Relator da Lava-Jato defende a validade dos acordos de colaboração premiada, mas afirma que, ao término das investigações, o plenário do Supremo poderá reavaliar os pontos que julgar necessário
Apesar de apenas dois dos 11 ministros terem expressado seus votos, o julgamento do caso JBS, no Supremo Tribunal Federal, que será retomado hoje, caminha para a manutenção de Edson Fachin como relator do processo e pela validação dos acordos de delação premiada firmados com os executivos do grupo do empresário Joesley Batista. Fachin defendeu o próprio direito de firmar os acordos monocraticamente, mas ressaltou que, ao término das investigações, o plenário do STF é soberano para rever os pontos que julgar necessário.
“É no julgamento do mérito, por lei, que o Judiciário poderá analisar a extensão da delação e, por consequência, o benefício respectivo. A legislação permite ao Judiciário, após a conclusão, avaliar se os termos da delação foram cumpridos e a sua eficácia. Nesta Corte, então, a última palavra será sempre do plenário”, amenizou Fachin, em um gesto político de boa vontade com o colegiado.
No início de seu voto, Fachin lembrou que o seu antecessor na relatoria da Lava-Jato, o ministro Teori Zavascki, homologou 19 delações premiadas de maneira monocrática e organizou a mais polêmica — a da Odebrecht — envolvendo 79 pessoas ligadas à empresa. E que esse material foi validado, de maneira monocrática, pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que nem sequer era relatora do caso.
Fachin defendeu que o caso veio para suas mãos porque ele já investigava outro correlato — os desvios praticados na Caixa Econômica Federal com os recursos do FI-FGTS, que fazem parte da delação do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto. “Não se verifica qualquer ilegalidade na distribuição por prevenção do pedido de homologação do acordo de colaboração premiada diante da evidência de fatos relatos conexos com investigações em curso sob a minha relatoria”, disse ele.
O voto de Fachin foi acompanhado pelo caçula da Corte, o ministro Alexandre de Moraes. “É o Ministério Público que vai, dentro da legalidade, discricionalidade regrada, conveniência e oportunidade, fechar o acordo e homologar, perante o relator, e este vai analisar o que já foi bem dito, sem possibilidade de recurso e sem possibilidade ou necessidade de homologação por parte do órgão colegiado”, destacou.
Sinalização
Embora não tenham votado ainda, outros três ministros, em debates durante a sessão de ontem, indicaram que devem acompanhar o entendimento de Fachin e Moraes: o decano Celso de Mello, Marco Aurélio e Luiz Fux. O ministro Gilmar Mendes, conforme antecipou o Correio ontem, aproveitou para criticar a atuação do Ministério Público.
Sem apresentar o voto, Gilmar Mendes defendeu a possibilidade de a Justiça examinar a legalidade das delações e avaliou que algumas colaborações premiadas fecharam compromissos que não estão previstos na legislação. “Está se reescrevendo a lei. Pode se fazer isso? A Procuradoria assumiu agora a função legislativa nos acordos?”, questionou. “É uma mudança na Constituição? Mas foi feita por quem? Aqui há questões delicadas que precisam ser verificadas”, disse.
Na contramão das críticas de Mendes, Celso de Mello saiu em defesa do Ministério Público. “Não podemos desconfiar do MP, que tem tido atuação de grande importância no panorama jurídico nacional”, afirmou o decano. “Não tem sentido que o Poder Judiciário, trate-se de um magistrado singular ou de um órgão colegiado, como o STF, não tem sentido que homologado o acordo, cumpridas as obrigações assumidas pelo agente colaborador, venha esse a ser surpreendido com um gesto desleal do Estado representado pelo Poder Judiciário”, ressaltou o ministro.
“Mesmo aí, não tendo sido eficaz a colaboração, mas tendo sido efetiva a cooperação do agente colaborador, não terá ele também direito aos benefícios? Nesse momento, caberá ao órgão Judiciário competente, quando da sentença, do julgamento final, avaliar e examinar a eficácia resultante dessa cooperação. Nesse momento, há, digamos, um controle jurisdicional, mas um controle que não implica um aprofundamento do exame do conteúdo de todas essas cláusulas”, observou Celso de Mello.
Alvo de críticas do governo e de alguns ministros do STF, e às vésperas de deixar o cargo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi enfático em defender as investigações da JBS. Para Janot, a anulação dos acordos seria um “salto triplo mortal, de costas, espancando o princípio da presunção de inocência”, ao afirmar que os detratores do acordo justificavam que os empresários da JBS faziam parte de uma organização criminosa.