O plástico é um dos materiais mais usados na indústria, devido principalmente à sua alta resistência. Porém, esta característica também gera problemas ao meio ambiente, já que destruir ou reaproveitar o produto de origem tóxica se torna uma tarefa trabalhosa. Preocupados com esse cenário, pesquisadores norte-americanos desenvolveram um novo composto de origem natural, com uma estrutura ainda mais forte que os polímeros artificiais, mas que pode ser descartado com mais facilidade.
No estudo, os cientistas explicam que a parte mais forte de uma árvore não está nas raízes, que a sustentam em pé, mas em suas células microscópicas, presentes em todo o tronco e nos galhos. “Uma única parede celular de madeira é construída a partir de fibras de celulose — o polímero mais abundante da natureza e o principal componente estrutural de todas as plantas e algas”, detalharam os autores, no artigo, publicado na Advanced Materials.
Os pesquisadores explicam que, dentro de cada fibra de celulose, estão presentes vários nanocristais de celulose de reforço, chamados também de CNCs. Foi com esse material que a equipe resolveu trabalhar no projeto. “Em nanoescala, os CNCs são mais fortes e rígidos que uma série de materiais usados na indústria. Ao conseguir manipular bem essas moléculas, elas podem abrir um novo caminho para a construção de plásticos mais fortes, mais sustentáveis e de origem natural”, detalharam os cientistas.
Os especialistas buscaram uma forma de usar os CNCs como base para uma receita de plástico, ao misturá-los com um polímero químico, tarefa que se mostrou bastante complicada. “Em tentativas anteriores, nós só conseguimos incorporar frações baixas de CNCs, já que os cristais tendem a se aglomerar e se ligar apenas fracamente às moléculas do polímero”, explicou, em um comunicado à imprensa, John Hart, professor de engenharia mecânica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e principal autor do projeto.
Gel
Hart e seus colegas procuraram desenvolver um composto com uma alta fração de CNCs. Como primeiro passo, o grupo misturou uma solução de polímero com pó de CNCs disponível comercialmente, um material que é usado na indústria como espessante de alimentos e cosméticos.
A equipe, então, determinou a proporção de CNC e polímero que transformaria a solução em um gel, com a consistência ideal para usar o material em uma impressora 3D. Em seguida, os cientistas utilizaram uma sonda ultrassônica para quebrar aglomerados de celulose no gel, o que fez com que esta se dispersasse mais, facilitando a formação de ligações entre os CNC’s e as moléculas do polímero sintético. A estratégia deu certo, e os cristais orgânicos ocuparam cerca de 60 a 90% do material — a maior fração de CNCs alcançada em um compósito até hoje.
Em seguida, a equipe examinou a estrutura do novo plástico sob um microscópio e observou que os grãos de celulose se estabeleceram em um padrão semelhante à arquitetura do nácar, um material feito com calcários e presente em conchas de animais marinhos. Nele, uma microestrutura em ziguezague das moléculas impede que sejam formadas rachaduras. Os pesquisadores descobriram que isso também acontece com seu novo composto natural. “Essa resistência à deformação plástica confere ao compósito uma dureza e rigidez ainda maior que os plásticos convencionais e os metais”, frisaram os autores, no trabalho. “Nós desconstruímos a madeira e a remontamos. Pegamos os seus melhores componentes, que são os nanocristais de celulose, e os reconstruímos para obter um novo material”, explicou Abhinav Rao, também autor do estudo e pesquisador do MIT.
Nos testes com o novo plástico, os pesquisadores usaram impressoras 3D para criar objetos e até órgãos, como um dente. O objetivo era mostrar que o material pode ser usado para fazer implantes dentários à base de celulose. Os protótipos foram bem-sucedidos, e agora os especialistas pretendem criar produtos ainda maiores. “Acreditamos que podemos dar aos materiais feitos à base de plástico propriedades mecânicas que eles nunca tiveram antes”, declarou Hart. “Se pudermos substituir o plástico à base de petróleo por celulose derivada naturalmente, isso também é, sem dúvida, algo melhor para o planeta”, acrescentou.
Filipe Tôrres, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e doutorando em engenharia da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o novo plástico desenvolvido pelos pesquisadores dos EUA pode fazer muita diferença no futuro, já que apresenta vantagens buscadas pela indústria. “Ter um plástico feito de celulose, e não de petróleo, e que por isso se degrada mais fácil na natureza, é uma grande vantagem para sua comercialização”, detalhou o especialista. “Outro ponto positivo foram as características vistas, já que a força desse plástico é notável, sendo mais duro que alguns ossos e mais resistente que as vigas de alumínio típicas”, acrescentou o especialista.
Tôrres destaca apenas um obstáculo a ser superado pelos criadores do novo plástico. “Os cientistas conseguiram moldar objetos pequenos com o material. Já para produtos maiores, isso pode ser mais difícil.”
Detalhes importantes
“Essa pesquisa é extremamente interessante, mas não deixa claro alguns pontos que são de grande relevância em um tipo de projeto como esse. Precisamos saber do que é feito o polímero usado na mistura com os nanocristais. Os cientistas não deixam claro se ele também é biodegradável, e isso faz diferença no processo de descarte. Outra parte importante é saber como é feita a reciclagem desse novo plástico, e que não foi testada no estudo, pois só assim teremos certeza que ele é menos nocivo ao meio ambiente. Ainda assim, é um projeto interessante, pois seria muito bom termos uma opção de plástico mais fácil de ser reutilizado. É importante deixar claro que o problema do acúmulo desse material na natureza não é só do produto, mas da sociedade, da forma como o utiliza e da falta de cuidado em seu reaproveitamento”
Guilhermino José Macedo, professor adjunto da Universidade Presbiteriano Mackenzie, em São Paulo, e pesquisador do Instituto Mackenzie de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias (MackGraphe)
Fonte: Correio Braziliense