Diáspora009 e Mercado Étnico usam como referência a cultura e as religiões africanas. Marcas expõe produtos nesta segunda e terça-feira, na Caixa Cultural.
Na capital do país, homens e mulheres negras passam a assumir o protagonismo de quem cria e serve de inspiração para o mundo da moda. Baseados na cultura e nas tradições africanas eles trabalham com o que chamam de “moda com conceito”.
“Cada roupa é um discurso, é o corpo-manifesto”, explica a designer Lia Maria.
É ela a responsável pela criação da Diáspora009, que surgiu em agosto do ano passado. Nos cabides da marca brasiliense, as roupas “são como um manto que exalta a ancestralidade africana e negritude brasileira e os tecidos têm status de obra de arte”.
“A gente vem de uma construção de diáspora em que a escravidão sempre foi central no discurso de quem são os negros, uma visão vitimizadora. Mas nós somos realeza, reis e rainhas africanos”, afirma a designer.
Partindo deste princípio, a marca criou uma coleção que insere pedrarias nas estampas dos tecidos africanos. As roupas serão exibidas em primeira mão em um desfile na Caixa Cultural, às 20h desta terça-feira (20), quando se comemora o Dia da Consciência Negra (veja detalhes abaixo).
Coleção de moda da marca brasiliense Diáspora009
As roupas de Lia Maria já conquistaram outras regiões do país e também participaram de exposições. Em outubro, a estilista esteve em Miami com o artista plástico Josafá Neves para a inauguração da exposição “Visceral Art”. Lá ela mostrou peças criadas com tecidos estampados pelo artista.
Ocupação Baobá: veja programação
Grupo Gongar, de Pernambuco
A Diáspora009 e outras oito marcas do universo negro vão expor os produtos na “Ocupação Baobá”, entre esta segunda-feira (19) e terça (20), na Caixa Cultural. São roupas, acessórios, artigos de decoração, livros e artesanato.
Além do desfile da marca Diáspora009 e da feira de produtos locais, a “Ocupação Baobá” vai oferecer, nesta segunda-feira (19), uma oficina de percussão sobre toques tradicionais na Nação Xambá. A aula começa às 19h30 e é de graça.
Na terça (20), haverá uma apresentação gratuita do Tambor de Crioula de Seu Teodoro às 18h. O evento se encerra às 20h com o show “Ogum Iê!”, do grupo Bongar, de Pernambuco – para este, a meia-entrada custa R$ 15.
A apresentação conta com a participação da moçambicana Lenna Bahule e presta homenagem ao orixá Ogum. Na mitologia iorubana, ele é o deus guerreiro que domina a tecnologia de criar ferramentas a partir do ferro e é responsável por abrir caminhos.
Conheça outras marcas
Roupas da marca brasiliense Mercado Étnico
- Mercado Étnico
Para a criadora de uma outra marca, a Mercado Étnico, as roupas e acessórios que celebram a cultura e as tradições africanas ganham espaço porque as pessoas querem demonstrar o orgulho que sentem pelas raizes.
“Você não encontra esse tipo de produto no mercado tradicional”, diz Aisha Lembá Mueji. Ela explica que a Mercado Étnico surgiu em 2013 a partir de uma necessidade pessoal e logo foi adotada por outras mulheres negras.
“Eu usava muito turbante, mas quase não encontrava para vender. Quando achava, não era como queria. Então, passei a fabricar.”
Camisetas estampadas da marca brasiliense Mercado Étnico
Em pouco tempo, a Mercado Étnico passou vender camisetas com estampas que fazem referência ao empoderamento da mulher negra e às religiões de matriz africana. São termos de saudação aos orixás em angola e iorubá – línguas usadas no candomblé.
“Nas lojas colaborativas, por exemplo, nosso produto acaba sendo visto como exótico e não como algo que é consumido por muita gente. Então, criamos um comércio à parte.”
Mulher afro-empreendedoras durante o Festival Agô
- Ubuntu
As criadoras da marca Ubuntu, Mary France e a filha, Ana Carolina, começaram o negócio para complementar a renda. Hoje, os colares, pulseiras, brincos e jogos de mesa são a principal dedicação da duas.
A base para todas as peças são os tecidos africanos. Uma parte deles vem de São Paulo e a outra, direto da origem.
“Meu cunhado trabalhou na embaixada do Brasil na Tanzânia e me trouxe tecidos de alguns países por lá.”
Recentemente, a Ubuntu começou a revender bolsas e tênis de uma marca de Criciúma, em Santa Catarina, que também trabalha com a estamparia africana.
Apropriação cultural
As criadoras das marcas Diáspora009, Mercado Étnico e Ubuntu afirmam que, embora os produtos sejam inspirados na cultura africana e desenvolvidos majoritariamente para as mulheres negras, eles podem ser usados por quem se sentir à vontade.
Reconhecimento e respeito são palavras chave. “O limite é sempre o bom senso”, diz Lia Maria, da Diáspora009.
“Vestir uma roupa afro não faz uma pessoa racista deixar de ser.”
“Me sinto à vontade de ver pessoas brancas usando roupas afro assim como me sinto à vontade de ter referências europeias. Isso é a diáspora, a dispersão, a possibilidade de construir novos contextos.”
Lia Maria, criadora da marca brasiliense Diáspora009, veste roupa desenhada com tecidos e estamparia africana
Para Mary France, da Ubuntu, o uso de roupas e acessórios com elementos africanos requer o mínimo de conhecimento. “A questão da apropriação cultural começou com o turbante. Muitas mulheres não têm noção do significado dele”, afirma.
“Pra gente ele [turbante] é uma coroa. Não é um adereço pra esconder cabelo sujo.”
“Precisamos fazer as pazes com a ancestralidade e desconstruir essa estereotipia, que não reconhece as nossas identidades, para que possamos rever as nossas relações raciais”, completa Lia.