Imprevistos acontecem e mesmo famílias bastante estruturadas e com uma ampla rede de apoio podem se deparar com uma situação em que é preciso levar as crianças a locais predominantemente adultos. Entretanto, para um grupo de mães de Goiânia, é melhor que nada fora da rotina aconteça. Isso porque, em caso de não ter com quem deixar os filhos, elas precisarão escolher entre cuidar dos bebês ou frequentar atividades acadêmicas.
É o que conta Isadora Kelwen, de 26 anos, estudante de veterinária. Na quinta-feira (28/4), ela auxiliava a organização de uma palestra na sede da Unigoiás, mas precisou levar a filha, de 1 ano e 2 meses até o local. Ao chegar, Isadora foi impedida pelo segurança de entrar no prédio sob a justificativa de que normas internas da instituição proíbem a presença de crianças.
A faculdade nunca avisou oficialmente a gente e, antes de acontecer comigo, eu tinha escutado relatos de mães que tinham passado por isso. Lá na porta, quando aconteceu, ele (o segurança) foi mostrar um documento, o regimento interno da universidade, que diz que é proibida a entrada de crianças em sala de aula pra não atrapalhar o aprendizado de outros alunos.”
Ela conta que o marido viria logo em seguida para buscá-la com a bebê e que, por isso, não achou que a presença da pequena atrapalharia as atividades acadêmicas. Colegas de Isadora e até o coordenador do curso tentaram argumentar, mas nada resolveu. “Meu sentimento foi de constrangimento, me senti muito humilhada, incapaz, impotente”, desabafou.
Proibição de crianças é uma prática recorrente na instituição
Isadora fez um vídeo de desabafo sobre a situação e postou no perfil que mantém no Instagram. A estudante afirma que preferiu não insistir e voltar para casa porque não queria mais expor a filha pequena àquele transtorno. “Por isso que eu fiz um vídeo desabafando, na hora eu fiquei muito nervosa, senti muita raiva. Depois eu chorei bastante”, conta.
Em meio a muitas mensagens de apoio, ela recebeu relatos de colegas que já passaram por algo similar. Em um desses relatos, também publicado no Instagram, a estudante Thainara Xavier diz que foi impedida de fazer uma prova, também em abril deste ano, porque estava acompanhada do filho, de 8 anos de idade.
“Nesse dia ocorreu que não pude deixar meu filho com ninguém e eu pedi ao segurança que nos deixasse entrar para que ele ficasse na sala ao lado assistindo (desenhos no celular) e, mesmo assim, fui impedida. A sugestão que ele me deu foi que eu deixasse o meu filho lá fora e entrasse para realizar a prova. A minha sorte foi que meu esposo conseguiu sair do trabalho a tempo e buscar o nosso filho para que eu entrasse. É revoltante”, narra Thainara.
Unigoiás emitiu nota alegando questões de segurança
Segundo Isadora, as duas não são as únicas a passar por isso e os relatos de constrangimentos similares circulam pelos corredores da instituição. Depois que o caso repercutiu, a Unigóias emitiu uma nota confirmando a proibição de crianças nas dependências da faculdade.
De acordo com o texto, as instalações “não são adequadas para receber crianças, o que, se ocorrer, irá interferir nas atividades e pode colocar em risco a integridade das crianças.” A postura inflexível é uma das coisas que mais impressiona as mães. “A faculdade até o momento não entrou em contato com nenhuma de nós. O coordenador (do curso) entra em contato, tenta apaziguar a situação, mas a instituição até o momento não deu suporte nenhum e nem pra mim, nem para as outras mães”, diz Isadora. Ela afirma que o grupo de estudantes deve se mobilizar para entender quais as medidas legalmente cabíveis para o caso.
Proibição da entrada de crianças é legal?
A proibição é controversa até mesmo entre os advogados. Duas especialistas ouvidas pelo Correio manifestaram opiniões contrárias sobre o tema.”A proibição não é ilegal e serve para resguardar os menores e as próprias instituições de ensino. Sei que não é fácil ouvir isso por parte das mães estudantes, mas, em caso de qualquer acidente com as crianças, os responsáveis poderiam processar a instituição, que não é preparada para receber esse público”, argumenta Andrea Costa, advogada e sócia do Loureiro, Costa e Sousa Advogados.
De acordo com ela, essa situação é ainda mais difícil para instituições que tenham laboratórios e materiais que podem causar acidentes. “Entendo a situação difícil das mães, mas essa responsabilidade não pode ser repassada para a instituição de ensino e, sim, ser responsabilizados os governos locais, que não possuem creches e escolas de educação infantil suficientes para atender a demanda”, encorajou.
Entretanto, para Bárbara Vallim, sócia do escritório Vallim Advogados, a simples proibição da entrada no prédio da universidade — em vez da restrição a locais específicos potencialmente perigosos — é, não só ilegal, mas inconstitucional.
“Não existe uma legislação específica que garanta aos menores de idade o acesso ou permanência no estabelecimento de ensino que é frequentado por seus pais ou responsáveis. Porém, mesmo com essa ausência, as normas internas das instituições de ensino que proíbem ou constrangem os alunos com filhos menores são inconstitucionais. Isso porque a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente garantem o direito à liberdade de ir e vir e proíbe qualquer tipo de discriminação”, explica.
Ela cita que também que há um projeto de lei em tramitação no Senado para deixar mais claras as regras nesses casos. “O PL 33/2016, de autoria da Senadora Eliziane Gama, se aprovado, alterará a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, garantindo expressamente o acesso e permanência da criança no estabelecimento de ensino frequentado por sua mãe, por seu pai ou por seu responsável”, conta Vallim.
Segundo ela, as mães têm o direito de procurar reparação, caso tenham se sentido constrangidas ou lesadas. “Aqueles que se sentirem lesados podem denunciar o caso ao Procon de sua cidade e ao Ministério Público (MP) estadual. Em caso de constrangimento ou prejuízo material devem procurar um advogado especialista e de sua confiança para que ajuízem uma ação de indenização”, finaliza.