Documento do MPGO está no inquérito da Operação Caifás, que resultou na prisão do bispo de Formosa e de padres
A autorização judicial para escutas telefônicas foi fundamental para que o Ministério Público de Goiás comprovasse a conduta do bispo de Formosa (GO), José Ronaldo Ribeiro, o vigário geral, outros quatro padres, dois empresários e um funcionário da Cúria local são suspeitos de desviarem dinheiro da igreja.
As prisões ocorreram nesta segunda (19/3), durante a Operação Caifás, coordenada pelo MPGO juntamente com a Polícia Civil do estado. A suspeita é de que eles tenham desviado mais de R$ 2 milhões da Diocese desde 2015, verba proveniente de batismos, casamentos, crismas, festividades religiosas, doações e dízimos dos fiéis.
O documento com um resumo das escutas tem 51 páginas e diversas conversas de investigados, além de colaboradores do MP que ajudaram nas investigações com depoimentos. Alguns sacerdotes envolveram parentes no esquema, que atuavam como laranjas. Os comentários também mencionam quem foram os padres chamados para depor. Em outras, religiosos comentam estratégias para abafar o caso.
Em uma das conversas, o Padre Mário Vieira de Brito, da paróquia São José Operário, fala que recebeu a visita do bispo, que foi pedir R$ 1,5 mil para ir a um retiro. De acordo com o promotor Douglas Chegury, o bispo, de fato, pedia uma parcela do dinheiro dos envolvidos para mantê-los nas paróquias.
Em outra conversa, do Monsenhor Epitácio Cardozo, vigário-geral da diocese de Formosa, um funcionário avisa que um padre esteve na contabilidade para saber do dinheiro que o município de Flores (GO) passou para a Cúria, pois estavam faltando informações. A ordem de Dom José era não deixar o religioso levar ou copiar nada. Apenas ver e anotar.
O funcionário pede que Epitácio assine um documento sobre a retirada de dinheiro do caixa. Segundo ele, o imediato de Dom José havia retirado parte do valor e assinado a transação. Porém, o ato teria se repetido e, na segunda vez, o sacerdote não teria feito o registro.
“Porque eu não me recordo de nós (sic) ter feito um, um eu sei que eu fiz, quando o saldo do caixa ficou alto, aí o senhor falou, não, lá só tem tanto, aí eu fiz um documento e o senhor assinou, e aí teve um ano eu num sei (sic) se o ano passado que nós fizemos a mesma coisa mas (sic) eu não vi o documento assinado, depois eu vou fazer pro senhor assinar pra mim”, diz.
Epitácio tenta corrigi-lo, e diz que o caixa estava baixo. O funcionário pede para não falarem sobre isso por telefone. O vigário-geral volta a negar. Diz que “seu caixa não está alto”. A pessoa do outro lado da linha, então, afirma que “esse ano já consertou”. A conversa em questão aconteceu em 7 de março.
Ainda no dia 7, uma testemunha comenta com um padre que não está citado como investigado sobre a convocação de outros clérigos para depor. A pessoa orienta o sacerdote a conversar com o colega de batina para que leve o máximo de documentos possível para o encontro com o promotor.
A testemunha conta que conversou com outros padres que sabiam do desvio e que informaram que tinham medo que o bispo tentasse fugir. “Conversando com o pessoal ontem, o pessoal tava falando o seguinte, nós tamo (sic) com medo do Bispo fugir, dele ir pra Roma pra num ser preso. O pessoal está de olho porque se ele falar em sair, o pessoal quer acionar a justiça para não deixá-lo sair”, conta.
Nessa mesma conversa, a testemunha diz que o bispo fez chacota com o oficial de justiça quando foi intimado a depor. Teria dito que “as velhinhas do asilo não o deixam quieto.” “Aí, o oficial falou, não isso aqui num é do asilo não, isso aqui é do Ministério Público de Goiás aqui de Formosa, diz que ele enfiou o rabo entre as perna (sic)”, completa.
Padres falam em intimidação e transferências
Outro trecho do documento que chama a atenção é a conversa entre o pároco da Catedral Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Moacyr Santana, e o pároco da Paróquia São José Operário, ambos presos na operação. A gravação foi feita em 15 de março e eles comentam a ida do juiz eclesiástico Thiago Wenceslau para intimidar os padres que estão insatisfeitos com a falta de transparência nos dados.
“Meu deus… agora vem esse juiz eclesiástico… ôh”, afirma Moacyr. A conversa segue citando indiretamente padres e fiéis que podem ter atrapalhado o esquema. Nesse momento, Mário dispara: “”e esse juiz agora deve dar essas penas canônicas agora pra esses aí, né.”
Moacyr concorda, mas, em seguida, se demonstra descrente. Acredita que o juiz não pode ser “mole”. Mas Mário argumenta que Thiago Wenceslau fará mudanças.
Moacyr se queixa de acusações a respeito do carro que dirige e, em seguida, se queixa do promotor. “Será que o promotor não vê que ele tá sendo um bonequinho na mão desse povo gente, é mais na hora que esse promotor descobrir, que esse povo tentou fazer ele de besta (…), falaram coisa que não devia (sic) eles vão ter que responder, o advogado falou ontem, cês num falaram que o carro era do Padre, agora cês (sic) tem que provar que é do Padre uai”, reclama.
O bate-papo segue em frente. Eles mencionam um restaurante chamado Mediterrâneo, em que alguns padres vão comer com o dinheiro de fiéis. Em seguida, Moacyr menciona dois padres contrários ao bispo. “Eles vão dançar”, afirma.