Em sessão marcada por confusões, deputados petistas obtiveram liminar suspendendo análise de projeto que prevê alterações no sistema de aposentadoria do DF. A Procuradoria da Câmara entrou com recurso para derrubar a decisão
Ana Viriato – Correio Braziliense
A Justiça acatou um mandado de segurança e suspendeu ontem a votação do projeto do Executivo local que prevê alterações no sistema previdenciário do Distrito Federal, com a unificação dos fundos que reúnem as contribuições dos servidores e a criação de um regime complementar. Em resposta, os representantes judiciais do Legislativo local entraram com um pedido de revogação da liminar. Enquanto não há nova decisão judicial, a base governista mantém o corpo a corpo para incluir a proposta em pauta assim que possível. O saldo de ontem foi uma sessão tumultuada, marcada por polêmicas dentro e fora do plenário.
A apreensão era grande mesmo antes do início das discussões. Ao Correio, o chefe da Casa Civil, Sérgio Sampaio, havia afirmado, pela manhã, que “esse é o projeto mais importante que o governo enviou à Câmara durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB)”. Nesse meio tempo, o governador realizava dezenas de ligações para esclarecer pontos da proposta aos deputados. Distritais da base e da oposição também emendavam políticas durante todo o dia.
Logo nos primeiros minutos da sessão, iniciada às 15h, o distrital Wasny de Roure anunciou o deferimento judicial ao mandado de segurança impetrado por ele e o correligionário Ricardo Vale. No processo, os petistas alegaram que o Legislativo local não respeitou o regimento interno da Casa, que determina o prazo de 10 dias úteis para a apresentação de emenda parlamentar — a proposta passou pelas três comissões responsáveis pela análise quatro dias úteis após o protocolo na Casa.
O desembargador do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) Waldir Leôncio Júnior, então, decretou, em caráter liminar, a suspensão da votação, sob pena de multa no valor de R$ 100 mil. “A complexidade de algumas proposições legislativas, como a ora examinada, não permite que sejam concluídas em prazo exíguo, com inobservância de disposições regimentais, ainda que sob o regime de urgência”, escreveu o magistrado.
Com a notificação sobre a decisão judicial em mãos, a Procuradoria da Casa protocolou, na noite de ontem, o pedido de revogação da liminar, mediante o argumento de que a decisão não apenas determina danos econômicos aos cofres do DF, como está baseada “em premissa completamente equivocada”. “Os deputados distritais podem, a todo tempo, até a votação em plenário, oferecer emendas, mesmo que em processos com tramitação urgente”, sustenta o texto do pedido de derrubada da decisão.
A Procuradoria-Geral do DF apontará que, conforme consta no regimento da Câmara Legislativa, as comissões devem emitir parecer sobre as proposições e as emendas em “dois dias, para matérias em regime de urgência, correndo em conjunto para os colegiados que devam se pronunciar”, segundo informou a Secretaria de Comunicação do GDF.
O movimento dos parlamentares petistas para barrar a votação desagradou diversos distritais. Em tom crítico, o presidente da Casa, Joe Valle (PDT), alegou que “a intromissão do Judiciário na Casa é inaceitável”. O pedetista, que havia adiantado o voto contrário ao projeto de Lei Complementar (PLC) nº 122/2017, manteve a dureza no desenrolar do pronunciamento. “Se os deputados continuarem a fazer isso de forma deliberada, é melhor acabar com o Legislativo local”, emendou. Líder do governo na Câmara Legislativa, Agaciel Maia (PR) também mostrou-se incomodado e adiantou que, com a suspensão da avaliação do projeto, o governo não terá como honrar todos os compromissos. “Anotem: o parcelamento de salários voltará a ser avaliado. Além disso, os pagamentos a terceirizados e a fornecedores ficam comprometidos”, apontou.
Em contra-argumentação, Ricardo Vale avaliou que o mandado de segurança, impetrado na última semana, era a única saída para garantir a ampliação do diálogo com os servidores. “Sabemos que a situação do caixa é crítica e vamos buscar soluções. Mas, para mudar a previdência, precisamos conversar muito com os funcionários”, defendeu.
Tumulto
Enquanto isso, a confusão tornou-se generalizada dentro e fora do plenário. Em meio a empurra-empurra para conseguir acesso à Casa e acompanhar a votação, um professor foi detido pela Coordenadoria de Polícia Legislativa. Segundo a entidade, ele arremessou uma garrafa de plástico com gelo contra um dos seguranças da Casa. O funcionário precisou de atendimento médico, mas não sofreu ferimentos graves.
Na galeria do plenário, manifestantes gritavam palavras de ordem e cutucavam parlamentares. Toda vez que Celina Leão (PPS) tocava no microfone, ouvia o coro “Drácon”, em menção à operação que investiga a concessão de emendas parlamentares ao pagamento de UTIs em troca de propina. O vice-presidente da Casa, Wellington Luiz (PMDB), pediu que uma pessoa da plateia fosse retirada. Apesar disso, a base aliada ainda contabiliza 14 votos favoráveis ao projeto.
Tamanha expectativa quanto à aprovação do texto é justificada com as contas do governo. Todos os meses, o GDF retira do Tesouro R$ 170 milhões para cobrir os pagamentos das aposentadorias do fundo financeiro, que reúne as contribuições dos servidores que ingressaram no funcionalismo até dezembro de 2006. A situação seria resolvida com a união desse caixa, cuja previsão de deficit até o fim do ano é de R$ 3,4 bilhões, ao fundo capitalizado, que terá um patrimônio de R$ 5,4 bilhões até o final de 2017 e é integrado por concursados a partir de 2007 (veja Sob análise).
Na Justiça
Recorrer ao TJDFT para barrar votações na Câmara Legislativa tornou-se um hábito dos distritais. Em junho, Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS) e Wellington Luiz (PMDB) impetraram mandado de segurança para barrar a sessão em que seria discutida a criação do Instituto Hospital de Base do DF (IHBDF). A desembargadora Ana Maria Amarante, contudo, negou a liminar, e a proposta recebeu o aval da Casa, por 13 votos a 9.
Sob análise
A remodelação do regime da previdência muda o sistema de contribuição apenas dos funcionários que ingressarem no funcionalismo público a partir da data de promulgação da lei.
Com a alteração do regime previdenciário:
» O funcionário, obrigatoriamente, destina a contribuição de 11% do salário ao Instituto de Previdência dos Servidores do DF (Iprev/DF), e o GDF, 22%. Contudo, a aposentadoria será submetida ao teto do INSS, de R$ 5.531,31
» Quem quiser receber acima desse valor, terá de aplicar recursos, também, no fundo gerido pelo DF-Previcom. Na prática, o governo aporta, nesse caixa, o mesmo valor que o repassado pelo contribuinte, desde que o montante não ultrapasse a fatia de 7,5% da remuneração do funcionário. A conta não leva em consideração benefícios, como adicional de férias ou vantagens eventuais
» Quem acumula cargos poderá fazer a adesão à previdência complementar em relação a um ou ambos os cargos
» A previdência complementar será de adesão facultativa. O funcionário público poderá optar por contribuir para uma previdência privada, caso achar mais vantajoso
» Os participantes poderão desistir da adesão à previdência complementar ou solicitar a suspensão de contribuições por período não superior a um ano
» A adesão à previdência complementar é interrompida por pedido do participante, por exoneração, demissão ou perda de cargo, ou por vacância, em razão de posse em outro cargo público inacumulável
Sem a alteração do regime previdenciário:
» O servidor, obrigatoriamente, destina a contribuição de 11% do salário ao fundo capitalizado, regido pelo Instituto de Previdência dos Servidores do DF (Iprev/DF), e o GDF, 22%
» O fundo capitalizado reúne funcionários que ingressaram na administração pública a partir de 1º de janeiro de 2007 — 152 aposentados e 34 mil servidores contribuintes. O patrimônio deste caixa, até o fim de 2017, será de R$ 5,4 bilhões
» O valor da aposentadoria é calculado de forma proporcional ao tempo de contribuição e ao valor dos repasses
» A aposentadoria do funcionário público não é submetida a quaisquer tetos