A crescente demanda de pacientes por produtos derivados da Cannabis pressiona a classe médica
São Paulo – A dona de casa Mariele Martins, de 33 anos, viaja 150 quilômetros, de Taubaté a São Bernardo, para levar a filha Laís, de 1 ano, a um neuropediatra. Após passar por quatro especialistas, finalmente encontrou um que não rejeitasse o único tratamento que diminuiu a frequência de convulsões que a menina sofria: um óleo feito de substância extraída da Cannabis, a planta da maconha.
“O canabidiol não é milagre, mas devolveu a vida pra gente. Hoje, ela reconhece todas as pessoas da casa, assiste a desenhos, interage socialmente, brinca com o irmão”, conta a mãe. Foi logo após o diagnóstico de Síndrome de Aicardi, condição genética rara e congênita, que começou a saga da família para diminuir o sofrimento de Laís. As convulsões chegavam a 70 por dia – hoje não passam de 3.
A crescente demanda de pacientes como Laís pelos produtos derivados da Cannabis, os canabinoides, pressiona a classe médica. De 2015 a 2018, o número de profissionais que prescreveram canabinoides foi de 321 para 911 (alta de 183%), segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reunidos pela Abmedcan, entidade voltada à formação de médicos sobre o tema.
Mas o total de prescritores ainda é baixo, se comparado ao de pacientes que já receberam autorização para importar o produto: 4.236, até outubro. Incertezas sobre as substâncias, dificuldades de delimitar dosagens e insegurança sobre a legalidade da prática estão entre os motivos da baixa adesão.
“Meus pacientes que me forçaram a buscar conhecimento. Fui me atualizando e chegou ao ponto em que não tinha onde ter informação. Fui para fora do País”, diz o neurocirurgião Pedro de Pierro, do Centro de Excelência Canabinoide, também voltado para formação médica.
A empresa é uma das criadas no último ano para dar cursos e palestras para médicos sobre a Cannabis medicinal, tratando do passo a passo da importação e questões jurídicas da prescrição. No País, a Anvisa autoriza importar o canabidiol em associação com outros canabinoides, para tratamento de saúde, mediante prescrição de profissional habilitado. É preciso justificar a opção pelo tratamento e apontar outras terapias realizadas.
Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) delimita que só neurologistas, neurocirurgiões e psiquiatras podem prescrever o canabidiol para crianças e adolescentes com epilepsias refratárias (resistentes) aos tratamentos convencionais.
Profissionais de várias especialidades, como oncologistas e reumatologistas, procuram as formações e também consultoria – a ajuda pode ser até online. Segundo Carolina Nocetti, cofundadora da Abmedcan, listas de prescritores circulam na internet e há filas em consultórios desses especialistas.
“Muitos colegas dizem que não prescrevem porque têm medo. Não sabem como é a metabolização, as implicações”, diz a neurologista Paula Maria Mimura, que começou a estudar o tema após um paciente perguntar sobre o tratamento. Desde então, viu colegas olharem para seu trabalho com desconfiança.
Outro gargalo é o custo. Como não é permitido plantar Cannabis no País, a maioria dos remédios é importada.
Cautela
Para Salomão Rodrigues Filho, psiquiatra e membro do CFM, o debate exige cuidado. “Sabemos os efeitos terapêuticos, mas não conhecemos os riscos (do canabidiol). Não sabemos o que vai acontecer com essa criança (submetida ao tratamento) quando for adulta.” A decisão pela delimitação de especialidades que podem prescrever, diz, é técnica, pois o prescritor precisar ter conhecimento e experiência sobre a doença.
Questionada sobre a regulamentação da Cannabis para uso medicinal – o que poderia reduzir preços -, a Anvisa disse que o tema é debatido internamente e que será criado um grupo de trabalho com outros órgãos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.