Quatro anos depois do Mundial no país, só oito das 13 modernizações previstas pelo governo viraram realidade
A cinco meses da Copa do Mundo de 2018, 11 cidades da Rússia se preparam para receber 32 delegações e milhões de turistas. Há quatro anos, Brasília vivia esse momento. Para colocar a casa em ordem e receber os visitantes, gestores passados prometeram investimento e modernização. Criaram projetos de paisagismo, comprometeram-se a oferecer banda larga de internet para a população, garantiram mais câmeras de segurança e apostaram em melhoria nas áreas de mobilidade urbana e lazer. Mas, passado o tempo, o saldo são obras paradas, projetos abandonados e dívidas.
Das promessas de construções ou manutenção prometidas para 2014, quatro que integravam a Matriz de Responsabilidades da Copa saíram do papel: a ampliação da DF-047, a finalização do Balão Sarah Kubitschek, a reforma dos Centros de Atendimento aos Turistas (CATs) e a reconstrução do Estádio Mané Garrincha — o Governo do Distrito Federal (GDF) só reconhece esses como vinculados ao Mundial.
Outros projetos dos discursos governamentais, no entanto, ficaram pelo caminho. Embora não aparecessem na Matriz de Responsabilidade, elas foram lançadas com a grife da Copa do Mundo. É o caso do projeto Burle Marx, que, abandonado no centro de Brasília, virou reduto de usuários de droga. Prometeu-se também que, entre a Rodoviária do Plano Piloto e a Torre de TV, fossem construídas ciclovias, paraciclos, além da instalação de bancos, bebedouros e lixeiras. Mas a lama no centro da capital denuncia a obra nunca acabada.
Diante disso, o governo tenta alternativas para driblar os altos valores de manutenção. É o caso do Estádio Nacional Mané Garrincha, que demanda mais dinheiro do que arrecada. Os gastos chegam a cerca de R$ 700 mil por mês. O prejuízo anual do gigante de concreto que custou R$ 1,6 bilhão — a arena mais cara construída no Mundial de 2014 — é de R$ 6,4 milhões. Por isso, a aposta é transferi-la, assim como o Ginásio Nilson Nelson, o Complexo Aquático Claudio Coutinho e as quadras poliesportivas. Em 22 de dezembro, a Terracap lançou o edital para a gestão privada desses espaços. A abertura dos envelopes das propostas será em 8 de fevereiro, e a expectativa da estatal é de assinar o contrato até abril. O vencedor da licitação assume a concessão por 35 anos e pagará à Terracap R$ 5 milhões por ano, além de porcentagem sobre ganhos eventuais.
Ilusão
Na opinião do professor de administração pública da Universidade de Brasília José Matias-Pereira, as promessas da Copa do Mundo foram resultado de diversos interesses de gestores e políticos. “Ao lado de empresas, eles contribuíram para criar esse grande movimento que resultou em estruturas megalomaníacas, como o caso do próprio estádio, um fenomenal elefante branco que traz um desperdício de recursos públicos. O principal legado deixado foi, sem dúvida, as dívidas”, analisou. “Passamos a viver uma grande ilusão e estamos diante de um pesadelo. Foi uma irresponsabilidade e a soma é esse legado trágico”, disse.
O Correio enviou ao GDF uma lista de 20 obras prometidas para o evento, mas a Secretaria de Comunicação se limitou a dizer que “todas as obras que constavam da Matriz de Responsabilidade foram entregues antes do mundial de futebol”.
Entre o papel e a realidade
DF-047
Situação: entregue
» A obra da readequação da DF-047, via que liga o Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek ao centro da cidade, foi entregue em 2014. A construção integrou a Matriz de Responsabilidades da Copa e teve, no total, 4,5 km de extensão. O serviço, executado pelo Departamento de Estradas de Rodagem no Distrito Federal (DER), foi contratado por R$ 43,4 milhões. O projeto previa, ainda, a construção de um viaduto, vias marginais e a ampliação e a restauração das pistas existentes.
Balão Sarah Kubitschek
Situação: entregue
» A segunda obra que integrou a Matriz de Responsabilidades da Copa foi o Balão Sarah Kubitschek, na Saída Sul, entre o Park Way, o início do Lago Sul e a estrada de acesso ao aeroporto. Entregue em 2014, o túnel tem aproximadamente 700m de extensão, sendo 300m de área coberta. O custo ficou em cerca de R$ 54 milhões.
Centros de Atendimento aos Turistas (CATs)
Situação: entregue
» De nove CATs, restaram três: o do aeroporto, o da Casa de Chá, na Praça dos Três Poderes, e o do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Todos eles funcionam das 9h às 18h, com intervalo para almoço. Somente no primeiro fim de semana da Copa, os CATs atenderam 4,5 mil turistas, Por mês, registram 3 mil atendimentos. Alguns, como os do Setor Hoteleiro Norte e do Setor Hoteleiro Sul, estão abandonados.
Estádio Nacional Mané Garrincha
Situação: entregue
» Inicialmente orçado em R$ 600 milhões, o Mané Garrincha custou R$ 1,575 bilhão: o mais caro do planeta, segundo a Consultoria KPMG, atrás, apenas, de Wembley, em Londres. A obra, no entanto, está envolvida em diversos escândalos de corrupção. A Polícia Federal fala em R$ 900 milhões em sobrepreço. Além disso, gasta-se R$ 700 mil por mês em manutenção. O prejuízo anual é de R$ 6,4 milhões.
Entorno do Mané Garrincha
Situação: inacabado
» A promessa era de que os arredores do estádio ganhassem um projeto paisagístico, com jardins, fontes, passagem subterrânea até ao Centro de Convenções e outro túnel, entre o Parque da Cidade e o Clube do Choro. Nada disso saiu do papel, e o local ainda é usado como estacionamento de ônibus. O orçamento giraria em torno de R$ 360 milhões e envolveria terraplenagem, estacionamento, pavimentação, sistema de alimentação elétrica, paisagismo e revitalização, além dos dois túneis de pedestres e as vias de ligação entre a W5 Sul e a W4 Norte.
Banda larga
Situação: com pendências
» O serviço público de banda larga foi prometido para toda a parte central de Brasília, desde o Estádio Mané Garrincha, passando pelos setores hoteleiros Norte e Sul até a Rodoviária do Plano Piloto. Os brasilienses conseguiram acesso à internet pública a partir de junho de 2014. O serviço é ofertado no centro de Brasília e também dentro da arena, mas, quando há muita gente reunida, os internautas precisam para paciência se conectar.
Expresso-DF Eixo Sul
Situação: entregue
» O Expresso DF (BRT — Bus Rapid Transit), que liga Gama e Santa Maria ao Plano Piloto, foi inaugurado em junho de 2014 como parte do pacote de mobilidade para a Copa do Mundo de 2014. A promessa é que o tempo de viagem nesse trecho fosse reduzido de 90 minutos para 40 minutos. Com 43,8km de extensão, sendo 35km destinados às faixas exclusivas de ônibus, o custo total da obra ficou em R$ 761,4 milhões.
Projeto Burle Marx
Situação: inacabado
» O Projeto Burle Marx, entre a Rodoviária e a Torre de TV, previa melhorias de mobilidade urbana, com a execução de ciclovias, a instalação de equipamentos, como bebedouros, lixeiras, bancos e paraciclos, em uma área de 22 mil metros quadrados. Mas nunca foi concluído. Iniciado em julho de 2013, as obras foram orçadas em R$ 6,5 milhões. Em épocas de chuva, o barro toma conta. Na seca, enche de poeira. Mesmo assim, máquinas e operários ainda trabalham durante o dia.
Viaduto no fim da W3 Sul
Situação: entregue
» A obra foi entregue em junho de 2014, e a promessa era aliviar o trânsito entre o Setor Hospitalar Sul e o Setor Policial. A construção do viaduto fazia parte do projeto de implantação do Veículo Leve Sobre Trilho (VLT) do corredor Eixo-Oeste, mas estava paralisada desde setembro de 2010 por determinação judicial. Um ano depois, o contrato foi cancelado e, somente no início de 2013, a Justiça autorizou a retomada da construção. Ao todo, a obra saiu por R$ 20 milhões.
Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICCR)
Situação: entregue
» O projeto foi inaugurado em abril de 2014. Além disso, gestores falaram em instalar 910 câmeras de segurança. Hoje, é instalado toda vez que um grande evento é realizado na cidade ou diante de alguma situação de crise. O sistema foi usado, por exemplo, durante as manifestações no período da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. O CICCR funciona em uma sala da Subsecretaria de Integração e Operações de Segurança Pública (Siosp).
Veículo Leve Sobre Trilho (VLT)
Situação: inacabado
» O transporte movido à energia elétrica nunca saiu do papel. Iniciado em 2009, a obra tinha orçamento prévio de R$ 276 milhões, mas a Justiça embargou a construção em 2011, após suspeitas de irregularidades no processo de licitação. A ideia era instalar o sistema em quatro eixos. O primeiro englobaria Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo, Taguatinga e Ceilândia. O segundo, a antiga Rodoferroviária e a Esplanada dos Ministérios. O terceiro passaria por Cruzeiro, Sudoeste e Guará. O último cobriria a W3 Sul e a W3 Norte. Não há mais previsão para o VLT que faria o percurso entre a W3 Sul e o aeroporto.
Calçadas na área central
Situação: inacabado
» As calçadas do Eixo Monumental e dos setores hoteleiros tiveram a licitação revogada porque havia interferências nos locais que inviabilizaram a execução do projeto. Um novo estudo chegou a ser elaborado.
Torre de TV
Situação: entregue
» A revitalização da Torre de TV para a Copa foi entregue em junho de 2014. As obras incluíram reforma do piso térreo, guarda-corpos, piso inferior, troca dos três elevadores, inclusão de plataformas elevatórias para cadeirantes e escadas rolantes que ligam a Torre à Feira de Artesanato, poucos metros abaixo. A intervenção custou R$ 12 milhões.