Na última semana, artistas de diferentes atividades culturais se mobilizaram, tanto nas redes sociais como nas ruas, contra a decisão do governo do DF de, primeiramente, suspender dois editais do Fundo de Apoio à Cultura, os FACs Áreas Culturais e Audiovisual, ambos de 2018, e depois de oficializar o cancelamento de apenas o Áreas Culturais, que teria um investimento de R$ 25 milhões — parte desses recursos deverão ir para custear a reforma da Sala Martins Pena do Teatro Nacional Claudio Santoro, com um FAC destinado à recuperação do patrimônio cultural. A explicação para o cancelamento é uma suposta irregularidade, pois o edital foi aberto na gestão passada contando com a verba de 2019. O FAC Audiovisual, que tem uma verba de R$ 12 milhões, foi mantido por ter grande parte da verba vinculada ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
A decisão do cancelamento pegou a classe artística de surpresa, até porque, em 4 de abril, foi publicado no Diário Oficial do Distrito Federal o resultado preliminar da etapa de admissibilidade dos projetos classificados no FAC Áreas Culturais, com o FAC Regionalizado — esse último mantido e com 114 projetos aprovados que receberão R$ 7,9 milhões, o que indicaria aos artistas o funcionamento normal do fundo. No entanto, em 8 de maio, a agora Secretaria de Cultura e Economia Criativa publicou a suspensão e, no último sábado, confirmou o cancelamento do edital, que, segundo a categoria, foi feito sem qualquer diálogo com os artistas, apesar de o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Adão Cândido, indicado pelo partido Cidadania (antigo PPS), ter informado, em entrevista ao Correio, que teria tido conversas e audiências com a categoria.
“Com a publicação, todo mundo achou que ia trabalhar. Daí, toda essa reação agora. As pessoas acreditaram no FAC e o governo simplesmente enganou e iludiu (os artistas). Isso é uma desonestidade e um impacto violento em um tecido social tão fragilizado, que é a cultura. Temos mais de oito mil agentes culturais no DF que estão fazendo a alma da cidade funcionar”, defende o maestro Rênio Quintas, que faz parte da Frente Unificada de Cultura e é um dos artistas impactados com a queda do FAC Áreas Culturais. Ele havia inscrito o projeto A menina valente, que mistura teatro, musical, meio ambiente e educação, e tinha começado a trabalhar em cima da trilha sonora e em outros aspectos da montagem.
Impacto
Segundo a Frente, o cancelamento do FAC Áreas Culturais terá um impacto em mais de 250 projetos, sendo 54 de leitura, escrita e oralidade; 43 de teatro, montagens e circulação; 37 de música, shows e espetáculos, 28 de dança, 16 de manifestações circenses, 15 de artes visuais, 13 de fotografia, 12 de cultura popular e manifestações culturais, 10 de ópera e música erudita, 10 de radiodifusão, 5 de gestão cultura, 3 de design e 3 de arte inclusiva. O que, de acordo com o grupo, resultaria na criação de 12 mil empregos diretos e 30 mil indiretos em todo o DF — os projetos contemplam o Plano Piloto e as regiões administrativas.
“O que está acontecendo é uma completa contradição, uma violência, uma truculência. Vai desempregar toda essa cadeia econômica de cultura. É um desrespeito, até porque há uma vedação clara na lei”, completa Quintas, fazendo referência à utilização da verba do FAC para a reforma do Teatro Nacional, o que não estaria previsto na Lei Orgânica de Cultura, que diz que o FAC “tem como finalidade apoiar, facilitar, promover, difundir e fomentar projetos e atividades culturais”, podendo ser utilizado até 5% dos recursos para manutenção. “A reforma do teatro é urgente, mas não corresponde à natureza de projetos que podem ser vinculados aos editais do FAC, caracterizando-se como um desvio de finalidade do recurso do fundo, o que se configura como uma ilegalidade”, justifica nota de repúdio publicada pelo grupo Convergência Audiovisual em resposta à decisão do secretário de Cultura, que alega existir a possibilidade legal de transferir recurso para a recuperação do patrimônio.
Para a cineasta Camilla Shinoda, uma das integrantes do Convergência Audiovisual, o cancelamento de qualquer edital do FAC corresponde a um golpe contra uma política pública. “A gente acredita e defende o FAC como uma política pública e de Estado, que não deve ficar alheia à vontade de cada governo. Temos a LOC (Lei Orgânica da Cultura), que é uma lei que garante que a política pública de Estado vai ser executada sempre da mesma forma, para tentar consolidar essa política de Estado e defendê-la dos humores do governo. Por isso que se colocam datas, prazos para os editais e isso é independente do humor da gestão que está no momento. Continuaremos em campanha pedindo que artistas gravem vídeos mostrando os projetos que eles fariam, para que a população de Brasília possa entender o que vai acontecer se o edital não for adiante”, afirma.
Diferentes iniciativas da cultura tiveram apoio do FAC, entre elas, festivais, eventos musicais, oficinas em escolas públicas, lançamentos de livros; em sua maioria, os projetos são gratuitos ou a preços acessíveis ao público. Um dos outros pontos do fundo é apoiar iniciativas para além do Plano Piloto. “Muita gente não tem noção do que é feito com o FAC em Brasília. Ele é responsável por fazer a cultura se descentralizar e se profissionalizar. O FAC é importante porque permite que os artistas da cidade consigam exercer atividade artística, enquanto uma profissão, além de realizar peças, filmes, atividades de capacitação… Tudo isso fomenta a arte e a cultura e alimenta uma cadeia econômica, que se movimenta, gera empregos, gera cultura, arte, fomenta o senso crítico”, completa Camilla.
Apesar das críticas, os artistas fazem questão de se posicionar sobre o Teatro Nacional, que está fechado desde 2014. De acordo com eles, não há a intenção da categoria de ir contra a reforma, mas contra a forma escolhida pelo governo para custear a restauração. Eles alegam que a secretaria poderia buscar esse orçamento na Lei de Incentivo à Cultura (LIC), parcerias privadas ou até com o valor de superavit, que, segundo o governo, tem duas cotas, de R$ 2 milhões e de R$ 34 milhões.
“A gente defende que o recurso do FAC não é recurso para reforma. O FAC é uma política de fomento, tem a proteção da LOC (Lei Orgânica de Cultura) de ser inviolável, para não ser usada para outros fins. A gente entende que a reforma é urgente e necessária. Defendemos, por exemplo, no passado a reforma do Centro de Dança (que foi reformado e reaberto) e de tantos outros aparelhos públicos. Só que a gente acredita que, tirando o recurso das atividades culturais, esses espaços ficarão sem programação, sem falar na natureza do volume da reforma. É impossível fazer pelo FAC”, analisa Camilla Shinoda