessoria”, o deputado federal Celso Maldaner (PMDB-SC) devolveu R$ 727,78, referentes a 13 refeições feitas no mesmo dia e pagas com dinheiro da Câmara dos Deputados.
As refeições ocorreram em setembro de 2011 e custaram entre R$ 23 e R$ 87, cada uma. O deputado só devolveu o dinheiro em 29 de novembro. Procurada, a assessoria do parlamentar não se manifestou oficialmente sobre o caso.
O gasto foi percebido pelo programa criado por um grupo de desenvolvedores que vasculham documentos atrás de inconsistências no uso da verba indenizatória da Câmara.
Entre os cerca de mil casos flagrantes descobertos, há o de um deputado que pediu reembolso de uma cerveja comprada em um restaurante badalado de Las Vegas, nos Estados Unidos – mesmo que seja proibido usar dinheiro público para comprar bebida alcoólica. Também há o de outro parlamentar, que gastou R$ 144 com vinhos em um hotel de Brasília
A ferramenta funciona cruzando informações de bancos de dados públicos, como o da Câmara e o da Receita Federal. “Com uma nota fiscal do almoço de um deputado, a gente verifica se o restaurante realmente existe. Vemos, por exemplo, se a empresa é do genro dele. E se o deputado compra passagem para Tocantins e almoça em Manaus, isso lança um alerta”, afirma um dos criadores, o publicitário de Brasília Pedro Vilanova.
O trabalho para “ensinar” as máquinas a identificar possíveis irregularidades é feito principalmente por sete especialistas, contando com ajuda de mais de 180 voluntários pelo mundo.
“A ideia surgiu em um estalo, em uma conversa pelo chat. ‘E se nós aplicarmos essa tecnologia no trabalho que já é feito para combater a corrupção?’, pensei. Como estamos acostumados a criar aplicativos, começamos a brincar e nos surpreendemos com o resultado”, disse o desenvolvedor Felipe Cabral, um dos idealizadores.
Batizado de “Serenata de Amor”, o projeto faz referência a um escândalo ocorrido nos anos 1990 na Suécia, conhecido como “Caso Toblerone”. Com base em compras do chocolate, investigadores descobriram que a mais cotada candidata a primeira-ministra do país usava verba pública para cobrir gastos pessoais.
Segundo Pedro Vilanova, a checagem de notas fiscais já acontecia manualmente desde 2013. Pelo menos 237 casos flagrantes foram reportados ao Ministério Público, que conseguiu retorno de R$ 5,5 milhões desviados. No plano digital, o desafio é ensinar as máquinas a ficarem alertas diante de uma eventual fraude. “Se o parlamentar faz uma refeição de R$ 600, e a gente sabe que a média lá é de R$ 100, a máquina identifica isso como ponto fora da curva. Então, a gente vai lá e investiga.”
De acordo com os integrantes, a iniciativa é apartidária. “Hoje a tecnologia de ciência de dados está na mão de poucos, principalmente de empresas como Google e Facebook. A ‘Operação Serenata de Amor’ é um movimento para ajudar nosso país a resolver problemas que vemos poucos se preocupando e atacando diretamente”, afirma o programador Írio Musskopf, líder técnico do grupo. Com a automatização, o grupo espera investigar gastos de políticos de outras casas além da Câmara em breve.
Verba indenizatória
A Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap) é uma verba única mensal que serve para custear os gastos de deputados exclusivamente atrelados à atividade parlamentar. É possível conferir quanto cada deputado gasta na página da Câmara.
O benefício depende do estado que o deputado representa – em teoria, quanto mais distante a base do parlamentar fica em relação a Brasília, mais cara fica a passagem de avião. Deputados de Roraima recebem o valor máximo, de R$ 45,6 mil por mês.
Para conseguir reembolso, o político tem até 90 dias para apresentar o documento comprovando o gasto. Os dados são conferidos pela Câmara, que deposita o dinheiro de volta na conta do deputado em até três dias úteis. Se não for usado integralmente, o montante pode ser acumulado.