Festival ‘Assim Vivemos’ vai exibir 32 produções com audiodescrição e legenda em ‘closed captions’ de graça. Evento ocorre entre 6 e 17 de setembro no CCBB; haverá debates com tradução simultânea para Libras.
Para quem não consegue enxergar ou ouvir, assistir a um filme no Brasil pode ser uma experiência incompleta devido à falta de recursos de audiodescrição. Por isso, a cada dois anos, o festival internacional de filmes sobre deficiência “Assim Vivemos” tenta mudar essa realidade.
Na 8ª edição, o evento chega a Brasília nesta quarta-feira (6) para exibir produções nacionais e internacionais com audiodescrição, legendas em “closed captions” e tradução simultânea em Libras. O festival será realizado no Centro Cultural Banco do Brasil até 17 de setembro.
Após passar pelo Rio de Janeiro e por São Paulo, “Assim Vivemos” convida o público candango a refletir sobre preconceito, invisibilidade social, superação, inserção no mercado de trabalho e acessibilidade a quem vive com alguma deficiência – seja física ou mental.
O tema central é o “amor”, que está presente em todos os 32 filmes escolhidos para compor a mostra. São curtas, média e longas-metragens de 19 países nas categorias ficção e documentário – duas produções brasileiras fazem parte da programação.
Segundo a idealizadora e curadora do festival, Lara Pozzobon, o maior objetivo do festival é quebrar preconceitos e promover a inclusão social das pessoas com deficiência por meio da arte e do conhecimento.
“É muito emocionante ver pessoas com deficiência serem representadas em filmes como protagonistas. A vida delas, relação com família, amigos, amores. São as mesmas questões de todos.”
Entre os filmes desta edição, a curadora chamou atenção para a produção brasileira “Luíza”, que se desenvolve em torno das dúvidas e preocupações da família de uma jovem com deficiência intelectual que começa a namorar um rapaz com o mesmo tipo de debilidade. O filme espanhol “Amor aos 20” também aborda as vivências amorosas de um garota com Síndrome de Down.
Outro estrangeiro é o filme norte-americano “Como se eu estivesse voando”, que traz à tona pesquisas recentes sobre a relação positiva da dança com a saúde corporal e mental. A questão será tema de um debate na próxima terça-feira (12).
Além dos filmes, o festival promove quatro debates. O primeiro, “A visão e os sentidos da arte”, ocorrerá nesta quinta (7). O segundo, “Corpo e movimento”, será na próxima terça (12). Em seguida, na quarta (13), haverá o bate-papo “Tecnologia Assistiva de Ponta”. O último debate será sobre “Amor e relacionamento” na quinta-feira (14).
1º em audiodescrição
O festival “Assim Vivemos” foi o primeiro evento de cinema do Brasil a implementar a audiodescrição durante as sessões. Na primeira edição, em 2003, sequer havia um termo para descrever o processo.
“Só na terceira edição descobrimos que isso estava começando a ser feito em outros países e aí pegamos o termo do inglês e do espanhol”, disse a curadora.
A responsável pela audiodescrição foi Graciela Pozzobon, atriz e irmã da curadora. “Ela foi a primeira audiodescritora no país e desenvolveu o processo intuitivamente. Foram muitas conversas com pessoas cegas para entender as dificuldades.”
A curadora, Lara, que a audiodescrição é um processo que requer sensibilidade e concisão de quem o faz. “Não é nada mecanizado. É preciso fazer roteiro, testar e ensaiar para ver se as descrições vão encaixar nos intervalos das falas e cenas.”
Para o festival são necessários dois atores – um para descrever as imagens e outro para fazer a tradução simultânea, já que há filmes estrangeiros na programação.
“É um trabalho muito delicado, com texto direito e a descrição isenta. Sem explicação, comentário ou julgamento. O que está na tela tem que ser descrito.”
Segundo ela, em outras edições, a audiodescrição gerou debates “interessantes”. Como há dois públicos dentro da mesma deficiência – os cegos de nascença e os que perderam a visão em algum momento da vida – as necessidades também são distintas.
“Os que já enxergaram querem uma descrição super completa, com os detalhes mínimos. Os que nunca tiveram visão querem algo mais simples. Com bom senso e a experiência que temos, ficamos no meio termo.”
O pioneirismo do festival, apesar de completar 14 anos, continua sendo a maior referência nacional. Até hoje, segundo Lara Pozzobon, os eventos cinematográficos do Brasil não dedicam a atenção necessária à acessibilidade do público – que é diverso.
“O que tem de adaptação no cinema comercial? Nada.”
Ela disse que um aplicativo italiano que funciona no Brasil já tem sido utilizado para fazer audiodescrição, para legendar e até traduzir em Libras alguns filmes nacionais, mas este é “só o começo”. O app cham-se “Movie reading” e pode ser baixado de graça.
Para pessoas surdas
Para garantir uma boa sessão a quem não escuta, todos os filmes do festival serão legendados em “closed captions” – cujo termo usual passou a ser Legendas para Surdos e Ensurdecidos. Este tipo de descrição inclui identificação de quem está falando e a indicação de ruídos e de música.
Todos os quatro debates vão contar com tradutores e, durante uma sessão sobre surdez no dia 16 de setembro, também haverá traduação simultânea para Libras.
O começo de tudo
Segundo a curadora, Lara Pozzobon, a ideia de criar uma mostra de cinema que abordasse as deficiências e fosse adaptada para este público surgiu durante uma viagem para a Alemanha, quando o marido dela foi convidado para exibir um curta-metragem no festival “Wie wir Leben” (Como Vivemos).
O curta “Cão guia” abordava as experiências amorosas de uma jovem cega. Quem interpretou a personagem foi Graciela, hoje audiodescritora. “Ficamos encantados pelo festival, que nem sabíamos que existia até então”, disse Lara.
“Aquilo mudou nossa vida de tal forma que sentimos que precisávamos trazer pro Brasil.”
Em parceria com a curadoria do festival, o trio assistiu a cerca de cem produções e selecionou 30 para serem exibidas na primeira edição brasileira, que ocorreu em Brasília e no Rio de Janeiro. “A ideia era que a primeira fosse uma mostra do festival alemão, mas acabamos continuando”, disse Lara.
“Eles disseram que adoraram tem ‘um filhote’ do festival no Brasil.”
Já na segunda edição, o festival “Assim Vivemos” abriu inscrições para filmes nacionais e internacionais participarem. “Foi difícil chegar às produtoras do mundo inteiro, mas já nos sentíamos capazes de fazer isso.”
De acordo com a idealizadora e curadora do festival, Lara Pozzobon, atualmente, o público mais expressivo do festival são os profissionais que atuam com pessoas com deficiência, como pedagogos, professores universitários, fisioterapeutas, psicólogos, psicanalistas e psiquiatras. “São os que mais multiplicam a informação.”
Para eles, o festival acaba sendo, também, uma oportunidade de conversar com quem vivencia diariamente os desafios de uma deficiência física ou mental.