Possibilidade de criação de uma banca de verificação deve ser o maior desafio da universidade após a investigação de fraudes ao sistema por pessoas que se autodeclararam negras ou indígenas. Próximo encontro da comissão responsável está marcado para janeiro
A criação de mecanismos para coibir fraudes no sistema de cotas e a definição de critérios para a verificação da autodeclaração de candidatos que se dizem pretos, pardos ou indígenas deve movimentar a Universidade de Brasília (UnB) no próximo ano. O debate ganhou corpo com a investigação de 100 supostas fraudes, como o Correio revelou na edição de ontem. O caso retoma o debate da volta das bancas de verificação, que funcionaram até 2012. Especialistas apontam que essa pode ser a melhor ferramenta para inibir irregularidades.
O pano de fundo é o aumento do número de cotistas na universidade após a implementação da Lei de Cotas. Um levantamento da universidade, feito a pedido da reportagem, mostra que, nos últimos cinco anos, auentou em 883% o número de estudantes de escolas públicas com alta renda que são pretos, pardos ou indígenas — passou de 378 para 3.719. Os de baixa renda incluídos no mesmo grupo saltaram de 139, em 2013, para 2.279, este ano (veja quadro).
O Ministério Público Federal (MPF) acompanha a averiguação das denúncias e colabora para a formulação de ferramentas que garantam lisura ao processo. Na segunda semana de janeiro, representantes da universidade, do MPF, da comissão de sindicância que apura as irregularidades e de integrantes de movimentos negros devem se reunir para debater a resolução para a situação.
A possível volta das bancas de verificação está no centro do debate — hoje, o critério é a autodeclaração. Todos concordam que a universidade sacramentar a raça dos seus alunos definindo quem é negro e quem não é constitui uma tarefa espinhosa. O receio é de haver constrangimento e discriminação durante a aferição. Normalmente, as bancas de verificação analisam o estudante levando em consideração a cor da pele e outras características, como textura de cabelo, formato do nariz e dos lábios.
Avaliação
Na opinião do professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da UnB e idealizador do sistema de cotas, a banca é a melhor forma de coibir fraudes. “O constrangimento, que é usado como argumento contrário, não é motivo para não ter. Quando se passa no raio-x do aeroporto há constrangimento. Não há ofensa na verificação. A banca é o mecanismo que diminui o erro”, pondera.
Indira Quaresma, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil, foi coordenadora da Comissão de Igualdade Racial e avalia ser necessário o mecanismo. “Há negros que se sentem constrangidos. Mas, infelizmente, há casos de fraude. Tem que cercar de todas as formas para garantir a promoção social para o grupo que tem direito”, explica. Ela destaca que quem frauda o sistema de cotas pode responder pelo crime de falsidade ideológica.
A professora Francisca Cordélia, do Departamento de Linguística da UnB, é estudiosa do sistema de cotas e seus efeitos. Ela é enfática na defesa das bancas. “A verificação é feita por profissionais que são preparados para essa função. Temos a dificuldade de identificação racial no Brasil, mas essa é a principal forma de evitar fraudes”, destaca.
O chefe de Gabinete da Reitoria, Paulo César Marques, defende que o trabalho da comissão de sindicância — composta por dois professores e um servidor da universidade para avaliar as denúncias de fraude — e a verificação das bancas não criam nenhum tipo de constrangimento ou injustiça aos alunos. “A questão é um assunto público, numa instituição pública. Faremos a investigação das fraudes com todo cuidado e adotaremos o melhor critério de verificação para os cotistas”, garante.