Do ponto de vista técnico, uma das áreas de maior apelo social do governo é a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus). A pasta é responsável por elaborar e executar políticas de direitos humanos, antidrogas, de enfrentamento ao tráfico de pessoas e relacionadas ao direito do consumidor. Todos assuntos delicados, que requerem profissionais alinhados e, sobretudo, preparados para lidar com os temas. Mas o responsável por dezenas de indicações no órgão abriu mão de ocupar as vagas da secretaria com especialistas nesses assuntos e empregou apadrinhados.
Líder do governo na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), o deputado distrital Agaciel Maia (PR) indicou para a Sejus um ex-jogador da seleção brasileira de futebol. Josimar Higino disputou a Copa do Mundo de 1986. Escalado como lateral direito, ele fez o primeiro gol daquela edição, defendendo a camisa verde-amarela. Jogou por Flamengo, Internacional, Fortaleza e Sevilha (Espanha), e encerrou a carreira no Baré, de Roraima, em 1996. Mas o clube que o projetou no futebol foi o Botafogo.
Na Secretaria de Justiça, Josimar foi lotado como assessor especial do gabinete. Ocupa um cargo em comissão DFA-16, cujo salário é de R$ 3.554,63. A nomeação do ex-jogador foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) em 8 de dezembro do ano passado. A indicação dele pelo líder do governo é política, campo em que o ex-atleta tentou se aventurar em 2014, quando se lançou a deputado estadual por Roraima, com o nome de guerra “Josimar da Seleção”. Nas redes socais, o ex-craque demonstra intimidade com seu padrinho no DF e exibe fotos em peladas ao lado de Agaciel Maia.
Assim como Josimar, Agaciel também se tornou um personagem conhecido pela Nação. No caso do deputado, pela bola-fora no escândalo dos atos secretos. Ele foi acusado de, entre 1995 e 2009, ter mantido sob sigilo despachos administrativos do Senado Federal, a fim de favorecer servidores e atender a interesses políticos, como encobrir casos de nepotismo e nomear apadrinhados de políticos.
De açougueiro a vendedora de produtos de beleza
Josimar Higino não é o único convocado para o time da Secretaria de Justiça e Cidadania, aparentemente, sem afinidade com os assuntos da pasta. Dono de açougue, sócio de estacionamento, vendedora de produtos de beleza e proprietária de empresa de câmeras de monitoramento estão entre os escalados para a equipe de formulação das políticas públicas da Sejus.
Eles integram a lista de 86 nomeados para diversos cargos na pasta em 8 de dezembro de 2017, ainda na gestão de Zélio Maia da Rocha, que ficou na função apenas 37 dias. O atual secretário é Francisco de Assis da Silva. Ele assumiu o posto em 28 de dezembro. Ambos tiveram as bênçãos de Agaciel Maia, que atua na Câmara Legislativa como um guardião dos interesses do governo.
Entre os casos que chamam atenção, está o de uma sócia da empresa Recarga Real Web Serviços Ltda. Rosilene Pereira da Costa é dona da firma, a qual exibe capital social de quase R$ 1 milhão. Mesmo assim, acabou nomeada para a pasta com um DFA-14, cujo salário para exercer a função de assessora jurídico-legislativa é de R$ 2.937,71.
Ao Metrópoles, ela admitiu a indicação, mas afirma nem sequer ter chegado a tomar posse. “Entre ser nomeada e tomar posse, existe uma distância muito grande”, disse Rosilene. Como se fosse o movimento mais natural do mundo – ter o nome publicado em diário oficial para cargo de confiança –, a empresária conta que, mesmo nomeada, rejeitou o cargo porque queria continuar à frente de sua empresa.
Questionada por que teve o perfil cotado para a função, já que atua em campo absolutamente distinto das necessidades da secretaria, Rosilene se calou: “Não sou obrigada a falar sobre isso”.
Conversa para boi dormir
Ainda segundo a avaliação de quem toma as decisões na Sejus, um açougueiro também reúne credenciais para tratar do escopo de assuntos sob o guarda-chuva da Secretaria de Justiça, como, por exemplo, o enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Lúcio Henrique de Moraes era, até pouco tempo, proprietário de uma boutique de carnes com capital de R$ 60 mil, em Sobradinho. Ele foi nomeado para um DFA-14. A reportagem ligou no estabelecimento comercial e não conseguiu contato. Mas, segundo um homem que preferiu não se identificar, Lúcio recentemente vendeu o açougue para o cunhado.
O cabide de empregos da Secretaria de Justiça e Cidadania serviu ainda para acomodar Geraldo Cordeiro Lopes Filho. Ele é sócio de um grande estacionamento e um lava jato na QI 5 do Lago Sul, o JK. Mas, segundo a nova configuração do organograma do Governo do Distrito Federal (GDF), vai conciliar seu negócio na iniciativa privada com a função de assessor especial do gabinete, em que os vencimentos são de R$ 2.937,71 (DFA-14).
Na tarde desta segunda (15/1), a reportagem foi ao estacionamento de Geraldo e confirmou que ele é o dono do estabelecimento.
Para lidar com vítimas de violência e o combate às drogas no DF, o líder do governo na Câmara Legislativa indicou quatro mulheres. Em comum, elas exibem uma excentricidade. Colocaram como foto principal de suas contas pessoais no Facebook uma mensagem de apoio ao deputado distrital, com os seguintes dizeres: #SomosTodos Agaciel Maia.
Kelly Abrantes Santos, Rita Pereira de Jesus e Neila Damasceno Abadio recebem proventos de R$ 2.241,74 como assessoras na Subsecretaria de Políticas para Prevenção ao Uso de Drogas e Vítimas de Violência.
Beleza de cargo público
Já Letícia dos Santos Marques é estudante de direito e foi nomeada na Gerência Psicossocial, da Subsecretaria de Políticas para Justiça, Cidadania e Prevenção ao Uso de Drogas. Para a função, a jovem recebe R$ 2.241,74. Nas redes sociais, no entanto, ela informa que trabalha como consultora de beleza da Mary Kay.
Assim como colegas, Letícia foi nomeada no dia 8 de dezembro de 2017. Antes da indicação política, a jovem usava o Facebook para exibir postagens pessoais. A partir de 23 de novembro, dias antes de sua nomeação, a estudante passou a publicar sistematicamente posts relacionados às atividades de Agaciel Maia, até mensagens de “Feliz Natal” vinculadas ao deputado.