Outros quatro casos nos últimos dias desalojaram famílias de uma ponta a outra do DF
A fumaça preta lançada de residências manchou o céu do Distrito Federal pelo menos quatro vezes em sete dias. Quase uma centena de pessoas ficou desalojada, e uma mulher morreu em incêndios que assolaram moradias. O prejuízo é incalculável. A constância chama atenção e, de fato, tem aumentado. Em 2017, a quantidade de incêndios domésticos cresceu 44%. Embora tenha custo baixo, a contratação de seguro esbarra no desconhecimento.
Segundo o Corpo de Bombeiros, quase 4 mil chamados para incêndios em residências foram atendidos em pouco mais de dois anos. No ano passado, as solicitações dispararam para 1.776, ante 1.227 em 2016. Nos cinco meses de 2018, já foram mais de 250 ocorrências. Nesta reportagem especial, o Jornal de Brasília detalha perigos, causas, prevenções e ações referentes incêndios domésticos.
De 7 a 14 de maio, o fogo foi elemento comum em Águas Claras, no Gama, na Estrutural e na Asa Norte. Entre as histórias distintas, há caso de quem não tinha nada, perdeu tudo e não sabe como seguir em frente; de quem perdeu a vida; de quem levou mais susto que prejuízo; e de quem conta com ajuda de amigos para se reerguer. Em todas as situações, restou a lição dos perigos escondidos (ou não) nas casas dos brasilienses.
No Setor Santa Luzia, na Estrutural, a maioria das moradias improvisadas é feita de madeira. Okleleone de Oliveira, 37, tinha medo. “Estávamos trabalhando para construir de tijolo, mas não deu tempo. Tudo queimou em questão de minutos”, conta o homem, que trabalhava como eletricista e catador de recicláveis. Ele habitava com o tio um conjunto de barracos, queimados de forma criminosa há uma semana. Agora, moram de favor na casa de um colega. A reconstrução da casa e da vida é um mistério.
Há regras
Há 18 anos o DF tem regulamentação de segurança contra incêndio e pânico, válido para prédios. O Decreto 21.361/ 2000 estabelece os requisitos mínimos para edificações. Desde então, as novas construções precisam passar pelo crivo do Corpo de Bombeiros. O documento define requisitos como extintores, hidrantes, saídas de emergência e tubulação de água nebulizada. Em caso de descumprimento, o local pode ser interditado.
Seguro condominial também é obrigatório por lei. Conforme o Código Civil, a cobertura deve ser contra o risco de incêndio ou destruição, total ou parcial. No cenário brasileiro, segundo a Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), a modalidade apresenta expansão na casa de dois dígitos. No primeiro trimestre de 2018, cresceu 12,4%, depois de duas expansões seguidas. Em 2016, houve 13,2% de aumento. Em 2017, 11,9%. A Fenseg aponta estudo do IBGE que mostra o DF como a unidade da Federação com a maior penetração: 31,37% dos domicílios são segurados.
Asa Norte
O prédio do apartamento que queimou na Asa Norte tinha esse amparo e a seguradora espera o escoramento dos andares atingidos para fazer a avaliação do que poderá ser ressarcido. As chamas romperam 18 cabos de sustentação e comprometeram a estrutura de toda uma prumada – um dos alinhamentos verticais.
A residência, porém, não estava segurada. Amigos doaram dinheiro e organizaram uma lista de compras para contribuir com a retomada da vida – desde lâmpadas a enxoval. Os moradores passam os dias nas casas de familiares.
Seguro: ter para nunca precisar
Seguro residencial é uma modalidade simples e serve para minimizar perda financeira com imprevistos. Incêndios são incluídos nos pacotes básicos. “O fogo leva junto a dignidade”, descreve a empresária Silvia Perrelli, 42 anos. Em setembro passado, um curto-circuito em uma tomada devastou a despensa de seu apartamento, na Asa Sul. A apólice, guardada com intenção de jamais usar, teve de ser sacada quando ela, a filha e a mãe, idosa, correram risco. “Se não fosse o seguro, o prejuízo teria sido muito maior. É uma dor de cabeça para usar, mas é um mal necessário”.
Além da despensa, a área de serviço e a cozinha foram afetadas. De prejuízo, geladeira, freezer, todos os eletrodomésticos, prataria, louça, cristais. O apartamento, no primeiro andar, teve de ser reformado e a parte elétrica, substituída.
“As pessoas não contratam por falta de conhecimento”, aponta Alessandra Monteiro, gerente Executiva de Vendas da Seguros Bancorbrás.
Ela explica que a conta é diferente dos seguros automotivos, bem mais comuns. Para um imóvel com importância segurada de R$ 200 mil, considerando cobertura básica, complementares de danos elétricos e roubo, o custo é de R$ 250 por ano. Isso porque não leva-se em questão quanto o imóvel custa, mas o valor de reconstrução.
A resposta, após o sinistro, pode ser rápida. Alessandra conta que, em geral, as vistorias ocorrem até 48 horas depois do incêndio. No local, peritos fazem avaliação do valor da cobertura. O prazo geral é de 30 dias para indenizações serem iniciadas. “Só não é coberto quando for constatado o incêndio proposital, em que o dono causou para se beneficiar”, esclarece.
Nem todo mundo pode adquirir um seguro deste tipo e principal restrição é relacionada à construção. “Seja um barraco de madeirite na Estrutural ou uma casa de madeira em área nobre, não há cobertura pelo risco inflamável”, explica Alessandra. Não há alteração de valor porque o risco é basicamente o mesmo independente da região.
Vidas são prioridade na operação
O tempo de resposta do Corpo de Bombeiros é de até dez minutos – contados do momento do chamado até a chegada ao local da ocorrência. Na hora da ação, a preocupação inicial é com vítimas. “O lema da corporação é ‘vidas alheias e riquezas salvar’. Primeiro guardamos a vida. Depois, o patrimônio. Dependendo da situação, começar a conter as chamas pode agravar o problema”, explica o major Gildomar Alves, oficial da Informação Pública da corporação.
Ele esclarece que as diferenças territoriais podem interferir nos casos. Na Estrutural, onde Okleleone perdeu tudo o que tinha no barraco, as construções são feitas principalmente com madeirite. Na Asa Norte, o concreto domina. “Apesar de pegar fogo, a combustibilidade é maior com madeira. Se tiver ventando, o alastramento é rápido”, conta. Ainda interferem questões de acessibilidade e até mesmo o hábito cultural de afastar-se para o trânsito das viaturas.
“T” é um perigo
Inúmeras são as causas de incêndios e, dentro de casa, com materiais inflamáveis como cortinas, sofá, armários de madeira e prateleiras, a propagação é rápida. O major Gildomar Alves alerta: “É preciso ter cuidado para não usar o adaptador T (benjamin) porque pode sobrecarregar a fiação, que é calculada pela engenharia”.
O que fazer
A orientação do Corpo de Bombeiros para prevenir incêndios domésticos é sempre fazer inspeção minuciosa do gás e na parte elétrica antes de sair de casa, inclusive nos equipamentos plugados na tomada. É importante certificar-se de que ferro, chapinha e secador de cabelo estão desplugados porque podem superaquecer. Velas devem ser acesas sempre em recipientes com água, e líquidos inflamáveis precisam ser mantidos fora do alcance de crianças.
Se há curto-circuito, explosão ou propagação de fogo, o primeiro passo é tentar manter a calma, evacuar a casa e chamar socorro pelo telefone 193. Abafar com um pano pode piorar a situação. Jogar uma panela incendiada com óleo na água pode causar ferimentos. Jamais a pessoa deve tentar apagar o fogo sozinha.
Saiba mais
O gás de cozinha (GLP) não tem cheiro. Para chamar a atenção dos consumidores, é adicionado um composto à base de enxofre para que seja possível identificar o vazamento. Por si só, o gás não é venenoso, mas pode asfixiar e incendiar.
Segundo informações do CBMDF, mais de 1,5 mil vazamentos foram registrados no DF de janeiro de 2016 a maio de 2018. Outros 92 casos foram de incêndios nos botijões.