O presidente Jair Bolsonaro disse na noite desta sexta-feira (30/08) que “teve uma conversa bastante produtiva” por telefone com a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, sobre a situação da Amazônia. Segundo o presidente, “a pedido do governo alemão, o Serviço Europeu de Ação Externa foi mobilizado para avaliar a situação das queimadas na América do Sul”.
Bolsonaro ainda afirmou, em mensagem no Twitter, que durante a conversa “reafirmou a soberania brasileira” na região amazônica.
Em nota, a Presidência da República forneceu mais detalhes e disse que os líderes tiveram um “contato franco e cordial”.
“O presidente informou que foi um contato franco e cordial onde agradeceu o esforço dos países em colaborar com Brasil, na missão de combater as queimadas sazonais que ora afetam a Amazônia Legal.”
A Presidência ainda disse que Bolsonaro informou a chanceler federal sobre a iniciativa do Brasil para conter os incêndios, como a mobilização das Forças Armadas. Ainda segundo o governo, Bolsonaro também reafirmou a Merkel como o Brasil encara sua soberania sobre a Amazônia.
“Ele ratificou a posição brasileira de não cogitar qualquer discussão quanto à soberania do nosso território, bem como sobre a governança de eventuais recursos e apoios que possam ser concedidos ao Brasil”, diz a nota.
Ainda segundo Planalto, Bolsonaro mencionou sua troca de farpas com o presidente da França, Emmanuel Macron, sobre a questão das queimadas na Amazônia e a atual política ambiental do governo brasileiro.
“Por fim, deixou claro que em relação ao Presidente Macron, da República Francesa, sua posição firme tem caráter pessoal em face dos ataques perpetrados por aquele Chefe de Estado contra a sua pessoa e contra o nosso país”, finaliza a nota.
No último sábado, Merkel havia dito durante a cúpula do G7 que seria melhor que o grupo incluísse o Brasil nas discussões que seriam travadas sobre a Amazônia pelos países-membros durante a reunião. Em uma gravação do encontro, ela disse ao presidente Macron que pretendia ligar para Bolsonaro nos próximos dias para evitar “a impressão de que estamos trabalhando contra ele”.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, que estava na mesma mesa, concordou com Merkel: “Sim, acho que isso é importante”.
Crise
Nos últimos dez dias, a França e o Brasil têm protagonizado uma disputa diplomática em torno da situação da Amazônia. O quadro se agravou quando Macron passou a questionar o comprometimento de Bolsonaro com o meio ambiente.
Na semana passada, ele sugeriu que os membros do G7 discutissem as queimadas, o que irritou os membros do governo brasileiro.
Em seguida, Macron ainda disse que, diante da postura do governo do Brasil em relação ao meio ambiente, só poderia concluir que Bolsonaro havia mentido para ele em junho, durante a cúpula do G20. Na ocasião, o brasileiro disse que estava comprometido com a proteção ambiental, uma das condições para garantir a implementação de um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a UE.
A postura de Macron levou Bolsonaro e membros do seu governo a proferirem uma série de insultos contra o francês. O presidente brasileiro endossou no Facebook uma piada sexista sobre a aparência da primeira-dama francesa. Ministros do seu governo ainda chamaram o francês de “calhorda”, “cretino” e “Mícron”.
Na segunda-feira, após a ofensa à sua esposa, Macron respondeu que espera que o Brasil “tenha logo um presidente que se comporte à altura [do cargo]””.
Ele ainda alfinetou Bolsonaro ao mencionar, mesmo que teoricamente, a atribuição de um “estatuto internacional” à floresta amazônica. Segundo o francês, essa poderia “ser uma questão real” no caso hipotético de um Estado soberano “tomar medidas concretas que claramente se opusessem ao interesse de todo o planeta”.
A proposta provocativa de Macron irritou ainda mais os brasileiros, que passaram a publicar mensagens nacionalistas nas redes sociais e a sugerir que o francês estava questionando a soberania do Brasil sobre sua fatia da Amazônia. O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército brasileiro e atual assessor do Gabinete de Segurança Institucional, chegou a afirmar, sem qualquer prova, que a França fez “ameaças de emprego do poder militar” contra o Brasil.
Diminuição das tensões com a Alemanha?
Mas o tom usado por Bolsonaro ao se referir à conversa com Merkel sugere o que pode ser o início de uma mudança de postura desde o início da crise ambiental que derreteu a imagem do Brasil no exterior. Foi a primeira vez em pouco mais de dez dias que o governo brasileiro usou uma linguagem mais contida com um país que também havia manifestado preocupação com a situação da Amazônia.
Embora em menor escala do que na disputa com Macron, o Planalto também havia entrado em atritos com a Alemanha nos últimos meses, especialmente em relação ao Fundo Amazônia, o programa de proteção à floresta que conta com recursos de Berlim e da Noruega. Os dois países europeus ficaram contrariados com mudanças unilaterais promovidas por Brasília na gestão do programa.
No dia 10 de agosto, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, anunciou que seu país havia decidido suspender o financiamento de projetos para a proteção da floresta e da biodiversidade no Brasil. A medida reteve 35 milhões de euros (cerca de 155 milhões de reais). Nesse caso, no entanto, os valores retidos não faziam parte do Fundo Amazônia, mas de outras iniciativas do ministério alemão. Mas foi um sinal de que Berlim também poderia fechar a torneira para o fundo.
Após o anúncio dos alemães, Bolsonaro tratou o congelamento dos repasses com desprezo. “Ela [Alemanha] não vai mais comprar a Amazônia, vai deixar de comprar a prestações a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”, disse o presidente no domingo.
Diante da resposta de Bolsonaro, a ministra Schulze reagiu: “Isso mostra que estamos fazendo exatamente a coisa certa.” Logo depois, o presidente brasileiro voltou a atacar os alemães: “Eu queria até mandar recado para a senhora querida [chanceler federal] Angela Merkel. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui.”
No entanto, apesar dos atritos e das provocações de Bolsonaro, o governo do Merkel não adotou a mesma postura da França em relação ao acordo com o Mercosul. Enquanto Macron se posicionou contra o acordo por causa da situação ambiental no Brasil, Merkel argumentou que a ” não ratificação não contribuirá para reduzir o desmatamento da Amazônia”.