São Paulo — Enquanto a produção industrial no resto do mundo cresceu 10% desde 2014, a atividade nas fábricas brasileiras caiu 15% no mesmo período – e não recuperou o patamar em que estava antes da recessão. Se nada for feito, de acordo com economistas, o Brasil corre o sério risco de deixar de estar entre os dez maiores países industriais do mundo.
Para além dos efeitos negativos da recessão no Brasil, de 2015 a 2016, sobre confiança e emprego, os variados choques que a atividade industrial sofreu no País e os problemas estruturais que o setor enfrenta explicam a disparidade do desempenho local frente a países vizinhos, dizem especialista
E o pior: esses fatores devem levar a indústria, que tem peso de cerca de 11% no Produto Interno Bruto (PIB), a uma nova retração este ano, após registrar crescimento em 2017 e 2018, influenciada também pela desaceleração global. O pico de participação da indústria no PIB foi em 1976, com 22,3% (a preços constantes de 2010).
De acordo com a economista Laura Karpuska, da BlueLine Asset – que sistematizou os dados sobre produção industrial no mundo, nos países emergentes, excluindo a China -, a atividade das fábricas cresceu 8% desde 2014, enquanto na América Latina o desempenho foi de queda de 4%. E o destaque negativo entre os maiores países da região foi o Brasil.
Dentre os motivos que ajudam a explicar o desempenho mais fraco do Brasil em relação aos vizinhos, Laura cita primeiro os diferentes choques que vêm tendo impacto na economia do País.
A queda nas exportações para a Argentina, que afeta os manufaturados, pode ter tirado até 0,7 ponto porcentual do PIB em 2017 e 2018 e até 0,5 p.p. em 2019. Também pesaram a tragédia do rompimento da barreira da Vale, em Brumadinho (MG) e a greve dos caminhoneiros em maio do ano passado.
“À exceção da Argentina e dos problemas gravíssimos da Venezuela a crise industrial do Brasil foi uma das mais profundas da América Latina, e a recuperação tem sido das mais frustrantes possíveis também”, reforça o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Vem da entidade o alerta de que o Brasil, que ocupa a nona posição entre os maiores países industriais, pode deixar, em breve, de aparecer entre os dez primeiros desse ranking.
O desempenho fraco da indústria, na avaliação de Cagnin, reflete tanto a demanda fraca quanto problemas estruturais de competitividade e produtividade, como a complexa estrutura tributária, o baixo investimento e o parque produtivo obsoleto. O economista reforça que é cada vez maior o risco de a atividade fechar 2019 com queda na produção.
Depressão
“Se a situação em que a indústria brasileira está não é uma depressão, eu não sei mais o que poderia ser”, afirma o economista e ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore. “A indústria nacional e a do resto do mundo seguem a mesma trajetória até 2012. Em 2013, a do Brasil começou a fraquejar e nunca mais se recuperou, enquanto a produção mundial continua crescendo e, hoje, está 40 pontos porcentuais na frente.”
Ele avalia que foram cometidos uma série de erros em anos recentes, que criaram uma espécie de armadilha para o setor, como a recriação da indústria naval, que não se sustentou. “Além disso, diversos empresários foram atrás de proteção, de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e esqueceram de investir para aumentar a competitividade das empresas.”
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em economia industrial, David Kupfer, avalia que não há uma solução de curto prazo para reverter o quadro atual, que classifica como “anemia industrial”. “Há uma questão estrutural, de falta de competitividade, e conjuntural, de falta de dinamismo na economia, que impede a indústria de crescer.”
Ele completa que seria possível tentar estratégias, envolvendo empresas e política econômica, para que a indústria recuperasse mais dinamismo em um horizonte de médio a longo prazos, com resultados demorando pelo menos cinco anos para aparecer. “O que se pode pensar é em uma reformulação da política econômica atual que abra algum espaço para investimentos.”
Para Kupfer, políticas usadas por governos anteriores, como o fomento aos chamados campeões nacionais e a desoneração da folha de pagamento de diferentes setores produtivos, não serviram para fortalecer a indústria, mas para tentar melhorar o ambiente macroeconômico. “Ainda assim, esses instrumentos não devem ser demonizados, apenas não foram bem utilizados à época.
Pico em 2011
A alta de 0,8% registrada pela indústria em agosto ante julho amenizou a distância entre o patamar de produção atual e o ponto mais elevado já registrado na série histórica da Pesquisa Industrial Mensal, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em agosto, o patamar de produção estava 17,3% menor que o auge alcançado em maio de 2011.
“Então reparem que ainda tem um espaço importante a ser recuperado para superar as perdas do passado. Mesmo considerando essa melhora de ritmo para esse mês, a gente ainda está ali no patamar do início de 2009, entre janeiro e fevereiro”, afirmou André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE.
No mês de agosto, a fabricação de bens de capital estava 33,4% abaixo do pico de produção registrado em setembro de 2013, enquanto os bens de consumo duráveis operavam 28,0% aquém do ápice de produção visto em junho de 2013.
Já os bens intermediários estavam 16,6% abaixo do pico visto em março de 2011, e os bens de consumo semi e não duráveis operavam 10,7% aquém do auge registrado em junho de 2013.