Os probióticos têm se destacado na área médica, impulsionados por uma série de pesquisas que demonstram efeitos protetivos à saúde. No entanto, essas “bactérias do bem” ainda não são totalmente aproveitadas quando incluídas na dieta. Isso porque perdem boa parte do valor nutricional até chegar ao intestino. Uma capa de proteção feita com carboidratos de algas poderá facilitar essa viagem. A tecnologia médica é desenvolvida em Cingapura e, nos testes laboratoriais, tem surtido resultados positivos. Para os criadores da solução, ela também poderá ser usada no enriquecimento nutricional de alimentos diversos.
Tan Li Ling, pesquisadora da Escola de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Tecnológica de Nanyang (NTU), relata que, pouco tempo depois da ingestão de produtos lácteos e suplementos com probiótico, começa a se formar um “ambiente hostil” a esses micro-organismos. “Muitos estudos mostram que a maior parte dos probióticos fornecidos em suplementos comerciais e iogurtes morre nos primeiros 30 minutos de exposição ao ambiente ácido do estômago”, diz a autora do estudo, publicado na última edição da revista Carbohydrate Polymers.
Para ultrapassar esse obstáculo, Ling e colegas resolveram criar um revestimento comestível que garantisse que as bactérias benéficas ao organismo alcançassem, sem transtornos, seu destino final. Os pesquisadores escolheram como matéria-prima para esse escudo o alginato, um carboidrato presente em algas marrons. “Selecionamos essa molécula como material de revestimento porque ela é segura para o consumo humano, de origem natural e apresenta um custo relativamente baixo. O alginato também exibe propriedades de tamponamento de ácido, ou seja, ele pode proteger os probióticos contra as condições adversas causadas pelo ácido gástrico do estômago”, detalha a cientista.
Os testes foram feitos com bactérias Lacticaseibacillus, que, depois de cultivadas em laboratório, foram lavadas em uma solução salina, secas por pulverização e, por fim, “embaladas” em um spray de alginato com açúcares, em um processo que levou cerca de uma hora. Depois, os especialistas simularam uma jornada desses micro-organismos ao longo do trato digestivo humano. Apenas os probióticos cobertos com o revestimento de alginato sobreviveram ao percurso.
Isso aconteceu porque as bactérias só foram liberadas quando chegaram ao intestino delgado. Nessa região, há uma grande quantidade de íons de fosfato, que fizeram com que a capa protetora se rompesse. “Para aumentar a eficácia dos probióticos como suplemento dietético, nós os ‘embrulhamos em pacotes’ e os entregamos em locais específicos do intestino, onde vão gerar mais benefícios. Nosso novo produto teve êxito e, com isso, conquistamos nosso objetivo”, comemora Joachim Loo, professor da Escola de Ciência e Engenharia de Materiais da NTU.
Adaptações
Os planos são de que o consumo dos probióticos embalados seja feito de forma direta, assim como ocorre a ingestão de suplementos alimentares. E há a expectativa de explorar a tecnologia médica de outras maneiras. A equipe acredita, por exemplo, ser possível enriquecer alimentos e bebidas, como cerveja e sucos, com probióticos revestidos. “Podemos adaptar e aprimorar essa tecnologia para aplicá-la em uma variedade de probióticos e usá-la para outros fins, incluindo aplicações comerciais nas indústrias agroalimentar e médica”, planeja Loo.
Os cientistas começam a ser procurada por empresas interessadas na tecnologia, que pode, segundo eles, enriquecer as dietas de animais criados, como galinhas, substituindo o uso de antibióticos “Essa tecnologia é altamente versátil, pois essas bactérias podem ser incorporadas em tipos diferentes de produtos, incluindo suplementos e pílulas dietéticas, alimentos e bebidas e até rações para animais”, enfatiza Loo. “Com a mudança de paradigma que tem ocorrido, em que estamos indo em direção à prevenção de doenças em vez do tratamento, essas bactérias podem, portanto, ser a chave para moldar a saúde de uma pessoa.”
Segundo Cynthia Jurkiewicz Kunigk, professora do curso de engenharia de alimentos do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), em São Paulo, o trabalho desenvolvido pela equipe de Cingapura reúne técnicas e materiais que vêm sendo bastante explorados na área científica. “O encapsulamento é uma vertente bastante usada dentro da engenharia alimentar, e o alginato é um material alvo de muitos pesquisadores devido às inúmeras vantagens, como não fazer mal ao organismo humano”, explica.
A especialista indica alguns fatores que precisam ser aperfeiçoados até que os probióticos revestidos possam ser usados comercialmente. “O tempo de conservação do produto foi bem maior quando ele foi refrigerado, e isso precisa ser melhorado. Outro ponto importante é saber se, ao adicionar esses probióticos encapsulados em alimentos diversos, eles vão manter seu valor. São pontos importantes a serem trabalhados antes de pensar em uma produção industrial”, diz.
Mesmo com os obstáculos a serem superados, Cynthia Kunigk acredita que, em pouco tempo, esse tipo de produto estará disponível para o consumo. “Temos muitos especialistas trabalhando com isso, em busca de obter os melhores benefícios desses micro-organismos. Essa é uma tendência, mas também é importante frisar que os probióticos precisam ser consumidos na quantidade adequada e com frequência para que se obtenha os benefícios gerados por eles”, reforça.
Couro feito com bolor de pães
Pesquisadores suecos desenvolveram um couro que não tem origem animal. O material é feito à base de fungos presentes no bolor de pães estragados e produzido em uma base 100% ecológica. Detalhes da produção foram apresentados na última edição do encontro anual da Sociedade Americana de Química (ACS, na sigla em inglês).
A escassez de couro original e os danos gerados ao planeta nas produções das matérias-primas de vestuários mais tradicionais motivaram a equipe a buscar uma alternativa. “Ao desenvolver nosso processo, tivemos o cuidado de não usar produtos químicos tóxicos ou qualquer coisa que pudesse prejudicar o meio ambiente”, relata, em comunicado, Akram Zamani, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Borås. “Esperamos que nosso trabalho possa substituir o algodão, as fibras sintéticas e o couro animal, materiais envoltos em questões ambientais e éticas negativas.”
Para produzir o novo couro, a equipe misturou, em um reator, migalhas de pão com água e adicionou esporos de Rhizopus delemar, um fungo normalmente presente em alimentos em decomposição. À medida que o fungo se alimentava do pão, ele produzia fibras naturais microscópicas feitas dos polissacarídeos quitina e quitosana que se acumulavam em suas paredes celulares.
Após dois dias, os cientistas coletaram as células e removeram lipídios, proteínas e outros subprodutos, que foram guardados para serem usados em alimentos ou rações. O resto do material passou por um processo de secagem para se tornar mais semelhante ao papel e ao couro. O produto foi, então, usado para criar carteiras, mas os cientistas acreditam que a produção pode ser aprimorada, chegando a fios mais grossos e, ainda assim, flexíveis.
Mais camadas
Agora, eles trabalham na confecção de objetos feitos com mais de uma camada do couro biológico. Ao inserirem glicerol e um aglutinante de base biológica no produto final, conseguiram mais flexibilidade, resistência e brilho. “Nossos testes recentes mostram que o couro fúngico tem propriedades mecânicas bastante comparáveis ao material real. Por isso, acreditamos que, em pouco tempo, chegaremos a um substituto à altura do produto original, mas totalmente biodegradável”, afirma Zamani.
Outro projeto é testar o uso de fungos presentes em outros alimentos descartados, como a massa que sobra das frutas após serem totalmente espremidas para se fazer sucos. “Em vez desse material ser jogado fora, ele poderia ser usado para o cultivo de fungos”, indica Zamani. “Portanto, não queremos nos limitar ao pão, até porque esperamos que, futuramente, não haja desperdício desse alimento.”
Fonte: Correio Braziliense