A atuação coordenada entre o Banco Central e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) representa um marco institucional que revela uma mudança de comportamento do Estado em relação ao setor financeiro no Brasil. Entretanto, resolver os problemas de falta de concorrência no sistema não deve resultar na redução dos altos juros praticados pelos bancos no país, na opinião do presidente do Cade, Alexandre Barreto.
Segundo ele, não há evidências de que a elevada concentração no setor é responsável pelo spread bancário (diferença entre o que as instituições pagam aos investidores e o que cobram dos devedores) no Brasil. “Não temos provas disso, mas sabemos que a redução de barreiras para entrada de novos agentes vai promover a competição”, diz.
O presidente do órgão antitruste revela, no entanto, que a atuação do Cade em conjunto com a autoridade monetária é recente. “Infelizmente, ao longo dos últimos anos, não funcionou a contento. No ano passado, um memorando foi assinado entre os dois órgãos, um marco histórico. Tenho a convicção de que vai render frutos positivos daqui para frente”, aponta. E ressalta: “Isso deve ser feito, porque, nos últimos anos, a atuação do Cade na fiscalização das empresas do sistema financeiro ficou muito prejudicada, por conta da judicialização. Se o Cade fosse muito incisivo, poderia haver contestação judicial. Atuamos com uma espada na cabeça”, recorda.
Complemento
Resolvido esse problema, Barreto estima que a complementaridade dos dois órgãos, tanto no aspecto regulatório quanto na análise de condutas de concentração, será positiva para o setor. “O ato normativo é objeto de projeto de lei complementar que tramita no Congresso. Estava há vários anos no Senado. Hoje, está na Câmara e a expectativa é de que seja aprovado ainda este ano”, afirma.
O presidente do Cade contextualiza a atuação do órgão. “As perguntas que ouvimos no Cade são: por que os juros são altos? Por que a gasolina está tão cara? Por que as passagens aéreas são tão caras? Não há solução mágica para a resolução de preços no Brasil”, destaca. Segundo ele, não há que se falar em valores altos ou baixos, mas preço justo, que é dado pela dinâmica do mercado.
“Todas as tentativas do Estado de intervir na economia por meio de tabela, de congelamento, deram com os burros n’água no médio ou no curto prazo. Precisamos de competição para que a dinâmica de mercado equalize os preços. A Constituição garante os princípios da competição, e o Cade tenta colocá-los em prática de forma mais recente”, ressalta Barreto.
Ele recorda que, apesar de o Cade ter 57 anos de existência, sua roupagem institucional tem 25 anos de atuação mais ativa. “Antes da reinvenção do Cade, existiam órgãos como a Sunab, de tabelamento de preços, que são a antítese de um ambiente competitivo e concorrencial. O cenário é relativamente novo, no qual se tenta inserir a cultura da competição. São sete anos da nova lei antitruste, após séculos de uma economia centralizada, fechada, com tradição de oligopólios e monopólios. Ou seja, os sete anos são um suspiro na história do país”, sustenta.
Liberdade
Hoje, livre iniciativa e livre competição são princípios basilares, complementares, mas não andam juntos necessariamente, de acordo com Barreto. “Haverá situações em que vão entrar em choque. São situações que justificam a interferência do Estado na dinâmica de mercado”, assinala. Entre os exemplos, ele cita a cartelização, as aquisições e fusões e quando uma companhia é grande demais e pode interferir no mercado, de forma a não haver formação natural de preços.
“Nessas três situações, é papel do Cade fiscalizar, mas há uma quarta forma de intervenção. Alguns mercados, e o setor financeiro é um deles, exige que o governo regule. Nesse caso, o BC regula o sistema financeiro. É uma forma de o Estado intervir para fazer modulação entre livre iniciativa e o interesse público”, ressalta.
Por isso, explica, a união das duas instituições, BC e Cade, é fundamental para garantir uma injeção de competitividade no setor. “Os últimos processos já indicam que ambos estão mais rigorosos. Na aquisição do HSBC pelo Bradesco e na da operação de varejo do Citibank pelo Itaú, os remédios impostos foram bem amargos”, garante.
Apesar de sustentar que não há correlação entre concentração e nível de spread, Barreto ressalta que a atuação conjunta das duas instituições dá ferramentas mais efetivas para aumentar a concorrência. “Cabe a nós, instituições regulatórias, não criarmos barreiras regulatórias para impedir a entrada de novos players, porque isso vai trazer uma injeção de competitividade com impacto gigantesco em termos de preços praticados neste mercado”, aposta.
As mudanças nos meios de pagamento já são evidentes, segundo Barreto. “Há 15 ou 20 anos, existiam apenas duas maquininhas para passar cartão de crédito, cada uma passava uma bandeira. E só. Não havia competição. A atuação nos anos 1990 e 2000, com o BC, mudou completamente isso. Hoje, podemos usar cartões em qualquer maquininha. Há uma profusão de prestadores nesse mercado”, lembra. “É um exemplo de intervenção do Estado levada ao mercado de forma natural, com redução de custos e melhorias para o consumidor. Na questão dos juros, vamos pelo mesmo caminho, mas não há fórmula mágica”.