A investigação da morte de quatro pessoas pela Polícia Militar (PM) na zona rural de Cavalcante, na região da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, em 20 de janeiro deste ano, revela que a versão contada pelos militares é bem diferente do que foi apurado pela Polícia Civil.
Conforme inquérito da Delegacia de Investigação de Homicídios (DIH), os militares atiraram e mataram Alan Pereira Soares, de 27 anos, Antônio Fernandes da Cunha, de 35, Ozanir Batista da Silva, de 46, e Salviano Souza Conceição, de 63.
Segundo a versão dos PMs, as quatro vítimas estavam em uma plantação de maconha com 500 pés da planta e atiraram contra os policiais. Inicialmente, os militares chegaram a falar em 2 mil pés.
Acontece que depoimentos de testemunhas e perícias realizadas no local desmentiram essa versão. Sete policiais envolvidos na ação foram presos preventivamente em 25 de fevereiro.
Maconha
Laudo da Polícia Científica identificou apenas 4 pés de maconha no local do crime, que foram queimadas pelos militares junto de outras plantas da região que não são consideradas ilegais.
Além disso, os policiais militares cortaram queimaram as plantas antes do delegado e da perícia chegarem na fazenda, o que não é procedimento adequado, segundo relatório da Polícia Civil. A PM chegou a divulgar imagens de fogueiras como se fossem da plantação de 500 pés.
Tabletes de maconha e prensa que teriam sido apreendidos não são mencionados no boletim de ocorrência e não estão apreendidos, segundo o inquérito.
Rendidos
Testemunhas relataram para os investigadores que as vítimas foram rendidas em uma fazenda e depois levadas para outra ao lado, onde teriam sido executadas. No caminho entre as duas propriedades foram encontrados chinelos de tamanhos diferentes.
Um trabalhador rural que passava pela região chegou a ouvir os policiais indagando: “Cadê as armas?”. Ele também ouviu a vítima Salviano responder: “A arma que eu tenho é uma espingarda velha e está lá em casa”.
Apenas 40 minutos depois desse diálogo é que se ouviram disparos de arma de fogo, segundo depoimentos.
Tiros e armas
Os policiais apresentaram 5 armas como sendo das vítimas e falaram que eles atiraram contra a equipe militar. Só que não havia nenhum vestígio de disparo das armas das vítimas no local.
Fora isso, os militares também recolheram as cápsulas dos disparos que eles efetuaram. Foram 58 tiros, sendo 40 de fuzil, mas só havia cinco estojos de munição no local.
O estojo ou “cápsula” é um componente da munição que se solta no momento do disparo e é usado em investigações criminais para saber a origem do tiro, por exemplo.
Um dos tiros dos policiais estava cravado dentro da terra e envolto numa poça de sangue, o que evidencia que o disparo foi dado de cima para baixo.
Após os tiros, as vítimas foram retiradas do local pelos policiais para supostamente prestar socorro. Eles estavam mortos no momento da entrada do hospital. Isso prejudicou parte da perícia.
Divergência
Os policiais militares disseram que ficaram sabendo da localização da suposta plantação de maconha por denúncia anônima. Já o relatório final da investigação diz ser “impossível saber a localização com denúncia anônima”, já que o local é de bastante difícil acesso.
Posteriormente, os militares apontaram um homem como sendo a pessoa que fez a denúncia da plantação, mas em depoimento, esse homem disse que nunca viu pés de maconha no local e que os militares ficaram uma hora na cena do crime, mesmo depois dos disparos.
Ameaça
Testemunhas relataram que dias antes de morrer, a vítima Allan foi ameaçada por um dos policiais envolvidos nas mortes com uma faca no pescoço. A namorada de Alan está grávida e os policiais deixaram ela correr antes da chacina.
O ex-namorado da companheira de Allan também foi morto a tiros em março de 2021. Segundo informações, ele teria sido ameaçado dias antes pelo mesmo policial que ameaçou Allan.
Indiciamento
As quatro mortes na Chapada foram cometidas em ação do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) de Niquelândia e são lotados no 14º Batalhão da PM de Goiás. O caso levou ao indiciamento de sete militares por homicídio qualificado e fraude processual. O inquérito foi concluído na semana passada pela delegada Caroline Matos, da DIH com sede em Goiânia.
Presos por determinação da Justiça desde 25 de fevereiro, foram indiciados os seguintes policiais: sargento Aguimar Prado de Morais, sargento Mivaldo José Toledo, cabo Jean Roberto Carneiro dos Santos, soldado Welborney Kristiano Lopes dos Santos, cabo Luís César Mascarenhas Rodrigues, soldado Eustáquio Henrique do Nascimento e soldado Ítallo Vinícius Rodrigues de Almeida.
Fonte: Metropóles