Os espaços brasilienses começaram a investir em programas de formação de público e começam a ver o retorno do esforço
Formar público é um dos maiores desafios de qualquer galeria ou centro cultural. No entanto, para instituir programas educativos e atividades capazes de atrair visitantes que nunca pisaram em galerias, é preciso investimento a longo prazo, persistência e muita didática. Essa combinação encontra bons resultados em instituições grandes e com orçamentos previamente destinados à área, mas sempre foi uma dificuldade para galerias pequenas e independentes. Mesmo assim, vários espaços brasilienses começaram a investir em programas de formação de público e começam a ver o retorno do esforço.
Este ano, a Referência Galeria de Arte retomará o programa de oficinas gratuitas com artistas, visitas guiadas e encontros, suspensos desde o segundo semestre de 2016, e aposta na formação de público. A maior dificuldade em manter os programas está no lado financeiro do investimento. Mas quando as ações são colocadas em prática, fica difícil quantificar o bom retorno financeiro. “Atualmente, com a diminuição de custos que a galeria se propôs a atingir, nossas despesas em uma exposição estão bem menores que as praticadas quando estávamos no CasaPark”, explica Onice Moraes, ao se referir à antiga localização da galeria, hoje em funcionamento na 205 Norte. Mesmo assim, ela chega a investir 40% do orçamento de uma exposição em programas de formação de público.
Em abril, o artista Christus Nóbrega realizará uma série de oficinas no próprio para complementar a exposição Brinquedos de criança, na qual apresenta a produção mais recente. Uma rodada de conversas para discutir as obras expostas e um pouco de história da arte vão fazer parte das oficinas. Professor do Instituto de Arte da Universidade de Brasília (IDA/UnB), Nóbrega acredita que as funções de artista e educador estão sempre ligadas. “Nesse sentido, é importante que os pequenos espaços de agenciamento artístico da cidade continuem estimulando essas trocas e, principalmente, ampliando suas áreas de atuação incluindo sistemas de arte/educação para formação crítica de público”, diz.
No Elefante Centro Cultural, os primeiros passos foram dados com as residências artísticas. Durante um período pré-determinado, os artistas moraram e produziram na galeria. Durante o dia, recebiam a visita de interessados. A partir da experiência, os coordenadores do local ampliaram a residência para encontros e conversas com os artistas. O contato com o público, acredita a curadora Cinara Barbosa, uma das responsáveis pelo centro, é fundamental para atrair novos visitantes. “Essa é uma tecla que eu, pessoalmente, tenho muito envolvimento”, avisa Cinara. “Tenho falado muito da importância da formação de público e de agentes educativos.”
Cinara criou o Brasília Plano das Artes, um projeto ainda em fase de viabilização. A ideia é envolver todos os espaços independentes da cidade em um circuito conjunto de visitações. “Além de um circuito de passeio, o projeto tem foco em agentes de educação que possam trabalhar em parceria com os espaços”, explica. Mas, para isso, é preciso desenvolver infraestrutura como pessoas para receber o público em tempo integral e eventual transporte.
Sustentabilidade
Atualmente, o Elefante abre apenas durante alguns dias da semana e costuma receber visitantes sob agendamento por falta de equipe que possa ficar permanentemente no espaço. “Formação de público dá sustentabilidade lá na frente”, acredita Cinara. “A gente nota no público que retorna. Além disso, você começa a ver a pessoa circulando em outros espaços.” Ela constatou que houve um aumento de 40% no público de 2016 em relação a 2014, quando o centro cultural começou a funcionar.
Dalton Camargos começou a promover os encontros com os artistas que fazem exposição na Alfinete Galeria desde o início, quando inaugurou o espaço, em 2013. Em janeiro de 2015, ele acrescentou a presença constante do curador e artista Renato Lins, responsável por orientar os visitantes e esclarecer dúvidas. “A formação de público é a chave”, acredita Camargos. A Alfinete já recebeu turmas de escolas públicas e das faculdades de artes do Distrito Federal, mas como a infraestrutura da galeria é pequena, as visitas acontecem por iniciativas de professores e disposição dos alunos. Não há ônibus nem lanche para incentivar programas permanentes e parcerias com escolas.
Mesmo assim, Camargos calcula em 30% do orçamento de cada exposição o valor investido na formação de público. “É uma forma de aproximar, de trazer as pessoas para perto para que não seja um estranhamento lidar diariamente com arte contemporânea. Para que as pessoas vejam que galeria não é algo que você tem que se preparar para ir”, diz. “É a única forma de construir público para que, lá na frente, tenha uma cena.”
Prática constante e positiva
Em 2016, a Caixa Cultural recebeu um público 408.641 pessoas. Desses, 30.982 foram atendidos em algum dos três programas educativos do espaço. O número foi um pouco menor que em 2015, quando 43 mil pessoas passaram pelo educativo, mais de 10% do total dos 367.144 visitantes que passaram pela Caixa em 2015.
A redução, explica Ana Luiza Fraga, gerente do espaço, se deu por conta num pequeno atraso na licitação para contratar a empresa responsável pelo educativo. O retorno, no entanto, é enorme. “Os programas educativos fazem com que as pessoas experimentem a Caixa , interajam. Eles refletem no acesso à cultura. Não queremos só mostrar que tem uma exposição e que é gratuito, mas fazer com que pessoas que nunca foram a uma exposição voltem”, avalia Ana Luiza.
A Caixa Cultural trabalha com quatro frentes de formação de público. Os atendimentos agendados estão abertos a pessoas de 3 a 70 anos. Como são feitos previamente, o espaço pode escolher a metodologia adequada de acordo com a demanda. “E com especial atenção para estudantes da rede pública,— que são nosso foco, — idosos e deficientes”, diz a gerente. As oficinas são destinadas a um público adulto e têm como objetivo familiarizar os participantes com técnicas e linguagens apresentadas nas exposições do espaço. Encontros e ações temáticas focadas em datas especiais são a terceira opção. Além disso, a Caixa também investe na formação de pessoal na área.
Exemplo
O Museu do Louvre, em Paris, é o mais visitado do mundo. Recebeu, em 2016, 8,6 milhões de visitantes. O programa educativo da instituição é um dos mais elaborados e longevos da museologia contemporânea. Vários programas importantes são tocados pelo museu. Em Perguntas de crianças, por exemplo, os jovens visitantes são estimulados a formular perguntas sobre determinadas obras apresentadas em sala de aula por um curador do museu. As sessões são gravadas e disponibilizadas online com a respectiva indicação da escola na qual aconteceu. É uma forma de levar o museu à sala de aula. Quando a criança se encontra, de fato, em frente à obra, já teve contato com os aspectos principais da peça.
Visitantes de todas as idades também podem participar de várias oficinas, inclusive em família. Há desde os ateliês para aprender a fazer os croquis diante das obras até aulas de fotografia de obras de arte para incorporar noções de composição, enquadramento e iluminação. Em 2015, o museu francês investiu 2 milhões de euros do seu orçamento de 105 milhões em atividades educativas.