A diretora de fotografia Emília Silberstein (de preto) ao lado da assistente de câmera Liss Fernández na gravação de 'O véu de Amani'
(foto: Thaís Oliveira/Divulgação)
No entanto, ainda existe um longo caminho a ser percorrido
Ainda no começo do ano passado, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) divulgou um dos maiores estudos relacionados a presença das mulheres no cinema brasileiro. O ano analisado foi o de 2016, e os resultados foram assustadores: dos 142 longas-metragens lançados comercialmente naquele período, apenas 19,7% tinham sido dirigidos por mulheres (sendo destas, 0% dirigido – ou roteirizados por mulheres negras). Ainda na ocasião, a agência deixou clara a necessidade de ampliar ações públicas para esse grupo. Agora, o Correio conversou com cinco profissionais do audiovisual da cidade para entender como esse panorama se desenha para 2019 e descobrir, enfim, como se dá o trabalho das mulheres no cinema da capital.
Em um panorama coletivo, as cinco profissionais ouvidas defendem que a presença feminina está cada vez maior, e que isto já começará a ser percebido de forma mais ampla a partir deste ano. As realizadoras também apontam a importância das políticas públicas de incentivo especificas às profissionais do sexo feminino para a maior quantidade de mulheres no cinema brasiliense — e brasileiro. Entretanto, as ouvidas fazem questão de deixar claro o quanto as mulheres ainda precisarão caminhar para conquistar o cenário de plena igualdade.
Mudanças
Adriana Vasconcelos trabalha profissionalmente há cerca de 20 anos no cinema e guarda grande expectativa de estrear em 2019 o primeiro longa-metragem da carreira, o filme Mãe. A diretora é uma figura-chave para apontar o quanto o panorama cinematográfico lida com a presença feminina ao longo dos anos: “Eu não sou dessa geração que tem mais mulheres nos sets, com grupo e coletivos se formando. Quando entrei, me sentia uma estranha no ninho, era muito difícil dar créditos às mulheres, com a nossa figura sendo limitada a assistente ou a direção de documentários. Longas de ficção eram, essencialmente, feitos por homens”.
Sobre as diferenças do “cinema representado por homens” e o cinema contemporâneo, a diretora defende, entretanto, que a presença feminina luta insistentemente para se manter: “Eu tinha de cavar, mostrar ali todo dia que merecia entrar naquele Clube do Bolinha, e as mulheres têm essa provação extra, de mostrar no cotidiano um esforço maior do que todos para ganhar espaço”.
Atualmente, a cineasta integra o Cora, um coletivo de diretoras e produtoras da região, e vislumbra para o futuro mais mudanças positivas em relação a presença feminina: “A força das mulheres cresceu muito nos últimos anos, já mostrou que no mundo as mulheres buscam assumir novos espaços, e aqui em Brasília isso é muito evidente para mim, e eu acho que a tendência é buscar essa ocupação por mulheres”.
» União e força
Dani Azul estava em Cuba fazendo um curso de cinema quando disponibilizou um tempinho para bater um papo com o Correio. A diretora de fotografia de três curtas que estiveram no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Para minha gata Mieze, Presos que menstruam e Persona) se prepara para lançar um documentário e um telefilme em 2019 e contou um pouco sobre o que aprendeu ao longo de quase 10 anos no ramo sobre mulheres: a união faz a força.
“Na verdade, eu já entrei (nesse meio) sabendo que era um meio predominantemente masculino, mas acho que isso nunca me parou, eu sempre tive essa noção de que as mulheres precisam estar onde elas desejam, exercer a profissão que desejam sem ter de temer”, sustenta a diretora de fotografia que integra um dos vários coletivos que conjugam as profissionais do cinema, o DAFB (Coletivo das Diretoras de Fotografia do Brasil).
De acordo com a profissional, mais do que uma mudança em relação a maior presença de profissionais do cinema do sexo feminino, o meio passa por uma percepção mais aguda da importância da união das mulheres contra a exclusão: “É muita luta, muito estudo, paciência e força de vontade. Eu já tenho notado que realizo mais projetos com mulheres, são projetos com temáticas nossas, que está crescendo, acredito, sim, que isso está acontecendo e que podemos ter mais representação. ”
Por que importa?
Continua depois da publicidade
Emília Silberstein é diretora de fotografia e já trabalha profissionalmente no audiovisual desde 2011. Objetiva, bater um papo com ela é ter um claro panorama sobre o quanto essa discussão é importante: “A presença das mulheres não necessariamente traz esse olhar feminino, mas eu acho que trazer a experiência de mundo das mulheres será rico porque você vai estar desafiando o espaço quo, você vai mudar o comando das coisas, e não só pelo olhar pelo feminino, mas por apresentar essa experiência distinta em um mundo bifurcado. Acho que o fato de vocês fazerem uma mateira sobre isso já mostra o quanto isso já está diferente e o quanto essa visão está se tornando importante”.
A cineasta faz também parte do DAFB e ainda lembra um contexto fundamental, mas por vezes pouco explorado: a atenção aos trabalhos das mulheres dentro dos festivais do país. “As curadorias também precisam prestar mais atenção nesta questão. Vale citar, por exemplo, o quanto a mostra competitiva do ano passado do Festival de Brasília olhou para isso, os filmes eram incríveis e tinha muita diversidade, com mulheres, mulheres negras, foi um festival muito potente. Ter essa voz dentro desses centros de produção e apresentação é base para mudar o panorama da presença feminina no cinema”, defende.
» Mulher chama mulher
Umas das grandes vantagens da presença feminina à frente de produções cinematográficas pode ser sintetizado na abertura de portas que essa posição representa. Essa é a defesa feita por Daniela Marinho, produtora do filme Na barriga da baleia — longa-metragem dirigido por Patricia Colmenero que teve 100% da equipe de produção feminina, sendo que a presença masculina pode se observada apenas no elenco.
“Os dados da Ancine sobre as mulheres no cinema em 2016 foi algo que me marcou, acho que foi um fator que despertou para como as mulheres estavam sendo excluídas dessa esfera, e não só isso, mas também em situações de assédio, que eu mesma já passei, eu vivi situação em que diretores falavam que me contrataram porque eu era bonita”, comenta.
“Meu desafio principal é descobrir como incluir mais mulheres, em especial as mães, é muito importante para colocar maior inclusão nesse sentido”, completa Daniela .
» Cineasta e negra
Edileuza Penha de Souza acabou de gravar o curta-metragem Filhas de lavadeiras, e espera estreá-lo na cidade no festival de Brasília. Nem por um segundo a cineasta subestima o quanto a própria posição — como mulher e negra — desafia o status quo do audiovisual nacional: “Em 2014 o Gema, que é um grupo de estudo da Universidade do Rio de Janeiro, fez uma pesquisa que mostrava pouco mais de 7% de diretoras brasileiras como mulheres brancas, 2% de negros e 0% de mulheres negras.
Posteriormente, em 2016, uma pesquisa da Ancine mostrou dados parecido. Então, eu não tenho dúvida que o cinema é esse espaço masculino e branco, entretanto, com o passar dos anos tem um número significativo de mulheres que estão tentando mudar esse panorama”.
Em comum acordo com outras profissionais do cinema da cidade, Edileuza comenta o quanto os últimos anos significaram uma maior união por parte das mulheres, e o quanto isso já traz frutos concretos: “O Mav-DF (Mulheres do Audiovisual do DF) já se encontra com mais de 300 integrantes, sendo que começou com 30, e isso em diversas áreas. Então, o que a gente precisa é dessa visibilidade, eu acredito que alguns editais específicos como o Carmem Santos, que é voltado para mulheres, tem ajudado a mudar isso, assim como as mostras em festivais”.
Citando desde Camila de Moraes, Viviane Ferreira, Glenda Nicácio e Sabrina Rosa (grandes diretoras negras do país), Edileuza faz questão de ressaltar o trabalho de mulheres negras no cinema e quão importante isso é: “As mulheres negras, atrás e na frente das câmeras, possibilitam uma sociedade mais justa, mais feliz, o Brasil é um país colonialista ainda e essa invisibilidade parte muito do preconceito histórico. Por que a gente não conhece filmes românticos com mulheres negras sendo protagonistas? Ou sem estar ligado a violência? Por que essa mulher negra é sempre a prostituta? A louca? Esse preconceito tem de acabar. E a forma de mostrar isso é com a apresentação do cotidiano, com essa humanização. E isso que estamos buscando não existe nem no cinema, nem na televisão”.
A diretora também cita o que o olhar dela e de outras profissionais negras pode agregar ao cinema, assim como as expectativas para o futuro: “Acho que levamos um olhar que tem mais afeto, mas humanidade, tem uma perspectiva mais detalhada, mais apurada, e é uma visão muito importante para a sociedade brasileira em geral. Ainda é muito invisível essa produção, mas eu acho que é uma produção pulsante, então, se a Ancine não acabar, a expectativa é de que essa produção se expanda”.