“Se ele tivesse uma voz humana, seria algo entre Morgan Freeman e Dwayne ‘The Rock’ Johnson”, diz Philipp Hagspiel, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Freeletics, empresa alemã responsável pela atualização do Coach. O treinador virtual, disponível para os usuários premium do aplicativo Freeletics Bodyweight, se comunica por meio de mensagens inspiradoras e instrutivas, tal qual o guru das palestras motivacionais Anthony Robbins. Sua capacidade de aprender com o feedback do usuário e criar programas de treinamento físico personalizado é um dos segredos do sucesso do aplicativo, que domina a lista dos mais baixados nas categorias de saúde e fitness das lojas virtuais há meses.
O Freeletics Bodyweight funciona como um guia para exercício físico que pode ser feito em qualquer lugar, mesmo se o tempo for apertado. Ao baixar, o usuário informa seu sexo e seu objetivo (perder peso, adquirir condicionamento físico ou ganhar músculos). Se quiser, pode completar o cadastro com outras informações como lugar em que vive, redes sociais das quais participa e até uma mensagem pessoal de motivação. O aplicativo, então, fornece programas semanais de exercícios – todos vêm com vídeos que ensinam como executá-los bem. À medida em que avança, o usuário ganha pontos como em um videogame e marca presença numa rede social interna mundial baseada em troca de mensagens e “clap-claps”, um tipo de “like” que serve para reconhecer o bom trabalho de um outro usuário. Na versão paga, que pode custar menos de R$ 15,00 por mês (o valor depende do tempo da assinatura), o Coach garante programas de treino exclusivo, com exercícios focados na vontade e nas possibilidades físicas do usuário. “Parece que ele sabe tudo sobre nós”, diz a psicóloga Ana Agostini, que treina há dois anos com o auxílio do aplicativo.
E sabe mesmo. O sistema de machine learning do Coach foi desenvolvido por um time multidisciplinar que recorreu a pesquisas de última linha no campo da psicologia para estabelecer padrões de comportamento. Se o usuário for realista na hora de delimitar seus objetivos e verdadeiro ao dar feedbacks sobre seus resultados, O Coach estará pronto para fazer sua parte. “A partir de um sistema de probabilidades, conseguimos ter uma boa noção de como o usuário vai reagir diante das instruções do Coach”, explica Hapsgiel.
O Coach está em constante desenvolvimento. Antes de sua atualização mais recente, no começo de 2017, ele costumava ser ainda mais rigoroso e exigente nos treinos. Sobreviver às primeiras semanas sem desistir do aplicativo era um desafio para poucos. Mas Hapsgiel explica que treinar mais pesado nem sempre significa treinar melhor. Agora, o Coach pega mais leve com os novos usuários, até que eles se acostumem com a rotina e informem ao aplicativo qual é o ritmo mais adequado. Usuários veteranos também sentiram a diferença, já que o aplicativo incluiu novos exercícios e a relação com o coach ficou ainda mais próxima. “Parece que você está conversando com o seu personal trainer. Se você está com dor na perna ou no braço, ele evita passar exercícios focados naqueles músculos”, diz a estudante de engenharia Luma Navas, que há dois anos conta com a ajuda do Coach em seus treinos.
1,5 milhão no Brasil
Cerca de 70% dos usuários são homens, 30% mulheres.
Gente como a gente
Para muitos, o primeiro contato com o aplicativo são os anúncios espalhados pela internet. Um dos mais famosos é o de Oswaldo. O vídeo mostra a primeira história de transformação por meio do Freeletics Bodyweight documentada no Brasil. Mais do que imagens comparativas forçadas de antes e depois – fórmula já desgastada de anúncio de produtos criados para emagrecimento -, a história de Oswaldo é real e de fácil identificação. A estratégia do aplicativo é criar um ambiente inclusivo, em que os usuários reconhecem o esforço de outros, acolhem os que têm dificuldades, e não discriminam os que fogem do padrão sarado das academias. O analista de sistemas Marcelo Shoji chegou ao aplicativo em 2014 e a troca de experiências entre usuários foi o que o convenceu a ficar. “Vi histórias muito parecidas com a minha, de gente que conquistou um corpo que nunca imaginava que conseguiria ter”, conta.
A possibilidade de fazer exercício dentro de casa com o apoio de desconhecidos ao redor do mundo e de amigos à distância de um clique é a porta de entrada para o Freeletics Bodyweight. Mas não é a única. De acordo com a psicóloga Sherry Pagoto, pesquisadora da Universidade de Massachusetts e colunista do site Psychology Today, a falta de tempo não é o único fator que mantém as pessoas longe de uma rotina saudável de exercício físico. O problema é que não gostamos de situações de desconforto. Naturalmente evitamos nos expor a suor, dor muscular, calor, chuva, etc. Malhar na frente de outras pessoas dentro da academia também não é a mais prazerosa das atividades – principalmente para quem tem autoestima baixa.
“A academia é um lugar cheio de rótulos e estereótipos, não é um ambiente confortável”, diz Gabriel de Oliveira, que responde pelo aplicativo alemão no Brasil. Ele conta que, por causa do apoio mútuo, o grupo de usuários do Freeletics – que se autodenominam “Movimento dos Atletas Livres” – extrapolou o ambiente do aplicativo. “Alguns dos melhores amigos que eu tenho, conheci através do Freeletics”, diz Ana Agostini. Para quem acha exagero, ela mostra os cinco grupos de Whatsapp relacionados ao Freeletics dos quais participa ativamente.
Jeitinho brasileiro
O aplicativo Freeletics Bodyweight está disponível desde 2014 para os brasileiros. Mas o boom veio depois de abril de 2015, quando a empresa contratou um consultor local para monitorar e impulsionar as atividades no Brasil. Assim como num programa de exercícios físicos, os resultados só vieram com muito esforço. Gabriel tratou de organizar a comunidade, treinou com outros atletas e a viajou com eles para participar de corridas ao redor do Brasil. “É necessário muita análise de mercado para enxergar as oportunidades corretas. O grande diferencial foi a comunidade. A Freeletics possui grandes produtos, mas a sua verdadeira força está nas pessoas e suas histórias”, conta. Foram essas histórias que tomaram conta das redes sociais, permitindo o crescimento exponencial do app.
Com disciplina e trabalho, uma empresa pequena (começou com apenas 3 integrantes – hoje são cerca de 150 funcionários na Alemanha e apenas dois com dedicação exclusiva no Brasil) ganhou músculos em um tempo relativamente curto. Hoje, a empresa sabe que só a ajuda do Coach pode não ser suficiente para todos os perfis de usuários e encoraja a procura de acompanhamento médico e aconselhamento nutricional, físico e psicológico. Mas o aplicativo se garante.
“O Freeletics é um produto cheio de gatilhos psicológicos para manter a pessoa motivada: é a rede social, é o sistema de clap-clap, é o gamification”, diz Gabriel. Se o usuário precisar de apoio durante as “semanas infernais” (períodos em que o treino fica mais pesado), a comunidade está preparada para ajudar e compartilhar as próprias histórias de superação. Por trás disso tudo, está o Coach que oscila entre o severo e o compreensivo, que empurra até o limite e que respeita o esforço, e que aprende todos os dias com a pessoa que mais entende sobre sua autoestima, seus objetivos e suas fraquezas: você mesmo.