Eles tomam conta de boa parte da vias do Distrito Federal e circulam com aparente liberdade pela cidade. Os motoristas piratas, embora ilegais, são, muitas vezes, os preferidos dos passageiros. Para chegar mais rápido ao destino, muita gente se arrisca em carros de passeio, ônibus e vans sem autorização para circular nas vias da capital. O Correio percorreu algumas cidades do DF e comprovou as falhas na fiscalização do transporte clandestino. Na Rodoviária do Plano Piloto, os aliciadores ficam estacionados nas plataformas superior e inferior, abordando as pessoas. Em Taguatinga e no Guará, ocorre o mesmo nos terminais e nas paradas de ônibus.
De janeiro a julho deste ano, a Polícia Militar emitiu 3.177 multas por transporte irregular de passageiros. No mesmo período do ano passado, foram 3.534. Mesmo que a média diária de infrações tenha caído de 16,5 para 15, os piratas insistem em circular na capital federal. Em nota, a Secretaria de Mobilidade (Semob) informou que realiza, frequentemente, ações de inteligência no combate a esse tipo de contravenção em parceria com os órgãos de segurança e de trânsito do Distrito Federal.
Nas ruas, os flagrantes ficam por conta do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran). Segundo o comandante da unidade, major Alisson Nobre, a fiscalização ocorre de segunda a sexta-feira, pela manhã e à noite. Em cada turno, há um efetivo de seis policiais. “Os passageiros questionam a falta de horário fixo dos ônibus e a insuficiência deles. Muitos relatam que preferem a comodidade de ir sentado e chegar mais rápido ao destino”, destaca.A Semob e a Polícia Militar, no entanto, orientam que a população não utilize esse tipo de transporte por se tratar de uma prática ilegal e irregular, sem garantia de segurança. “A partir do momento que a pessoa pega um ônibus público, ela tem um contrato com a empresa. Qualquer incidente, a instituição responderá. Agora, no transporte regular, não há responsabilidade nenhuma. Sem contar a falta de medidas de segurança no veículo, como pneu careca, falta de óleo e água, que podem causar acidentes”, alerta o major Alisson.
(foto: Vinicius Cardoso/Esp. CB/D.A Press)
Violência
A tentação é grande para quem aguarda o ônibus na fila e sabe que terá de ficar em pé durante toda a viagem para casa ou para o trabalho. Na Rodoviária do Plano Piloto, o Correio conversou com uma funcionária pública, que preferiu não se identificar, pouco antes de ela entrar em um automóvel prata. O carro do motorista clandestino estava estacionado próximo ao ponto de táxi da plataforma inferior, onde ele aguardava a chegada de passageiros. “Geralmente, os carros vão abarrotados de pessoas, mas eu prefiro ir apertada do que em pé”, conta a jovem de 25 anos, moradora de Planaltina.
O preço da passagem varia pelo destino e só é decidido no interior do veículo. “Já paguei valores entre R$ 6 e R$ 10 para me deixarem perto da minha casa”, explicou. Em período de greve dos rodoviários, os condutores se aproveitam da situação e chegam a cobrar R$ 20 pela corrida. Nas paradas de ônibus do Guará, a situação é parecida. Os motoristas ilegais estacionam e aguardam cerca de 20 minutos por um passageiro. Muitos deles cumprem trajeto até a Candangolândia.
A cozinheira Maria Rodrigues, 31, mora em Planaltina e pega três ônibus por dia para chegar ao trabalho, no Sudoeste. Ela reclama da demora dos coletivos na Rodoviária e reconhece que não dispensa o transporte pirata. “Quando eu estou atrasada, ele me livra do sufoco, porque eu espero até 40 minutos por um ônibus que não passa”, reclama.
O administrador Mário Henrique, 35, passou por uma situação de violência quando decidiu, por impulso, pegar carona em um carro clandestino, em Taguatinga Centro. “Os vidros do banco de trás estavam fechados, e eu acabei entrando com muita pressa. No momento em que sentei no banco e fechei a porta, eu vi que havia dois homens de aparência esquisita sentados ao meu lado. Poucos minutos depois, os dois anunciaram o assalto e levaram o carro até uma estrada deserta de Valparaíso”, comenta. Casado e pai de um menino, Mário foi espancado e teve todos os objetos pessoais roubados. O administrador foi abandonado em um matagal. “Eu chorava e clamava, pedindo para que eles não tirassem a minha vida, mas eles não paravam de bater”, conta.
O que diz a lei
» O artigo 231 da Lei nº 9.503/1997 (Código Nacional de Trânsito) considera ilegal realizar transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente.
Aliciamento por WhatsApp
Segundo o major Alisson Nobre, comandante do BPTran, a organização de alguns grupos de transporte pirata dificulta a fiscalização. “Por WhatsApp, os condutores conversam, criam linha de comunicação com passageiros e até transmitem mensagens aos colegas de trabalho sobre possíveis blitzes”, ressalta o oficial. Os horários mais frequentes da atuação desses motoristas é pela manhã e no fim da tarde, período de ida e volta do trabalho. “Eles se concentram muito na Rodoviária, no Eixo Rodoviário Sul e Norte, no Eixo Monumental e, principalmente, nas paradas da Epia”, detalha.
A prática não é crime, mas uma contravenção penal, o que torna a pena branda. Recentemente, o Congresso Nacional alterou a natureza das infrações cometidas por condutores irregulares de grave para gravíssima. A medida começará a valer em outubro. O condutor também perde sete pontos na habilitação. Com isso, o major Alisson acredita que a prática pode ser reduzida. “Vai pesar no bolso do condutor, porque, além de o carro ficar retido, terá de arcar com os custos com guincho e a diária do depósito”, explicou.
O presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, cobra a falta de fiscalização. “Esse é um problema recorrente, que precisa ser combatido. Endurecer leis, aplicar multas, apreender e promover campanhas de conscientização podem ser opções. Mas, infelizmente, não temos visto isso”, criticou.
Precário
Para o professor de direito e especialista em transportes da Universidade de Brasília (UnB) Adriano Bortoli, é um desafio coibir o transporte clandestino. “O serviço público não é adequado. Temos alguns impasses, como horários, frequência e conforto. Além disso, as tarifas não são vantajosas”, avalia.
As reclamações dos coletivos derivam-se da superlotação das frotas, condições ruins dos veículos e baixa qualidade dos serviços prestados. A autônoma Sandra Honorato, 52, reforça a precariedade da situação. Ela mora em Ceilândia e depende do ônibus para fazer entregas de lanches, pois não tem carro próprio. “É horrível (o transporte público). Fico debaixo de Sol aguardando mais de uma hora por um ônibus. Se encostar um pirata aqui, eu estou dentro”, admite.