Alguns usam a benesse indevidamente, para receber sem trabalhar. Projeto de lei busca coibir essa prática
A legislação eleitoral assegura aos servidores públicos um benefício atrativo para quem pretende ser candidato: o direito a quase dois meses de licença remunerada para fazer campanha sem trabalhar. Mesmo com essa facilidade, o funcionalismo público do Distrito Federal enfrenta, historicamente, dificuldades em eleger representantes para o Congresso Nacional e para a Câmara Legislativa. À exceção de categorias organizadas, como a Polícia Civil, os servidores não têm nomes que defendam seus interesses no parlamento. Em vez de usar o direito ao afastamento para disputar um mandato, muitos aproveitam a garantia para tirar a chamada “licença branca”. Ou seja, se candidatam sem fazer campanha, apenas para garantir 55 dias de folga.
Dos 1.201 candidatos registrados no DF nas eleições de 2014, os servidores distritais representaram ocupação mais numerosa entre todas as profissões declaradas: foram 135 candidatos oriundos do funcionalismo local. Em seguida, aparecem os empresários, em um total de 99 registrados, e servidores públicos federais, com 75 representantes. A lista de funcionários do GDF, entretanto, é maior. Muitos policiais militares, professores e médicos, por exemplo, entram nas estatísticas à parte com a declaração da ocupação principal, e não como servidores.
A legislação determina a concessão de licença a todos os servidores que vão se candidatar a cargos eletivos. O afastamento é sem remuneração, no período entre a escolha do candidato em convenção partidária e a véspera do registro de sua candidatura perante a Justiça Eleitoral.
A partir do registro da candidatura e até 10 dias depois da eleição, o servidor tem direito a licença remunerada. Este ano, o benefício será menos atraente do que em eleições anteriores, já que a campanha terá 45 dias em vez de 90, graças a alterações na lei eleitoral. De acordo com o calendário do pleito, as convenções partidárias ocorrerão entre 20 de julho e 5 de agosto. O fim do prazo para registro é 15 de agosto, véspera do início oficial da campanha.
O presidente do Sindicato dos Servidores e Empregados da Administração Direta, Fundacional, Autarquias e Empresas Públicas do DF (Sindser), André da Conceição, reconhece a prática da licença branca. “A gente sabe que tem servidor que tira licença indevidamente nas eleições, até para concorrer a vereador na disputa municipal. Consegue folga de dois em dois anos. Mas é a exceção. A maioria que concorre realmente tem a intenção de se eleger”, revela. Ele lembra que os partidos têm resistência em dar legenda a pessoas que não agregarão votos, diante da necessidade de alcançar o quociente eleitoral.
O DF tem 84,8 mil funcionários públicos na ativa, além de 48 mil aposentados e 9,8 mil pensionistas. Para André da Conceição, a dificuldade dos servidores em eleger representantes é ruim para a categoria, especialmente em um momento de embate com o governo por reajustes salariais. “Tradicionalmente, servidor não vota em servidor, com exceção da Polícia Civil, que é muito organizada. Isso é ruim, faltam representantes da categoria na Câmara Legislativa e no Congresso. Se houvesse mobilização, seria possível eleger representantes para participar de debates importantes para os servidores, como foi o do Iprev”, acrescenta.
Oportunidade
O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos e Tribunal de Contas do Distrito Federal (Sindireta), Ibrahim Yusef, também lamenta a falta de organização política da categoria, apesar do alto número de funcionários do governo registrados como candidatos nas eleições. “A nossa base é pulverizada e também há muitos problemas de vaidade. Assim, a gente perde a oportunidade de ter uma representação mais forte”, comenta. Sobre a candidatura de servidores interessados apenas em tirar licença remunerada, ele diz que há um agravante. “Com essa licença, a contagem para a licença prêmio fica zerada. Então, isso desestimula alguns”, afirma Yusef.
Os servidores da educação são os mais numerosos do DF: 47,1 mil no magistério e 18,5 mil da assistência à educação. Ainda assim, os professores da rede pública têm dificuldades para eleger representantes. A diretora do Sindicato dos Professores Rosilene Correia lembra que a última representante da categoria eleita para a Câmara Legislativa foi Lúcia Carvalho, distrital que integrou a primeira legislatura da Casa. “Precisamos de voz dentro do parlamento, de alguém que represente os interesses dos servidores, mas, acima de tudo, que defenda a educação. Infelizmente, a Câmara defende cada vez mais os interesses dos patrões, não dos empregados”, comentou Rosilene.
Penalidade em debate
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que coíbe as fraudes nas licenças remuneradas para atividade política. O texto, que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, prevê a obrigatoriedade de comprovação de atos de campanha e prestação de contas dos servidores públicos candidatos. A penalidade para quem burlar a lei apenas para tirar licença remunerada é o pagamento de multa equivalente à remuneração no período da licença.
“Infelizmente, não têm sido raros os casos de servidores públicos que usam o direito de licença para concorrerem a cargos eletivos, mas não realizam atos de campanha. Fazem isso apenas para se ausentar do trabalho, com a garantia da remuneração. Essa conduta, claramente ilícita, resulta em ônus para os cofres públicos, além de obrigar os gestores públicos a providenciarem a substituição no serviço”, justifica o autor do projeto, deputado Nivaldo Albuquerque (PRP-AL).
No ano passado, o Ministério Público de Santa Catarina entrou com ação de improbidade administrativa contra servidores municipais que se candidataram ao cargo de vereador apenas para usufruir de licença remunerada, enquanto faziam campanha para outros candidatos. Na ação, o MP do Estado apontou que os servidores candidatos não tiveram votos. Para os promotores, os servidores “violaram os princípios da supremacia do interesse público, da legalidade, da impessoalidade, da lealdade às instituições, da moralidade e da honestidade, com ato de improbidade administrativa que causou dano ao erário e enriquecimento ilícito”.
Fonte: Correio Braziliense