Grupo agia em residenciais de alto padrão, dentro e fora do Brasil. Além de carros importados, suspeitos tinham joias, relógios e bolsas furtadas; sete foram detidos, e três seguem foragidos.
Uma mega operação da Polícia Civil do Distrito Federal prendeu sete suspeitos de integrar uma organização criminosa especializada em furtar condomínios de luxo, em diversas regiões do Brasil e até no exterior. Ao todo, mais de R$ 5 milhões em joias, bolsas de marca, relógios e bebidas das vítimas foram recuperados. A operação foi detalhada pelo Fantástico, em reportagem exibida neste domingo (5).
Os produtos foram encontrados em malas em um guarda-volumes alugado pelo grupo em São Paulo. Até a manhã deste domingo, três supostos membros ainda estavam foragidos. De acordo com as investigações, a quadrilha atuava há duas décadas, e parte dos integrantes já tinha sido presa por crimes de furto, em diversos estados e no DF.
Ao longo desses 20 anos, o grupo usou o dinheiro dos furtos para comprar imóveis e carros de luxo, de acordo com a polícia. A investigação também demonstrou que a organização chegou a adquirir um restaurante em um bairro nobre da zona oeste de São Paulo. Com o lucro obtido nos crimes, os membros levavam uma vida confortável e ostentavam os objetos de marca – tanto os furtados, quanto os comprados pelos próprios criminosos.
Operação
A operação de caça aos suspeitos foi coordenada pela Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos (DRF) do DF e começou em janeiro deste ano, quando um empreiteiro do DF foi vítima do grupo. Quando a mulher dele chegou em casa, o apartamento estava revirado, com armários abertos e peças de roupa espalhadas pelo chão.
As câmeras de segurança do condomínio flagraram três suspeitos entrando no prédio por volta das 12h30. Segundo a polícia, os ladrões são Alcyr Albino Dias Junior, de 49 anos, Raquel Veríssimo de Souza, de 45 anos, e Priscila Galhego Luiz, de 36 anos. Alcyr e Raquel foram presos na última sexta (3), e Priscila estava foragida até o fechamento da reportagem.
A advogada Gisele Melo Mendes da Silva disse que apenas Dias Junior, Raquel e Priscila são culpados e que os demais são inocentes. “Os três envolvidos: a Priscila que ainda não foi presa e encontra-se foragida, a Raquel e o Alcyr [Albino Dias Junior] vão confessar os crimes para ter uma pena atenuada quando da sentença de condenação”.
De acordo com a investigação, os três são os líderes da organização criminosa, e os principais articuladores das ações. Os demais atuavam na lavagem de dinheiro e ajudavam na fuga.
Para conseguir acesso aos prédios, os assaltantes usavam roupas de academia, bonés e óculos escuros – uma estratégia para se “camuflarem” entre os moradores e enganarem os porteiros. De longe, eles fingiam estar falando ao telefone e acenavam para os funcionários, que acabavam liberando o acesso sem conferir documentos.
Imagens das circuito de vigilância mostram os ladrões chegando ao elevador sem nada nas mãos. Minutos depois eles saem – já com malas e mochilas, chamam um táxi e vão embora tranquilamente. As portas dos apartamentos não eram arrombadas, mas abertas com uma “chave micha” (universal).
Segundo o delegado da DRF, Fernando César Costa, os ladrões escolhiam os apartamentos aleatoriamente. “Eles preferiam os andares mais altos, onde normalmente estão os apartamentos mais caros, e faziam audições nas portas para saber se tinha alguém, antes de entrarem”, explicou.
No Rio
Em novembro do ano passado, a organização criminosa também teria cometido um furto milionário em apartamentos de São Conrado, no Rio de Janeiro. As vítimas compareceram à delegacia na última quinta (2) e reconheceram algumas das joias e bolsas recuperadas pela polícia.
Entre as joias, há um anel com diamantes estimado em R$ 35 mil. A reportagem, com autorização da polícia, chamou o ourives Alberto Oliveira para avaliar as joias. “São peças totalmente verdadeiras e de vários formatos. Todas as peças que vi eram reais. Já vi muita joia na minha vida, mas essas eram todas muito caras e bem trabalhadas, com fibra de carbono. Tinha joias raras ou raríssimas”, analisou o especialista, que trabalha no ramo há 50 anos.
Entre os materiais apreendidos, havia bolsas de até R$ 60 mil e relógios de marcas famosas. Os investigadores encontraram também cerca de R$ 80 mil e 30 mil dólares americanos, além de pesos argentinos, uruguaios e colombianos, euros, francos suíços, libras, marcos alemães e diversos outros tipos de moedas, de colecionadores, inclusive.
Somados e convertidos para a moeda local, os valores encontrados em dinheiro vivo alcançariam a cifra de R$ 300 mil. Os detidos também estavam com um Audi, um HRV, um Honda Civic e um Honda Fit, que acabaram apreendidos.
Em São Paulo e no exterior
Para chegar até a quadrilha, os policiais da DRF viajaram para São Paulo, onde moram os suspeitos. Durante um mês, eles foram monitorados e os agentes puderam identificar como eles agiam. A prisão aconteceu no momento em duas delas, Raquel Veríssimo e Alecssandra Navarro Polillo, tentavam embarcar rumo à Argentina para praticar furtos no exterior. Elas embarcaram em Guarulhos, rumo a Foz do Iguaçu, onde acabaram detidas.
Alcyr, um dos líderes, também acabou sendo deportado pela Polícia Federal para o Brasil ao chegar na Argentina. Os policiais estavam em contato com os agentes da DRF, mas não informaram o motivo da deportação e Alcyr acabou preso em Santo André (SP), já em casa.
Com ele, os agentes encontraram ferramentas utilizadas para abrir as portas dos apartamentos. Alcyr, inclusive, tem passagens desde 1995 e acabou preso em 2004, em Pernambuco, após negociar o pagamento de propina no valor de R$ 500 mil a um delegado de Recife para atenuação da situação dele e do resto da quadrilha .
O delegado foi descoberto em interceptações telefônicas e condenado por corrupção passiva. Acabou expulso da corporação. Alcyr ainda é dono de uma fábrica de salgados, em São Paulo, mas que seria para dissimular a atuação criminosa, conforme as investigações.
Segundo a polícia, o filho dela, Ruan Carlos Veríssimo da Silva, 24 anos, é dono do restaurante de alto padrão chamado “El Santíssimo”, que fica na Vila Madalena, em São Paulo. Ruan acabou preso junto com a mãe e foi enquadrado no crime de lavagem de dinheiro.
“Ele fez vários depósitos na Caixa Econômica Federal dessas joias no nome dele. O box para guardar os produtos furtados que a Raquel utilizava estava no nome dele também”, disse o delegado.
Isso acontecia, segundo ele, porque Raquel tinha mandados de prisão em aberto e não podia ter nada em seu nome. Ela, inclusive, passou a usar o nome falso de Rosana. Mãe e filho foram enquadrados nos crime de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Além disso, Raquel vai responder pelos furtos e por falsidade ideológica.
Vítimas
Até este domingo, a polícia já tinha ouvido o testemunho de oito vítimas. “Foram reconhecidos objetos de duas ações do grupo no Rio de Janeiro, em novembro de 2016, e também no crime que ocorreu no Sudoeste, aqui em Brasília, que motivou o início da investigação em janeiro”, diz Fernando César.
Em 2012, Alcyr também teria vindo para o DF, onde invadiu quatro apartamentos. Uma das vítimas reconheceu um dos brincos apreendidos, que teria sido feito sob encomenda. A joia estava no apartamento de Raquel.
“Conseguimos desarticular a ação desse grupo no país inteiro e na América do Sul. A doutrina empregada nessa investigação é a de enquadramento na organização criminosa, que vai permitir apurar os furtos e outros crimes praticados em outras unidades da federação e também a lavagem de dinheiro”, diz o delegado.
“Com isso, vamos conseguir uma elevada apenação e também apreender diversos bens que poderão ser devolvidos a vítima e ao Estado”, explicou Fernando César. A polícia vai pedir o bloqueio dos ativos financeiros dos envolvidos e sequestro dos imóveis no nome deles. “Eles vêm atuando há décadas. Não tem como justificar o patrimônio que aferiram nesse período”, destaca.
A prisão temporária foi convertida em preventiva. Com isso, todos os suspeitos permanecerão presos por tempo indeterminado.