Sem os movimentos de um dos braços por imperícia médica durante o parto, uma criança de 3 anos e 8 meses que nasceu na rede pública de saúde do Distrito Federal recebeu, da Justiça, direito a receber R$ 60 mil em danos morais e estéticos, além de pensão vitalícia do GDF.
A decisão foi tomada na última sexta-feira (12), após o advogado da família, Leonnardo Morais, recorrer da sentença na primeira instância. A Procuradoria-Geral do DF informou que “ainda não foi notificada da decisão e que irá avaliar se apresentará recurso”.
O caso ocorreu em outubro de 2015 no Hospital Regional de Taguatinga. Naquele mês, a recém-nascida Isabela Rodrigues foi diagnosticada com “fratura na clavícula esquerda associada à lesão de plexo braquial” – uma paralisia no braço. A fratura teria sido causada por imperícia na realização do parto.
Por conta disso, a bebê nasceu com “postura assimétrica” e sem conseguir movimentar ombro, cotovelo, mão e dedos. Ela passou seis dias na terapia intensiva e outros quatro internada na UTI neonatal.
“Parecia que o braço não era dela”, disse a mãe, Jane Rodrigues, “Na minha percepção de mãe, as médicas deveriam perder o CRM [registro médico].”
“Hoje, ela já consegue mexer um pouco, mas é muito limitado. Não leva nada à boca, o crescimento do braço é diferente do outro, a sensibilidade é pouca.”
Em decisão colegiada, o Tribunal de Justiça do DF determinou o pagamento de R$ 30 mil por danos morais e mais R$ 30 mil por danos estéticos aos pais da criança.
Isabela também deve receber uma pensão equivalente a um salário mínimo (R$ 998) por toda a vida a partir dos 14 anos, quando pode começar a trabalhar como menor aprendiz.
Fisioterapia ‘pra sempre’
Logo que Isabela deixou a UTI neonatal do Hospital de Taguatinga, Jane conseguiu uma consulta no Hospital Sarah Kubitscheck – referência em reabilitação de traumas – onde, até hoje, faz acompanhamento.
A primeira recomendação médica, segundo a mãe, foi começar a fisioterapia – sem prazo para terminar. Desde então, a criança é atendida em projetos de extensão de universidades e faculdades do DF.
No entanto, há cerca de seis meses, a menina perdeu a fisioterapia. “Ela estava sendo atendida em uma universidade há um ano e meio. Por conta do tempo, tiraram ela para abrir a vaga para outra criança”, explicou Jane.
“Todo o tratamento que ela fez até hoje foi porque eu corri atrás sozinha. O GDF não me ajudou em nada.”
Fatalidade ou imperícia?
Casos de negligência médica e violência obstétrica não são incomuns no Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. A Polícia Civil investiga pelo menos 11 denúncias que teriam ocorrido no Hospital Regional de Samambaia (HRSam).
Segundo as investigações, a conduta inadequada vai desde gazes esquecidas dentro de pacientes até curetagens mal feitas. Em um dos casos, um médico teria quebrado a clavícula de um recém-nascido durante oparto.
Foto do Raio-x do recém-nascido que teve a clavícula quebrada no DF — Foto: Arquivo pessoal
No processo da Isabela, o GDF argumenta que “a técnica utilizada pelos médicos” não foi a causa dos problemas apresentados pela bebê.
O governo também afirma que “inexistem danos estéticos ou morais” e que a conduta dos profissionais não tem relação com o “abalo à imagem, à honra ou a qualquer outro sentimento íntimo” dos pais da criança.
Sobre o parto, o GDF reconhece que foi “difícil”, mas diz que “aconteceu de maneira absolutamente regular” e que foi necessária a “realização de manobra para facilitar a expulsão do bebê”.
“A referida conduta observou os protocolos médicos, de sorte que os problemas de saúde apresentados pela criança decorrem de uma fatalidade”, afirma.
No entanto, em depoimento à polícia, a obstetra responsável pelo parto diz que o procedimento era conduzido por uma médica residente e que, “por falta de experiência”, ela não conseguiu auxiliar a expulsão da criança de forma adequada.
“No momento em que o polo cefálico [topo da cabeça] da criança saiu, ocorreu uma dificuldade de desprendimento dos ombros, na qual a Dra. C, por falta de experiência, teve dificuldades para efetuar a manobra de rotação que favorecesse a expulsão da criança”, diz o boletim de ocorrência reproduzido na sentença.
Ao contrário do processo da Isabela, o advogado Leonnardo Morais afirma que, nem sempre, a Justiça reconhece que houve falha médica nos partos pela complexidade das evidências.
“É muito difícil provar a violência obstétrica. Você tem que comprovar que realmente houve uma atuação negligente, imprudente ou imperita da equipe.”