A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) recuou e suspendeu, na segunda-feira (5/2), o edital da licitação para fornecimento de refeição aos presos do 19° Batalhão, o Núcleo de Custódia da corporação. No documento, a PMDF previa pagar mais que o triplo do valor atual. Eles tiveram que rever o termo de referência, pois havia discrepância entre os custos futuros e os atuais, além do cardápio mais sofisticado destinado exclusivamente aos oficiais.
A despesa prevista no documento era de até R$ 46,51 por dia para cada um dos 35 custodiados – valor 220% maior que o praticado hoje, de R$ 14,50. Os detentos devem receber café da manhã, almoço, jantar e lanche noturno. Para o desjejum, a polícia estimava pagar até R$ 7,36 por pessoa; as duas refeições seguintes poderiam sair por R$ 15 cada; e o lanche noturno custaria até R$ 9,15.
A Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) transferiu à corporação a responsabilidade de bancar a comida dos policiais e dos bombeiros militares detidos na unidade localizada no Complexo Penitenciário da Papuda. A Polícia Militar do Distrito Federal receberia propostas até a tarde de segunda-feira (5), mas a decisão do Departamento de Logística e Finanças freou o trâmite. Em nota, a assessoria da PM limitou-se a dizer que a suspensão ocorreu por “motivo de ajustes no termo de referência”.
De 22 de janeiro a 2 de fevereiro, a reportagem questionou os preços divulgados no edital. A PMDF defendia que o valor máximo a ser pago em um ano, de R$ 605,6 mil, era uma referência para as ofertas a serem apresentadas e, por se tratar de um contrato para um número menor de pessoas, o montante unitário ficaria mais alto.
“É direcionado a 35 internos, o que pode elevar o valor diário por preso. Os preços são atualizados, de mercado, e pode haver reduções significativas no valor do contrato a ser assinado, uma vez que a cifra da ata é o máximo”, sustentou. A instituição, porém, não comentou sobre o cardápio.
Desde 2014, a Cial Comércio de Alimentos distribui comida para cerca de 7,6 mil presos alocados no Centro de Detenção Provisória (CDP), na Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II) e no 19° Batalhão. As outras unidades são atendidas pela Nutriz e pela Confederal/Confere.
Feijoada, dobradinha e pudim
Enquanto nos contratos fechados com as três empresas para atender todo o Complexo, válidos até 2019, a Sesipe exige 650g de comida no almoço – 250g de arroz, 100g de feijão, 150g de guarnição e 150g de carne bovina, ave ou peixe –, a Polícia Militar do Distrito Federal demandava um menu recheado.
Entre as carnes, por exemplo, havia opções como 130g de peito de frango ou filé de peixe, 130g de carneiro e 180g de coxa e sobrecoxa de frango. O prato principal precisaria variar entre assado, frito, grelhado, à milanesa ou ao molho.
Segundo o edital, feijoada, dobradinha e linguiça também seriam degustadas. Já a sobremesa deveria ser diversificada com guloseimas como doce de leite, gelatina, pudim e industrializados. Concentrado e adoçado, suco de polpa de 300ml deveria ser distribuído diariamente. Desde 2014, os detentos da Papuda recebem apenas caixas de 200ml da bebida.
Ou seja, se a licitação for finalizada nos moldes do documento atual, os oficiais presos não receberão mais a mesma comida distribuída ao restante do Complexo.
Compare o cardápio previsto pela PMDF no edital suspenso segunda-feira (5/2) e o contratado pela Sesipe para atender todo o Complexo Penitenciário da Papuda:
Poderia ser mais barato, dizem especialistas
Especialistas apontam caminhos menos onerosos que uma licitação para atender apenas o Núcleo de Custódia da Polícia Militar do Distrito Federal, com capacidade para 35 presos – todas as vagas estão preenchidas, segundo a corporação.
O doutor em custos aplicados ao setor público e professor da Universidade de Brasília (UnB) Marilson Dantas avalia que a PMDF poderia repassar a verba para a Sesipe, por meio de uma transferência no orçamento. “Assim, seria a mesma coisa: passaria a pagar pela alimentação, mas não iria gerir o contrato”, explica.
Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, uma possibilidade seria a adesão da Polícia Militar do Distrito Federal ao contrato que está em vigor e atende, além do núcleo, mais duas unidades da Papuda. “O que chama atenção é a diferença entre os valores atualmente pagos e o teto oferecido nessa nova licitação. Quem vai bancar, no final, é o contribuinte”, frisa.
Neste caso, a preocupação deve ser com a transparência do processo de contratação do serviço, alerta o professor de administração pública da UnB José Matias-Pereira. “É importante questionar se, eventualmente, essas mudanças não visam dar algum tipo de privilégio para esses 35 presos”, destaca. A fiscalização cabe ao Tribunal de Contas do Distrito Federal e ao Ministério Público, ressalta o docente.
Quando já tem um contrato que atende por um custo mais baixo, mas se parte para uma mudança como essa, é preciso examinar se há algum objetivo que não seja o de interesse público“
O outro lado
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social (SSP) diz que a transferência da responsabilidade de pagar pelo alimento dos oficiais presos está ligada “estritamente ao entendimento mais recente, de que a tutela dos internos do presídio militar é de responsabilidade da PMDF, e não da Sesipe – cujas unidades orçamentárias são distintas”.
A SSP esclarece, ainda, que o contrato atual, derivado de um pregão eletrônico, não permite aproveitamento por outros órgãos. Não disse, no entanto, se seria viável à Polícia Militar do Distrito Federal repassar à Subsecretaria do Sistema Penitenciário o montante para custear a alimentação no Núcleo de Custódia.
A Sesipe defende não ser possível comparar os valores do atual negócio e o do edital. “Até o final do processo, poderá haver mudanças em valores, que são reduzidos justamente em razão da competitividade do procedimento licitatório”, complementa.
Ao deixar de pagar pela alimentação do Núcleo de Custódia da PMDF, a Sesipe estima economizar R$ 15 mil mensais. Com esse dinheiro, a pasta afirmou que atenderá outras demandas das unidades do Complexo, como manutenção da frota, limpeza, conservação, água e luz.
Lavagem na marmita
Em 2017, as refeições foram alvo de críticas de familiares dos apenados, que as classificaram como “lavagem”, em referência aos restos dados a animais.
À época, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) chegou a apontar que as empresas Cial, Nutriz e Confederal/Confere não entregavam as refeições previstas nos contratos, embora recebessem valores milionários dos cofres públicos. A Vigilância Sanitária fez vistorias e constatou temperatura e transporte inadequados aos alimentos entregues pela Confederal/Confere. No entanto, ainda no ano passado, a SSP assegurou: todos os problemas foram sanados.