Seis filmes nacionais tratam de temáticas pulsantes
Uma ponte entre o velho e o novo dá o contexto para vários filmes nacionais que, em estreia, reapresentam problemáticas desenvolvidas por dramaturgos consagrados do passado, por meio do cinema, trazidos de volta ao primeiro plano. Velhos problemas, que parecem acirrados na atual onda conservadora dão o norte para produções como O beijo no asfalto — que marca a estreia do ator Murilo Benício na direção — e Rasga coração, o mais recente filme do prestigioso cineasta Jorge Furtado. O primeiro adapta texto clássico assinado por Nelson Rodrigues, enquanto o outro aposta as fichas numa atualização de obra criada, em 1974, por Oduvaldo Vianna Filho.
Em Rasga coração, o personagem de um menestrel, largado da sociedade e errante entre noitadas de abuso, praticamente sintetiza o papel de Oduvaldo e Nelson, numa conjuntura atual em que há espaço para prisões abusivas; violão na mão, o personagem diz: “Eu não sou juiz, eu sou artista”. Diferenças de visões de mundo determinam uma lacuna na relação entre um pai (Marco Ricca) e o filho (Chay Suede), em Rasga coração. A falência da educação pública e dos hospitais também entra no foco.
Enquanto a mãe (Drica Moraes) tenta apaziguar a relação entre ambos, o distanciamento segue num crescente diante da política e de valores como independência. Entre listas de compras a serem encolhidas e crises do filho no colégio, é a mãe quem explica o filho: “Ele não entende nada da realidade”. Ainda que tenham potencial para convergir em muitos temas, pai e filho vivem rachas que fazem o pai rememorar o quadro da juventude em que lutou contra injustiças como a mordaça da ditadura. O valor da vida humana, conceitos veganos e a defesa, por um personagem, de que “manifestação não é baderna” são elementos de Rasga coração. O texto, comicamente, aponta ponto de equilíbrio para pai e filhos: “Toda geração pensa em sexo”.
Sexo é o tópico fundamental de O beijo no asfalto, outro título que chega aos cinemas. Extraído de obra de 1961, o longa propõe dinâmica especial: para além do enredo, a fonte de criação de Nelson Rodrigues e a dinâmica entre os atores e o processo de realização do próprio filme ocupam o desenvolvimento do projeto. Fernanda Montenegro, Débora Falabella, Lázaro Ramos e Stênio Garcia encabeçam a trama, em que Arandir se vê envolto por uma realidade que conflui para o efeitos de uma falsa notícia produzida para alavancar as vendas de um jornal.
Em tempos de fake news, uma linha de frente se abre para o debate de questões relacionadas à obra O beijo no asfalto: tem relações abusivas, machismo escancarado, mulheres acuadas e preconceito contra os “pederastas” (num termo típico daquele período). Período vivenciado na pele pelo protagonista de outro longa que desponta em cartaz: Henfil (de Angela Zoé), documentário que reativa potencial das criações do cartunista e agitador político, por meio de obras que contestavam o poder de fogo da ditadura. drible de opressão também movimenta a trama de Tinta bruta, premiado filme assinado pela mesma dupla de Beira-mar, Filipe Matzembacher e Márcio Reolon. Destacado no Festival de Berlim como melhor obra associada à temática LGBT, Tinta bruta — concentrado nas vivências de um garoto solitário que luta pelo sustento e por um fiapo de amor, entre sessões de sexo virtual — faturou ainda prêmios de melhor filme, roteiro e atuações (para Shico Menegat e Bruno Fernandes), no recente Festival do Rio 2018. Tratando de intolerância diante da afirmação das mulheres e de “naturalização” do machismo Câmara de espelhos, assinado pela pernambucana Dea Ferraz, é outra das estreias no circuito que traz ainda um exemplar bem pitoresco em termos de produção nacional: A mata negra, terror de Rodrigo Aragão. Folclore, rituais e sangue pulsam na trama em que uma menina encontra um tal Livro perdido de Cipriano.
Raridade na tela
Com entrada franca e estendida por três dias, no Cine Brasília (EQS 106/107), a terceira mostra Novo Cinema Dominicano reúne cinco produções de recentes criadores de origem caribenha. Às 19h de hoje, a atração é o longa Sambá, dos diretores Israel Cárdenas e Laura Amelia Guzmán. Na fita, um ex-presidiário aperfeiçoa a habilidade de boxeador para auxiliar a mãe alcoólatra.
Com exibição amanhã e no sábado, às 20h30, dois curtas se destacam: Ato de rebeldia parte de poesia de Gabriela Ortega, para tratar de enredo do empoderamento feminino, sob o olhar de Isabella Bretón. No sábado, a vez será de Sinal vermelho (de Lucas Estrella), que expõe vivências de meninos em situação de rua.
Ainda na tela do Cine Brasília, uma pré-estreia (amanhã, às 22h) projeta documentário, de média-metragem, assinado por Fernanda Carvalho. Salvo conduto, inexigibilidade de conduta diversa, o filme, traz à tona a problemática de famílias que dependem do Cannabidiol, substância que praticamente implica na necessidade de autocultivo da cannabis, por motivação de saúde.
Outtras estreias
Maria Callas — Em suas próprias palavras
• De Tom Volf. O documentário — narrado, em parte, pela cantora lírica, que completaria 95 anos de idade — traz a atriz Fanny Ardant emprestando a voz para encadear o cabedal de informações atrelado a cartas, filmagens pessoais da cantora e a entrevistas.
A vida em si
•De Dan Fogelman. Estrelado por Oscar Isaac e Olivia Wilde, o filme desenvolve uma trama que passa a limpo o relacionamento de um casal, que atravessa tempo e espaço, numa ampla experiência incorporada a outras pessoas.
O chamado do mal
• De Michael Winick. Uma entidade invocada ao acaso não dará sossego a um casal que está perto de ter o primeiro bebê da família.
Encantado
• De Ross Venokur. Animação em que três princesas se veem atraídas pelo mesmo pretendente.