Desde 2011, o país perdeu 22 posições no Índice Global de Inovação e caiu abaixo de nações como o Vietnã. São raras as empresas que exportam tecnologia
Depois de uma longa trajetória acadêmica coroada com um doutorado em química em Bordeaux, na França, Betina Ramos, formada em farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina, notou uma carência no mercado brasileiro que ela poderia suprir. Ela uniu os seus conhecimentos técnicos com a habilidade de gestão do seu marido, Ricardo Ramos, e juntos, fundaram, em 2008, a Nanovetores, empresa focada no desenvolvimento sustentável de sistemas de nanoencapsulação de princípios ativos. Com o apoio de editais de subvenção de agências de fomento, como a Fapesp e a Finep, Betina conseguiu desenvolver uma tecnologia de ponta no país capaz de colocar produtos químicos em cápsulas muito pequenas, capazes, por exemplo, de atingir regiões mais profundas da pele. Opção muito atrativa para a indústria cosmética, que enxergou a possibilidade de ter muito mais efetividade em algumas de suas intervenções, como as contra rugas, fungos e celulite. “Mudamos bastante o desempenho dos produtos cosméticos. Enquanto antes era preciso esperar algumas semanas por um resultado, agora já conseguimos mensurar um benefício importante em alguns dias”, diz Betina.
Em 2012, a Nanovetores recebeu o aporte de um fundo de investimentos e focou no seu crescimento, participando de feiras internacionais e exportando tecnologia. Abriram uma sede comercial nos Estados Unidos e hoje contam com 22 distribuidores espalhados ao redor do mundo, atendendo 24 países. “Acabamos quebrando um pouco o paradigma de que o Brasil não é visto como um potente gerador de inovação com uma grande aceitação internacional”, afirma a empreendedora.
Infelizmente, casos bem-sucedidos de empresas de inovação, como a Nanovetores, não são a regra no Brasil. Para atingir o patamar em que chegou, Betina enfrentou um hermético ambiente de negócios. No Índice Global de Inovação de 2017 – feito pela Universidade Cornell, pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e pelo Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) –, o país amargou a 69ª posição, atrás de nações como Bahrein, Vietnam e Arábia Saudita. Essa situação contrastante com o tamanho da economia nacional, que está estre as dez maiores do mundo, vem piorando com o passar dos anos.
De 2011 para cá, o Brasil caiu 22 posições no ranking. Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), avalia que a crise financeira que o país enfrenta provocou uma forte retração nos recursos públicos disponíveis para fomentar a inovação. Esse quadro, no entanto, também pode ser visto como um reflexo das estratégias empresariais, que não enxergam na inovação uma das principais maneiras de gerar crescimento. “Durante a crise, reduzimos o investimento em inovação, o oposto do que as empresas fizeram nos países desenvolvidos na crise de 2008. Nessas nações, há uma percepção muito mais madura de que a inovação está no centro do círculo de competitividade.”
Antes de questões conjunturais, no entanto, é preciso compreender como a estrutura do país não está montada para favorecer o surgimento de empresas inovadoras. Em termos simples, duas demandas são vitais para aumentar sensivelmente as chances de empreendimentos revolucionários prosperarem: modalidades financeiras de fomento e um bom ambiente de negócios. Inovar custa caro. Sem nenhuma garantia de que se irá ter sucesso na empreitada, a empresa precisa investir em muitos estudos, no desenvolvimento do produto, em testes, na regulação. São poucos os empreendimentos em formação já com capital suficiente para isso. Apesar de ainda estar atrás dos países desenvolvidos nesse ponto, o Brasil possui instituições voltadas a esse fim que geram frutos, como as Fundações de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Foi justamente esse apoio inicial que permitiu que Bruno Avena e Leonardo Nogueira, logo depois de se formarem no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fundassem a empresa Altave, especializada no desenvolvimento de balões estáticos para monitoramento e radiocomunicações. “Se não fossem algumas dessas subvenções que ganhamos, dificilmente teríamos conseguido inventar algo novo”, diz Leonardo, que venceu, em 2014, uma licitação do Ministério da Justiça para balões de monitoramento e segurança na Olimpíada Rio 2016. Hoje, a Altave, que já exporta a sua tecnologia para a Europa, foca os seus esforços em diferentes aplicações possíveis para o uso de balões no mercado civil, como levar internet para áreas remotas, instalar sistemas de telefonias em lugares que sofreram com catástrofes ambientais, trabalhar com internet das coisas em fazendas.
O principal empecilho do país parece ser os entraves burocráticos impostos para o desenvolvimento de um bom ambiente de negócios. De acordo com o Banco Mundial, de um ranking de 127 nações, o Brasil ocupou o 123º lugar no quesito “Facilidade para abrir um negócio”. Quando o assunto é “Facilidade para o pagamento de impostos”, a situação piora, com o país caindo para o 124º posto, melhor somente do que Nigéria, Guiné e Bolívia. Esse tipo de situação desestimula empresários, que acabam tendo que despender boa parte do seu tempo apenas com questões documentais. “Há dois anos, faturamos cerca de 20 milhões de reais e tínhamos doze pessoas preocupadas só com contabilidade e tributação trabalhando para nós. Conversei, na época, com um fornecedor nosso dos Estados Unidos, que faturava cerca de 200 milhões de dólares, e ele só precisava de duas pessoas para mexer com a contabilidade”, afirma Leonardo, da Altave.
De qualquer forma, existem iniciativas no país que tentam reverter esse quadro. A Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) é uma delas. Criada em 2008, o seu objetivo é criar um ambiente de cooperação entre o sistema público e o privado, unindo os presidentes das maiores empresas brasileiras com grandes atores da política nacional. “Várias coisas saíram com a ajuda da MEI, como o novo Marco Legal de Inovação”, lembra Lucchesi, da CNI, em referência à lei que permitiu uma aproximação muito maior entre universidades públicas e empresas privadas e tentou desburocratizar a licitação, compra e importação de produtos voltados para a pesquisa tecnológica. Aos poucos, a inovação se torna um assunto mais comentado no mundo empresarial do país. Esse é o objetivo, por exemplo, do Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, que ocorrerá em São Paulo nos dias 27 e 28 de junho. Em sua 7ª edição, o evento feito pela CNI e pelo Sebrae quer trazer líderes empresariais para debater inovação.
Essas iniciativas são vitais para a economia nacional. Se não conseguir superar seus entraves, o Brasil corre o sério risco de ficar para trás na briga pela competitividade, podendo inclusive perder as empresas nacionais que apostam na inovação. Não são raros os casos de países como Suíça, França, Estados Unidos, Bélgica que tentam levar empreendimentos inovadores brasileiros para os seus territórios. A Nanovetores já foi, por exemplo, assediada pela Suíça a fim de abrir uma filiar produtiva por lá. A Altave também. Ambas com propostas de grandes subvenções financeiras para os empreendimentos. Esses países já perceberam como empresas inovadoras são ótimas para gerar novos empregos e gerar riqueza, o Brasil, por sua vez, ainda segue criando um ambiente hostil aos inovadores.