Os novos dispositivos conseguem circular pela corrente sanguínea humana
(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Pesquisadores criam dispositivos que, ao imitar o comportamento de micro-organismos, navegam pela corrente sanguínea e ajudam no tratamento de doenças
Quando falamos em robôs, imaginamos aquelas máquinas imensas, com inúmeras peças em um harmônico funcionamento. Quase um Transformers, de fato. Dificilmente, concebemos a imagem de minúsculos autômatos viajando por nossas correntes sanguíneas. Porém, é exatamente o que o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurick) e a Escola Politécnica Federal de Lausana (EPFL), ambos na Suíça, pretendem criar. O primeiro passo, publicado na revista Science Advances, foi dado. Um grupo de pesquisadores das duas instituições desenvolveu uma tecnologia projetada para, sozinha, reagir a mudanças nos fluidos em que estiver navegando, com adaptações nos movimentos e no formato. O projeto é usar a criação em dispositivos que levem medicação a lugares específicos do corpo humano.
“Ter uma máquina artificial que pode mudar automaticamente a forma ou o modo de locomoção para se adaptar a ambientes dinâmicos é um sonho para quem trabalha com robôs há muito tempo”, afirma Henwei Huang, antigo pesquisador da ETH Zurick e líder do estudo. “Micronadadores artificiais precisam lidar com a enorme diferença de viscosidade ou de elasticidade nas áreas circundantes. Um exemplo são as restrições mecânicas, como o diâmetro de um canal ser menor do que o tamanho do robô. Assim, ter uma máquina com a capacidade de mudar a forma para sustentar o desempenho é importante”, destaca Huang, que agora está no Instituto Tecnológico de Massachusetts, nos Estados Unidos.
Hidrogel
Para desenvolver uma tecnologia capaz de se locomover em uma vasta possibilidade de líquidos, Huang e o time de cientistas projetaram um dispositivo que reage instantaneamente a mudanças no fluido e no ambiente, mantendo a eficiência nos movimentos. O resultado foi otimizado pelo material com alto poder reativo que os pesquisadores utilizaram na montagem dos microrrobôs: uma camada fina de hidrogel. “O hidrogel é um tipo de polímero que responde a diferentes estímulos, como mudanças de pH, temperatura e pressão osmótica. Dependendo das alterações, ou ele incha, ou contrai. Usamos essa propriedade para projetar nossa máquina para alterar a forma de maneira programável”, explica o líder do trabalho.
Ao filme de hidrogel, os cientistas acrescentaram nanopartículas magnéticas, responsáveis por direcionar os movimentos do microrrobô dentro dos fluidos. Isso, graças à aplicação de um campo magnético externo, que, ao interagir com as nanopartículas, as conduz pelo trajeto desejado. Por fim, a combinação do hidrogel com as peças magnéticas foi reduzida a tamanhos entre 100 micrômetros e 2 milímetros, a partir de uma técnica de corte e dobragem, o kirigami. Dessa forma, os micronadadores estavam preparados para se locomover em canais apertados — como os vasos do sistema arterial humano.
Independência
Toda essa estrutura foi batizada pelos cientistas de inteligência incorporada, uma vez que o microrrobô não depende de nenhuma tecnologia extra para seguir um determinado caminho ou mudar de forma. A independência garantida à invenção só foi possível após estudos e observações dos movimentos de microrganismos em variados tipos de líquido, como lembra Huang. “Estudamos uma variedade de microrganismos com diferentes morfologias e o modo com que eles nadam em seus ambientes, com alto grau de variação de viscosidade. Em seguida, construímos micronadadores artificiais que imitam as respectivas morfologias, além dos ambientes, para estudar seu desempenho de locomoção”, conta.
Para verificar se, de fato, os robôs reproduziriam o mesmo comportamento dos microrganismos estudados, uma série de testes foi realizada em tubos de vidro com dimensões semelhantes dos vasos sanguíneos do corpo humano. A vidraça contava com canais mais estreitos, para testar a capacidade da tecnologia em se adaptar a espaços que variam em sua mecânica. Além disso, os pesquisadores avaliaram o desempenho dos autômatos em fluidos com diferentes viscosidades e concentrações — como soluções com sacarose, etanol e acetona.
Sob fluxos maiores que 5 ml/min, os micronadadores responderam da maneira ideal ao passar por constrições nos capilares de vidro, adequando o formato à viscosidade e à concentração de partículas do ambiente. Sem perder velocidade e orientação espacial, os robôs foram guiados pelo campo magnético externo durante todo o percurso. As variações não se restringiram apenas às formas adquiridas pelos dispositivos, mas também à locomoção. A equipe de Huang registrou desde “movimentos helicoidais como espermatozoides (…) a movimentos ondulatórios de uma lagarta”, ressalta o líder do estudo.
De acordo com Wei Gao, professor do Departamento de Engenharia Médica do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, e pesquisador em bioeletrônicos e biossensores, o comportamento observado é semelhante ao de células presentes no sistema sanguíneo humano. “A capacidade de alterar a forma durante o movimento, particularmente o movimento ao longo do tubo, é um fator importante que permite a circulação de dispositivos portadores de medicamentos em mamíferos. Esse funcionamento é semelhante ao dos glóbulos vermelhos naturais, porque a circulação a longo prazo surge da capacidade da célula de se deformar e espremer através das restrições na vasculatura e, em seguida, recuperar a forma inicial após passar pelos capilares”, explica o especialista.