Um dos remédios utilizados no tratamento do câncer de próstata do seu Diomário Oliveira, 95 anos, só dura por mais três dias. A vizinha Maria do Socorro Vieira de Brito, 54 anos, que cuida do idoso, não sabe como vai fazer para ir até Vitória da Conquista comprar o medicamento. É que o local onde eles vivem, a fazenda Riachão do Gado Bravo, localizada no município de Caetanos, sudoeste da Bahia, é um dos locais afetados pelas fortes chuvas que atingem a Bahia em dezembro.
“É só chover que fica desse jeito. O volume do rio sobe e fica impossível de passar. As estradas, por não serem asfaltadas, vivem atolando. Os ônibus mesmo param de rodar por aqui. Estamos há um mês ilhados”, reclama, aos prantos, dona Maria. Na manhã dessa quinta-feira (30), uma outra vizinha precisou de atendimento médico em Vitória da Conquista e a ambulância que a levava atolou na estrada.
“Só os carros da saúde que arriscam passar por aqui nesse estado e ainda quando é uma emergência. Foi necessário o pessoal se juntar para ter que passar ela nos braços, pelo rio. E um outro carro teve que vim pegá-la”, conta a moradora que, ainda nessa semana, perdeu uma amiga paciente renal, da cidade vizinha Anagé. “Ela fazia hemodiálise e não estava conseguindo ir nos dias certos por causa da chuva”, afirma.
Os remédios do seu Diomário Oliveira estão acabando (Foto: arquivo pessoal) |
Katia estima que mais da metade do público atendido pelo Naspec foi de algum modo atingido ou prejudicado pelas fortes chuvas. “Essas regionais do Sul da Bahia já têm o costume de vir realizar tratamentos em Salvador e utilizam o nosso serviço. O problema é que na oncologia tudo é para ontem. Se você interrompe o tratamento, as consequências são graves”, aponta.
De acordo com Isadora Oliveira Maia, procuradora jurídica da Federação das Apaes do Estado da Bahia (Feapaes) e conselheira estadual de Saúde, essa situação também afeta as Pessoas Com Deficiência (PCDs), que muitas vezes precisam fazer tratamento médico ou atendimento especializado. Ela relata que tem encontrado casos de abrigos sem adaptação, tratamentos interrompidos e medicamentos em falta.
Para a especialista, o maior problema é que muitas das pessoas com deficiência perderam tudo e não conseguem ficar em abrigos, pois estes não são adaptados aos cuidados específicos que eles precisam. Além disso, há uma série de demandas, como tratamentos de saúde, fraldas, leite especial e medicamentos de uso contínuo que não são ofertados nesses lugares. Boa parte dessas pessoas acabam indo para a casa de parentes e, por causa disso, ficam sem acesso a qualquer tipo de doação.
“São pessoas com deficiência intelectual, múltipla, com deficiências severas que tem sido afetada seriamente por conta das chuvas na Bahia. O problema está além do alimento, das casas, mas na dificuldade de permanecer em determinados ambientes, até por conta de especificidade de alimentação, uso de fraldas e medicamentos”, relata.
Das 78 Apaes que existem na Bahia, 28 estão na região afetada pelas chuvas. Algumas também foram alagadas, como as de Jequié e Guanambi. “Então, vai surgir uma campanha para reerguer esses espaços. Estamos com falta de medicamentos, insumos, máscara, álcool em gel… muitos postos de saúde foram afetados e a distribuição para as famílias foi comprometida, o que é ruim, pois os medicamentos são de uso contínuo, as terapias não podem parar”, conta Isadora.
Em nota, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia afirmou que não há o que fazer imediatamente. “Tratamentos oncológicos pelo SUS não são realizados em casa, somente nas unidades hospitalares. A diálise da mesma forma. É uma situação excepcional”, disse a pasta, ao comentar a dificuldade dessas pessoas em realizarem seus tratamentos médicos.
Doações
Preocupados com esse público específico, pessoas estão se mobilizando para receber doações. A influenciadora Marina Batista é ativista pela inclusão da pessoa com deficiência e organizou uma campanha pelas redes sociais para ajudar as pessoas com deficiência que vivem nas regiões atingidas pelas chuvas. Parte do dinheiro arrecadado está sendo entregue ao Núcleo Cuidar, instituição de Itabuna que atende mais de 200 famílias de comunidades ribeirinhas da cidade.
Ela já conseguiu entregar duas cadeiras de rodas, 160 sondas, 40 pacotes de fraldas geriátricas, dentre outros itens como curativos, óleos cicatrizantes, soro para limpeza e seringas. As doações podem ser feitais pelo pix contato@rodandopelavida.com.br ou através do link https://apoia.se/pcdsdosuldabahia.
“A tragédia na Bahia e eu aqui pensando em como tentar ajudar as pessoas atingidas que tem necessidade de fraldas adultas, sondas em geral, alimentação especial e medicamentos. Tá tudo perdido por contaminação. Alimentação, água, abrigo… tudo é urgente, mas isso vai chegar com certeza por doação. O governo está nem aí para rastrear essa população vulnerável para repor a cadeira de rodas, por exemplo”, escreveu a ativista em sua rede social para justificar a campanha.
A Feapaes também está se organizando para receber doações para esse público, mas ainda não foi divulgado nada oficial. “A Federação vai lançar a Campanha de doação nas próprias Apaes maiores que tiverem o seu público atingido, como as de Jequié, Guaratinga e Guanambi. Também teremos um pix. Pedimos para as pessoas acompanharem as ações e local de doação nas redes sociais, pois isso será divulgado”, afirma Isadora.
Lista das 28 Apaes prejudicadas pelas chuvas:
1. Alcobaça
2. Amélia Rodrigues
3. Ibicaraí
4. Ilhéus
5. Ipiaú
6. Itabela
7. Itabuna
8. Itamaraju
9. Itanhém
10. Canavieiras
11. Caravelas
12. Itapetinga
13. Jequié
14. Gandu
15. Governador Mangabeira
16. Guaratinga
17. Maragogipe
18. Medeiros Neto
19. Mucuri
20. Porto Seguro
21. Prado
22. Ruy Barbosa
23. Ubatã
24. Valença
25. Vitória Da Conquista
26. Barreiras
27. Formosa Do Rio Preto
28. Jitaúna
Fonte: Correio