Dulcina de Moraes já nasceu sendo aplaudida. Os pais Átila e Conchita de Moraes apresentavam um espetáculo em Valença (RJ), durante uma turnê, quando, em pleno palco, Conchita entrou em trabalho de parto. Os atores correram para o hotel onde tinham reserva, mas o dono os proibiu de entrar alegando que ali não era hospital. Conseguiram arranjar uma casa onde o parto aconteceu com toda a trupe reunida, plateia cativa, que aplaudiu fervorosamente.
Essa história é contada ao público pela primeira vez no documentário Dulcina, primeiro longa dirigido por Glória Teixeira, professora, atriz e diretora de teatro brasiliense. O longa ainda não tem data de estreia, pois está sendo enviado para festivais, mas já é possível conferir o trailer.
É a primeira vez que um trabalho tão aprofundado é produzido sobre a atriz, considerada por muitos a figura mais importante do teatro brasileiro. Compartilham dessa opinião grandes nomes como Fernanda Montenegro, Nicette Bruno, Françoise Forton, Theresa Amayo, Emiliano Queiroz, Ruth de Souza, Dayse Lúcide, Túlio Guimarães, Graça Veloso, Gê Martu, Theresa Padilha, André Amaro, Luciana Martucceli e Raíssa Gregori, que contam suas histórias e reverenciam a atriz.
As primeiras pessoas entrevistadas por Glória, 12 anos atrás, foram Paulo Autran, Marília Pêra, Sérgio Viotti e Cassiano Nunes. Nessa altura, o projeto do documentário era incipiente e dizia respeito apenas a um curta-metragem. As imagens foram captadas de forma não muito profissional e, uma dúzia de anos depois, foram vetadas pelo diretor de fotografia, Nadi Sidki. “Se fosse por mim eu colocaria”, confessa a diretora. “O Nadi é uma pessoa em que eu confio muito e disse que não valeria a pena”, completa.
O veto não se deu pelo conteúdo dos depoimentos, mas pelo cuidado da produção com a qualidade estética do filme. “Eu achei que a história dela precisava ser mostrada dessa maneira artística, como ela gostaria”, revela Glória. Por isso, além dos depoimentos e das imagens de arquivo, o documentário conta com encenações que ficcionalizam algumas passagens da vida da biografada. “Tem muito pouco registro audiovisual de Dulcina”, afirma a diretora. Essas passagens são interpretados por jovens atores da Faculdade Dulcina e seis mulheres de diversas idades interpretam Dulcina: Françoise Forton, Bidô Galvão, Carmem Moretzsohn, Theresa Amayo, Iara e a própria Glória.
Mesmo com a reverência de granes ícones, Glória se queixa do pouco reconhecimento recebido pela atriz que fundou um teatro e uma faculdade de artes na capital e mudou as estruturas do teatro brasileiro. “Ela vendeu tudo o que tinha e veio para Brasília porque acreditava numa coisa maior, que aqui seria um lugar de grande visibilidade para o mundo, tinha uma visão holística. Ela se esforçou de maneira hercúlea pra construir o teatro, e não foi reconhecida por isso como deveria ser. O fato de a faculdade e o teatro se encontrarem na situação difícil em que estão mostra claramente como Dulcina foi tratada nessa cidade. Ela merecia muito mais do que ela teve”, desabafa.
As coisas podem estar mudando. Glória observa que, de dois anos pra cá, começaram a surgir mais materiais sobre a atriz, além do esforço da resistência cultural no Conic. O documentário lançará novas luzes para Dulcina. “Acho que as pessoas começam a entender a importância que ela teve pro teatro brasileiro” alegra-se.
Dulcina é produzido pela ONG Resgate da Vida e pelas produtores Veríssimo Produções e ABA (Academia Brasileira de Artes).