Via e Odebrecht prometeram ‘subcontratar’ concorrentes para vencer licitação; Arruda teria dado aval. Verba para reeleição de Agnelo comprou habite-se, diz ex-executivo; defesas não comentaram.
As negociações para a construção do Centro Administrativo do Distrito Federal, em Taguatinga, entre 2007 e 2014, foram marcadas por “acordos de mercado” na fase de licitação e repasses ao caixa dois de campanhas eleitorais, afirma um dos delatores da Odebrecht na operação Lava Jato. Responsável pela obra, o consórcio Centrad é formado pela empreiteira e pela Via Engenharia, que tem sede em Brasília.
As informações constam na delação do ex-executivo da Odebrecht João Antônio Pacífico Ferreira – os vídeos foram liberados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (12) (veja trechos ao longo da reportagem). O delator cita envolvimento dos ex-governadores Agnelo Queiroz (PT) e José Roberto Arruda (PR) no esquema – as defesas dos políticos não quiseram comentar o caso.
No depoimento, Pacífico afirma que a concessão da carta de habite-se para o complexo de 180 mil metros quadrados, no último dia útil de 2014, foi parte de um acordo de “colaboração de campanha”, em verbas não declaradas para a reeleição do então governador Agnelo Queiroz.
“Ora, nós estávamos com uma obra praticamente concluída. Nós tínhamos um financiamento desse valor aí, mais de R$ 700 milhões. À obra, não tinha sido dado o habite-se, apesar de terem sido cumpridas todas as exigências. Aí, nós condicionamos a colaboração de campanha, que saiu de forma, a grande maioria, não oficial, a que essas providências fossem tomadas”, diz.
Nesse trecho do depoimento, o delator não chega a citar os valores que, supostamente, teriam sido pagos à campanha de Agnelo em 2014. Em um dos pedidos de inquérito enviados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Justiça Federal no DF, consta um suposto pagamento de R$ 1 milhão em propina – este, referente a 2010.
Segundo o ex-executivo da Odebrecht, cada parcela do repasse era condicionada a um tipo de contrapartida. “Implementar as garantias, recebimento da primeira fase, aprovação do aditivo, implementação, ‘assim, assado'”, enumera. Os acordos constavam em uma planilha, “uma espécie de programa de ação”.
Durante o depoimento, João Antônio Pacífico defendeu que as contrapartidas exigidas pelo consórcio “não eram mais que uma obrigação” do GDF, ou seja, atitudes que deveriam ter sido tomadas antes mesmo do acordo. Segundo ele, um total de R$ 2,5 milhões chegou a ser “operacionalizado”.
Habite-se ‘catastrófico’
Em um dos vídeos liberados, o delator explica aos procuradores da República que, mesmo com a promessa de financiamento, o habite-se do Centro Administrativo foi obtido “de uma forma muito catastrófica”. Segundo ele, Agnelo Queiroz forçou a liberação do documento em tempo recorde porque queria “ter a placa dele” como responsável pela inauguração.
Para obter o documento e liberar a ocupação dos prédios, segundo Pacífico, dois chefes da Administração Regional de Taguatinga (órgão responsável pelo habite-se naquela região) foram demitidos.
“O primeiro se recusou a assinar, não ia assinar um habite-se em 15 de dezembro, do último ano do governo Agnelo, quando o Agnelo já tinha perdido a eleição, não era mais o governador. Colocaram outro, até que surgiu um último colaborador, chamado Anaximenes Vale dos Santos, que assinou o habite-se em 31 de dezembro. Obviamente que o governo Rollemberg cassou essa liminar nos primeiros dias do governo dele. “
A assinatura do habite-se em 31 de dezembro de 2014 – último dia de Agnelo à frente do Buriti – resultou em uma ação do Ministério Público contra o ex-governador e Anaximenes Santos por improbidade administrativa. Os bens de ambos chegaram a ser bloqueados pelo Tribunal de Justiça do DF em 2015, mas o mérito do processo ainda não foi julgado.
Durante o depoimento, Pacífico também cita o nome do vice de Agnelo e atual assessor especial de Michel Temer, Tadeu Filippelli (PMDB). Segundo o delator, era Filippelli quem “coordenava as ações, botava a máquina pra andar” nas obras do Centro Administrativo.
“Quando nós fomos procurados, inicialmente, [foi] através da Via. A Via também tinha uma relação muito boa com o Tadeu Filippelli, com o governo, por ser uma empresa mais local. Nos procuraram para fazer contribuições de campanha”, diz o ex-executivo.
Arruda e o ‘acordo’
A delação de João Antônio Pacífico também implica o ex-governador José Roberto Arruda (PR) nas supostas irregularidades que envolvem o Centro Administrativo. Segundo o ex-diretor da Odebrecht, a parceria da empreiteira com a Via Engenharia foi resultado de uma “sinalização” do grupo político de Arruda.
“Teve uma sinalização de que o governo, como havia uma empresa local, que sempre esteve presente em todas as campanhas do grupo dele – eu acho que não era somente do então governador José Roberto Arruda, sempre esteve presente nas campanhas do grupo político. Então, ela tinha uma espécie de preferência”, diz Pacífico.
“Então, ela [Via] foi indicada também pelo grupo político do governo [Arruda]. Claro que, se fosse uma empresa sem nenhuma especialidade, nós iríamos vetar. Mas como era uma empresa com essa habilitação, nós concordamos.”
Questionado por um dos investigadores, Pacífico diz acreditar que havia interlocutores diretos do GDF nessa negociação. “Foi um acordo entre as empresas, mas óbvio que tinha pessoas lá que acompanhavam. Podiam até não botar a cara na fotografia, eu não me recordo quem era, mas imagino que deveria ter. Acho que sim.”
Para vencer a licitação, Via e Odebrecht ainda teriam fechado um “acordo de mercado” com o consórcio concorrente, que reunia as empresas Delta e Manchester. As construtoras desistiram da licitação principal, sob a promessa de que seriam “subcontratadas” para atuar na manutenção dos prédios, segundo Pacífico.
“Essas empresas não tinham nenhuma experiência em obras de PPP [parceria público-privada]. Nunca tinham feito. Não tinham a cultura de obras com essas características. À medida que o projeto foi caminhando, se constatou que na realidade eles queriam era tumultuar o processo”, afirma o delator.
Segundo o depoimento, o acerto foi definido em uma reunião entre representantes da Manchester e os ex-executivos da Odebrecht – e também delatores – Alexandre Barradas e Ricardo Ferraz. O encontro ocorreu “em alinhamento com o governo do estado (sic)”, de acordo com Pacífico.
“Nesses diálogos, eles [Manchester] colocaram que tinham realmente interesse em participar, e propuseram de eles participarem com 25% na parte de operação e manutenção. Depois de muita discussão, eles exigiram um documento formal assinado por ambas as partes. Nós não assinamos, mas a Via Engenharia assinou esse termo.”
Posicionamentos
Em nota divulgada nesta quarta, o Palácio do Buriti informou que não vai comentar os pedidos de investigação, porque o processo judicial está em andamento. Também em nota, a Odebrecht disse entender que “é de responsabilidade da Justiça a avaliação de relatos específicos feitos pelos seus executivos e ex-executivos”.
“A empresa colaborou com a Justiça, reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um Acordo de Leniência com as autoridades brasileiras e da Suíça e com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas”, diz o texto.
‘Lista de Fachin’
Todas essas citações a Agnelo, Arruda e outros políticos sem mandato vigente no DF integram uma lista de 201 pedidos de investigação remetidos a instâncias inferiores de todo o país pelo ministro relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin. As petições foram repassadas porque os alvos não têm o chamado “foro privilegiado”.
O ministro também autorizou a Procuradoria Geral da República (PGR) a investigar 8 ministros, 3 governadores, 24 senadores e 39 deputados. Os pedidos se baseiam na chamada lista de Janot, feita com base em delações de ex-executivos da Odebrecht.