Dar visibilidade e voz aos artistas negros da periferia do Distrito Federal. Mostrar a importância do sistema de cotas raciais para a inserção da população negra na Universidade de Brasília (UnB) nos últimos 15 anos. Esses são os objetivos de duas iniciativas documentais e audiovisuais produzidas na capital que darão origem a filmes que têm esses assuntos como temática. São eles os projetos Negra luz e Rumo, respectivamente.
O primeiro foi idealizado ainda em 2017 por Cleudes Pessoa e Priscila Francisco Pascoal. Durante uma residência artística com mulheres negras do DF e de Goiás, elas tiveram a ideia de mapear essas artistas com a intenção de fortalecer a rede e dar visibilidade. Como as duas são profissionais do audiovisual, pensaram em fazer isso por meio de um curta-documental e de uma pesquisa digital. O projeto foi contemplado com o edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) em 2018 e começou a ser produzido no mesmo ano. “Começamos a fazer o mapeamento das artistas e a captação em audiovisual”, explica Cleudes.
Para escolher as mulheres que seriam retratadas em Negra luz, a dupla fez um recorte. O primeiro deles, com foco em artistas que abrangessem oito regiões administrativas do DF. Depois algumas mulheres do Plano Piloto foram incluídas por conta da importância na história da cultura local. Recortes geracionais, de tom de pele e de linguagens também foram aplicados, mas sempre buscando artistas que tivessem menos destaque na mídia. Atrizes, dançarinas, performers, poetas, cineastas e estilistas foram algumas das representantes escolhidas. “A gente fez muitos debates entre nós e com uma equipe de mulheres, com várias artistas. Usamos 13 tipos de recortes para chegar a algumas mulheres negras artistas brasilienses. Fizemos inúmeras rodas de conversa para nos fortalecer e criarmos uma rede de apoio, porque há uma questão afetiva, de interlocução e de promoção entre nós”, revela a coordenadora do projeto.
O trabalho, que foi iniciado em setembro, dará origem ao curta-metragem documentalNegra luz, que terá 22 minutos e será lançado em setembro deste ano nas redes sociais. As imagens foram captadas em diferentes regiões do DF e também durante as rodas de conversa. A mais recente ocorreu recentemente e reuniu nomes como Martinha do Coco e Vera Verônika, importantes artistas da cena cultural de Brasília. “Para além de filmar o documentário, vamos incluir muitas das mulheres que ficaram de fora em um livro digital (que também será disponibilizado gratuitamente na internet). Também criamos um link para as mulheres poderem se incluir, criando uma lista geral de artistas da cidade”, completa Cleudes Pessoa.
Política pública
Depois do sucesso do documentário Afronte, que foi criado como trabalho de conclusão de curso da UnB, conquistou prêmios, entre eles no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e rodou o mundo sendo exibido até na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, os diretores Bruno Victor e Marcus Azevedo desenvolvem outro projeto ligado à temática negra, o filme Rumo.
Se em Afronte, o foco era a juventude negra periférica e homossexual, agora a dupla se debruça sobre outro tema em Rumo: os 15 anos das cotas raciais na Universidade de Brasília. “O Afronte foi o nosso TCC, de dois alunos cotistas. Nossa ideia é mostrar o potencial das pessoas que entram por cota na UnB, que é um processo muito importante dentro do movimento negro. Achamos que esse é o momento de falar sobre elas, num momento em que se fala de cortes, em que se há uma perseguição às cotas e qualquer outra política pública de reparo”, justifica Bruno Victor.
O filme, que mistura documentário e ficção, abordará a história de uma mãe e um filho e a representação do sistema de cotas na vida deles. A mãe é Lení, uma mulher negra de 53 anos que decide voltar a estudar e ingressa no curso de artes cênicas da UnB pelo sistema de cotas raciais. A história é inspirada na vida de Leni Andrade, que também dá vida à personagem. “Algum tempo atrás vi um vídeo da Leni, essa senhora negra que voltou a estudar e fiquei bastante emocionado. Resolvi entrar em contato e a chamei para o projeto como atriz e como personagem documental”, diz.
O papel do filho é interpretado por Samuel Veloso, que também dá nome ao personagem, um jovem negro de 18 anos assumidamente gay, que trabalha para ajudar em casa e faz cursinho junto com a mãe. “A questão do filho, a gente conheceu o Samuel, que é modelo e também estuda na UnB e resolvemos convidá-lo para fazer parte”, lembra.
Assim como fez em Afronte, a dupla de diretores busca recursos para o filme Rumo, optando por não colocar a produção em editais públicos. “Com todo esse corte da política, toda essa perseguição, principalmente ao cinema, resolvemos fazer de maneira independente”, afirmou Bruno Victor. Assim, desde o último dia 3, está no ar no site Benfeitoria uma campanha de financiamento coletivo, que busca arrecadar R$ 10 mil. Há cotas desde R$ 15 a R$ 1 mil, todas com recompensas, entre elas, uma oficina de Cinema LGBT Contemporâneo com os diretores.
Veja como ajudar
Financiamento coletivo para o filme Rumo em https://benfeitoria.com/rumofilme.