Protestos dos trabalhadores são uma nova e importante maneira de fazer pressão contra abusos e práticas prejudiciais nas empresas
Por algumas horas, em 1º de novembro, quase tudo no Google parou. Às 11h de San Francisco, em um movimento que percorreu o mundo como uma maré furiosa e alegre, mais de 20.000 funcionários saíram para protestar contra a longa história da empresa de proteger executivos acusados de assédio sexual.
Então a paralisação terminou, e a atenção da mídia retornou às eleições de meio de mandato. Um porta-voz do Google me disse que seus executivos estavam agora ponderando as exigências dos trabalhadores, que incluem mudanças específicas na contratação e nas políticas de gestão, mas a empresa não tinha nenhum comentário além desse. Independentemente da resposta do Google, pouca coisa no gigante de busca na internet – e, talvez, no Vale do Silício – será a mesma novamente.
Durante dois anos, reguladores, legisladores, acadêmicos e os meios de comunicação vêm forçando o Vale do Silício a alterar seus modos dominadores. Mas quem é de fora tem pouca vantagem na tecnologia; há poucas leis que regem as práticas da indústria, e os legisladores lutam para se manter a par das implicações do setor para a sociedade. Os protestos dos trabalhadores são uma nova e importante maneira de fazer pressão; as mesmas pessoas que fazem essas empresas funcionar podem mudar suas atividades no mundo.
Sua eficácia em exigir que a indústria resolva problemas já está clara. Em meados deste ano, um movimento dos trabalhadores do Google contribuiu para a decisão de abandonar o projeto Maven, um plano para trabalhar com o Pentágono em um software para contra-atacar drones. Os funcionários da Amazon e da Microsoft também estão convidando suas empresas a mudar a forma como trabalham com o policiamento. Mas a paralisação do Google sugere que algo maior pode estar por vir.
Em apenas uma semana, os organizadores usaram as ferramentas colaborativas do Google e sua cultura de empresa aberta para criar um movimento abrangente. Suas exigências refletem os comentários e sugestões de mais de mil pessoas que participaram de conversas internas sobre o movimento. Elas incluem pontos de vista há muito tempo marginalizados na tecnologia – de trabalhadores de minorias, por exemplo, e dos terceirizados, os cidadãos de segunda classe da indústria.
Os organizadores da paralisação me disseram que queriam manter esse movimento vivo – para fazer as perguntas mais importantes em relação ao modo como sua empresa opera no mundo, e para inspirar aqueles em outras áreas do setor a utilizar armas semelhantes.
“Algo que temos discutido no grupo, algo com que concordamos, é que agora estamos unidos”, disse Claire Stapleton, gerente de marketing do YouTube, pertencente ao Google, que criou o fórum interno de discussão, onde os organizadores planejaram o movimento. “Temos um grupo de pessoas incrivelmente engajado, e vamos aumentá-lo. Não vamos abrir mão disso ou de uma série de outras coisas. A paralisação não foi um exercício para aliviar o estresse”, continuou ela.
O movimento começou com uma queixa específica: uma reportagem no New York Times dizendo que o Google havia pagado 90 milhões de dólares na saída de Andy Rubin, o criador do Android, depois que ele foi acusado de coagir uma mulher a fazer sexo oral em um quarto de hotel (uma acusação que ele nega, mas que a empresa considerou verídica).
No entanto, os organizadores disseram que seus objetivos eram muito maiores do que assédio sexual e abuso.
“Nossas conversas se expandiram rapidamente. O que queremos que a empresa seja, e o que devemos fazer com o poder que detemos? O Google é para sempre? Achamos que a tecnologia é tóxica? Estamos atravessando uma série de problemas on-line complexos de uma forma positiva?”, contou Claire.
Ao falar com ela e vários de seus companheiros organizadores, fiquei impressionado com seu otimismo intoxicante. Eles transbordam confiança em relação à sua capacidade de exigir uma nova base moral, ética e social em tecnologia. E porque a cultura do Google é um modelo para a indústria e para grande parte do mundo corporativo americano, eles viram a ideia de mudar a empresa como parte de uma luta social e política mais ampla, que faça a diferença.
“Acho que o que fizemos foi refutar o mito de que é muito difícil agir coletivamente”, disse Celie O’Neil-Hart, que trabalha no departamento de marketing do YouTube. Ela descreveu a maneira meticulosa como, junto com outros organizadores do movimento, analisaram tudo que foi dito no grupo e produziram uma lista de exigências. O segredo deles? A própria tecnologia do Google.
“Eu estava recebendo um feedback enorme sobre essas exigências, e, ironicamente, graças aos produtos do Google, como o Google Groups e Docs e comentários, fui capaz de organizar esse fluxo constante de feedback em tempo real de um grupo coletivo de centenas de googlers, ao mesmo tempo que fazia meu trabalho”, disse Celie. Ela notou também que muitos colegas na empresa haviam sido contratados por serem capazes de trabalhar ininterruptamente; agora, essa capacidade foi usada em prol do movimento.
Stephanie Parker, especialista em políticas no YouTube, descreveu a organização do protesto de uma forma que, para mim, soou como o desenvolvimento e o lançamento de um novo produto do Google, apenas com um grupo mais apaixonado e pessoalmente engajado.
“Foi muito divertido ver meus colegas usarem as habilidades que muitos haviam desenvolvido no Google – de gerenciamento de programas, de marketing, de RP – a serviço do movimento”, disse ela.
Muitas coisas na paralisação eram aspectos particulares da cultura do Google, que sempre incentivou uma forma mais aberta de debate. As empresas que adotam um perfil mais sigiloso – o Facebook, por exemplo, ou a Amazon ou a Apple – podem ser menos tolerantes em relação a um grande número de funcionários usando suas habilidades tecnológicas para se rebelar.
Mas tal perspectiva não está fora de questão. Os funcionários da área de tecnologia têm opções infinitas quando se trata de emprego; o mercado de trabalho apertado lhes dá maior margem de manobra para expressar suas preocupações, e a promessa de que suas vozes são valorizadas lhes dá a expectativa de que podem conseguir uma mudança.
“Não achava que isso pudesse acontecer, mas é incrível”, disse Ellen Pao, capitalista de risco que processou sua antiga firma, a Kleiner Perkins Caufield & Byers, por assédio sexual e que agora trabalha no grupo sem fins lucrativos Project Include.
“É outro ponto de pressão – talvez o mais poderoso até agora. E, até recentemente, não víamos pressão alguma”, disse ela.