Há cerca de oito anos, Carlos notou que pequenas verrugas apareceram na ponta de seu pênis. Sem imaginar que pudesse se tratar de um câncer, os sintomas que apareceram alguns dias mais tarde assustaram o paulistano, que tinha 64 anos na época.
Em pouco tempo, as lesões e incharam e passaram causar dor e queimação intensa e atrapalhar seu trabalho como caminhoneiro. Com o incômodo constante, dormir por horas seguidas ou focar nas atividades habituais da rotina se tornou impossível.
Ele marcou uma consulta com um médico que encontrou em uma rede de saúde privada popular. A biópsia realizada pelo profissional indicava que Carlos sofria de papiloma escamoso, um tumor que tem sido associado à infecção pelo HPV (papilomavírus humano).
O tratamento prescrito consistia em antibiótico e uma pomada feita em farmácia de manipulação. Não foi suficiente. Entre uma nova biópsia, troca de remédios e cauterizações nas feridas, anos se passaram. “Nada adiantava para curar o problema de vez, aí decidi procurar outro hospital”, lembra Carlos.
Por indicação, ele chegou à Santa Casa de São Paulo no início de 2021, onde recebeu da equipe de urologia o diagnóstico de câncer de pênis. “O sentimento foi de frustração. Eu procurei um médico particular, fiz o que eu podia, mas ainda assim não foi suficiente”, diz.
Alguns meses depois, em julho, por já estar com o quadro de câncer de pênis avançado, ele precisou amputar parte do órgão. “Fiquei triste de perder uma parte importante de mim, mas entendi que não tinha outra forma. Senti alívio por acabar com a dor”, conta Carlos.
Ele agora espera para saber se precisará de quimioterapia ou radioterapia, e por enquanto, não consegue trabalhar. “Sempre tive caminhão grande, mas precisei trocar por um menor, e minha companheira está tocando o trabalhando sozinha, carregando 1.600 quilos por dia.”
O Brasil registra uma média anual de quase 500 amputações de pênis totais ou parciais por falta de tratamento correto ou diagnóstico tardio.
Toda ferida no pênis deve ser checada por um especialista
O câncer de pênis pode se manifestar por feridas de diferentes aspectos. Por isso, a recomendação é que qualquer lesão peniana seja avaliada por um especialista. “Pode ser plana, verrugosa, ulcerada… Não há um padrão definitivo e toda alteração deve ser considerada um alerta”, explica Alfredo Canalini, médico urologista e presidente da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia).
Sangramento, pele endurecida e vermelha, coceira intensa e dificuldade para expor o a glande ao puxar o prepúcio também são sintomas que não devem ser ignorados.
O diagnóstico que confirma o câncer de pênis é feito por biópsia de algum fragmento da lesão.
A incidência da doença aumenta com a idade e é mais frequente em pessoas com 50 a 70 anos.
Em 2021, pela dificuldade de acesso agravada com a pandemia, houve a diminuição em torno de 20% dos casos notificados pelo Ministério da Saúde, quando comparado com a média dos anos anteriores.
Na maioria das capitais nordestinas, os índices são ainda mais alarmantes do que esse, com 41% menos casos diagnosticados em Fortaleza, 48% em São Luís e 78% em Maceió. Apesar da notificação possivelmente mais baixa, de acordo com informações do Inca (Instituto Nacional do Câncer), o Nordeste e o Norte são as regiões com mais casos da doença, levando em consideração os números relativos pela densidade populacional masculina local.
Fatores de risco e prevenção
Um estudo que analisou os casos brasileiros da doença, publicado no periódico científico Journal of Cancer Research and Clinical Oncology em 2020, alerta que o câncer de pênis é associado à população de baixa e média renda. “Por falta de conhecimento e preconceito, o homem acaba negligenciando a própria saúde”, diz o médico.
Para diminuir o risco de câncer de pênis, o documento recomenda circuncisão neonatal, não fumar, vacina contra o HPV (vírus que em mulheres pode causar câncer de colo de útero), uso de preservativo para prevenir ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e campanhas educativas que ensinem homens a higienizar o pênis corretamente.
“A falta de higiene aumenta o risco porque a sujeira acumulada na pele pode causar irritação e alterar a citologia (biologia celular). Uma pele que vai sendo sucessivamente maltratada faz o organismo reagir, e assim pode surgir um tumor”, esclarece Canalini.
O médico ensina que o homem precisa puxar para trás a pele do prepúcio, exteriorizar a glande e lavar bem a região com água e sabão, para, em seguida, secar e depois colocar a pele de volta.
Se não for tratado adequadamente, câncer de pênis pode levar à amputação
O Brasil registrou 7.213 amputações de pênis totais ou parciais por falta de tratamento correto ou diagnóstico tardio nos últimos 14 anos, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados pela SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), uma média de 515 por ano.
A agressividade do câncer de pênis pode variar de acordo com o tipo do tumor e o momento em que a doença é descoberta define o tratamento que será feito e as chances de cura do paciente. “Quando há detecção precoce, com o quadro ainda em fase inicial, tratamentos não tão mutilantes podem ser usados”, diz Canalini.
Para quem precisa da amputação, o choque costuma ser grande. “É uma situação extremamente traumática em qualquer faixa etária, e todo paciente deve ter
acompanhamento psicológico. Nesses casos, podemos usar o canal da uretra para uma cirurgia de reconstrução peniana.”
Diferentemente do câncer de colo de útero em mulheres, que se assemelha ao câncer de pênis por também poder ter o vírus HPV como precursor, o problema nos homens pode ser observado com maior facilidade, sem necessariamente ser detectado apenas por um profissional de saúde. “É por isso que temos que incentivar que homens de todas as idades examinem seus próprios prepúcios e glandes”, alerta o especialista.
Em relação à capacidade de ter filhos, nem toda pessoa com câncer de pênis tem sua fertilidade afetada. Fatores como dimensão da amputação e tratamentos utilizados (se passa por quimioterapia e radioterapia, por exemplo), podem diminuir as chances. Idealmente, a preservação da fertilidade deve ser discutida no início do tratamento, para que, se for um desejo do paciente e seu organismo oferecer a possibilidade, ele tenha a oportunidade de armazenar esperma para uso futuro.
Fonte: Correio Braziliense