Com desastre da Vale, governo quer revisar Política Nacional de Segurança de Barragens, semanas após Senado arquivar PL que endurecia segurança de barragens
São Paulo – O Brasil possui desde 2010 uma Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), mas passados nove anos, sua implantação ainda patina. Falta de recursos, carência de corpo técnico capacitado e ausência de instrumentos para fazer com que o empreendedor cumpra os fundamentos legais minam o objetivo principal da Lei 12.334 — reduzir a possibilidade de acidentes e suas consequências, além de regulamentar as ações e padrões de segurança. A tragédia da Samarco, em Mariana e, agora, a da Vale, em Brumadinho, são frutos dessas brechas.
Na esteira do desastre anunciado na barragem do Córrego do Feijão, na última sexta-feira (25), o governo federal criou um grupo de trabalho para a elaboração de uma proposta que revise a PNSB. “Nós vamos começar a olhar a política nacional de segurança de barragens, vendo as falhas que ela tem para tentar corrigi-las”, disse o vice-presidente Hamilton Mourão, em anúncio na terça-feira (29).
Começamos tarde um debate que não tem nada de novo.
As preocupações sobre a manutenção e fiscalização efetivas das barragens aumentaram, em todo o país, depois da tragédia com a barragem de Mariana (MG), em 2015, que provocou a morte de dezenas de pessoas, deixou centenas de famílias desabrigadas e produziu um desastre ambiental que se estendeu de Minas até o litoral do Espírito Santo, destruindo o Rio Doce.
No ano seguinte ao desastre, uma proposta legislativa (PLS 224/2016) que endurecia a PNSB entrava na pauta da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).
O texto do PL, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), supria lacunas quanto às obrigações dos empreendedores e à atuação dos órgãos fiscalizadores em segurança de barragens, e estabelecia em 50 milhões a multa máxima aplicável como punição por infração administrativa, o que não isentaria o empreendedor de outras sanções administrativas e penais
previstas na Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998), e em outras normas que tratam da matéria.
Entre as medidas propostas no PL, destacam-se por exemplo a obrigatoriedade de contratação de seguro ou apresentação de garantia financeira para cobrir danos a terceiros e ao meio ambiente, em caso de acidente ou desastre, nas barragens de categoria de risco alto e dano potencial alto, além da criação do Fórum Brasileiro de Segurança de Barragens, para articulação dos órgãos fiscalizadores e demais partes interessadas no tema da segurança de barragens.
O texto também determinava que projetos de barragens que envolvam alto risco potencial deveriam ser validados, de forma complementar, por profissionais independentes, a critério do órgão fiscalizador, com o objetivo de elevar a segurança das barragens. Além disso, reiterava a responsabilidade civil objetiva do empreendedor por danos decorrentes de falhas da barragem independentemente de culpa do ponto de vista penal.
Seguindo os princípios da precaução e prevenção, qualquer pessoa poderia pensar que o PL seria aprovado. Apesar de contar com parecer favorável do relator Jorge Viana (PT-AC), por falta de quórum para votação no Senado, ele foi arquivado em dezembro do ano passado.
Segundo a consultora em direito ambiental Letícia Yumi Marques, do escritório Peixoto & Cury, o projeto arquivado propunha aperfeiçoamentos que, se aplicados, poderiam contribuir para a prevenção de desastres como o de Brumadinho, especialmente por meio do “guias de boas práticas em segurança de barragens”, que seria um documento orientador dos parâmetros de estabilidade e segurança das barragens.
“O PSL 226/2016 reforçava obrigações já existentes para empreendedores, como, por exemplo, a natureza objetiva da reparação dos danos decorrentes de falhas nas barragens, de forma a incluir outros danos além dos danos exclusivamente ambientais, como danos civis. Isso seria positivo porque, em Direito, quanto menos espaço para subjetividade, mais segurança jurídica há”, disse ao site EXAME.
Para a especialista, a medida traria mais transparência e segurança jurídica para que os empreendedores adotassem medidas de segurança em graus esperados pelas autoridades fiscalizadoras. “É claro que a legislação já prevê que medidas de segurança devam ser adotadas, porém, um documento dessa natureza reduziria as margens de interpretação dos métodos de segurança, estabelecendo de forma objetiva como os engenheiros deveriam avaliar a segurança das barragens e que métodos de barramento o empreendedor deveria utilizar”, explicou.
De forma isolada, as propostas do projeto arquivado poderiam não ser suficientes para evitar o ocorrido em Brumadinho, avalia Yumi, mas poderia ter contribuído de forma muito positiva para a sua prevenção.
o Brasil, há em média mais de três acidentes com barragens a cada ano, segundo dados compilados pela Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pelo Relatório de Segurança de Barragens (RSB), divulgado anualmente e encaminhado ao Congresso.
Ainda que tardiamente, o PL que endurece a Política Nacional de Segurança em Barragens pode ser desarquivado. O senador Elmano Férrer (Pode-PI) vai pedir que o projeto volte a ser analisado pelo Senado. “Nós só agimos no Brasil como bombeiros, só após um catástrofe é que o governo resolve agir”, declarou o senador.
Além da retomada da proposta, o Senado pode criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as causas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e evitar novas catástrofes assim que começarem os trabalhos do Congresso Nacional, em 1º de fevereiro. A informação foi dada pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), à Agência Senado. Segundo ele, já existe acordo para reunir o mínimo de assinaturas necessário (27) para pedir a instalação de uma CPI.
Quem sabe, agora, propostas se tornem ações concretas. Ou será nossa capacidade de prevenir irremediável? Fonte: Exame