O Auxílio Brasil, programa para famílias pobres que substituiu o Bolsa Família com um valor maior, cumpriu um papel importante em complementar a renda de seus beneficiários.
Mas, para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, com a inflação comendo o poder de compra dos brasileiros e também uma queda expressiva nos salários médios dos trabalhadores ao longo da pandemia, os impulsos que o benefício de R$ 400 poderia dar ao consumo e à economia do país acabaram limitados.
É por isso que, a despeito dos cerca de R$ 40 bilhões adicionais ao Bolsa Família que o Auxílio Brasil despejará na economia neste ano, nenhum economista está muito entusiasmado com o crescimento do PIB de 2022, e o grosso das previsões mal chega a 1%.
“Há um poder de corrosão muito forte da inflação, que está em 11% e com um índice superior a isso para os alimentos, justamente o mais essencial e o maior gasto da baixa renda”, diz o economista Jorge Jatobá, sócio-diretor da consultoria Ceplan e ex-secretário de Política de Emprego do Ministério do Trabalho.
“Com isso, o poder de compra desses R$ 400 cai. Claro que é uma injeção de recursos que ajuda a economia, mas tem um impacto limitado”, completa.
Cálculos feitos pela LCA Consultores estimam que o Auxílio Brasil represente, neste ano, 2,2% do total da massa de renda do país, que é a soma de tudo que todos os brasileiros recebem em salários do trabalho e também em benefícios como pagamentos do INSS, resgates do FGTS e abono salarial do PIS/Pasep.
O Bolsa Família, extinto no ano passado, já representava cerca de 1% dessa massa de renda. Ou seja, o Auxílio Brasil, que entrou no lugar dele, acrescentou pouco mais de 1 ponto percentual ao bolo total de dinheiro disponível para consumo no país.
Para se ter uma ideia, é menos que o saque extraordinário de R$ 1.000 que o governo liberou do FGTS neste ano, que, de acordo com Imaizumi, representa 2% dessa massa.
“Claro que é um valor que ajuda as famílias que recebem, mas não é o que vai fazer uma mudança no PIB”, diz o analista da LCA para mercado de trabalho, Bruno Imaizumi.
Bem menor que Auxílio Emergencial
Trata-se de um cenário bem diferente do que aconteceu com o primeiro Auxílio Emergencial, pago no primeiro ano de pandemia em valores que foram de R$ 600 a R$ 1.200 mensais e que chegaram até a 67 milhões de pessoas.
O Bolsa Família chegava a 14 milhões de família e o Auxílio Brasil, agora, ampliou esse alcance para 18 milhões.
A conta total do primeiro auxílio custou quase R$ 290 bilhões só em 2020 – mais que o triplo dos R$ 89 bilhões totais reservados para o Auxílio Brasil neste ano.
O valor mais que compensou as perdas de renda pelo aumento brusco do desemprego naquele ano e foi o que impediu o PIB de despencar: a queda na economia brasileira em um dos piores anos de recessão global da história foi de 3,9%, depois de projeções que, no primeiro mês de pandemia, falavam em um recuo de até 10%.
“O impacto macroeconômico e social do Auxílio Brasil caiu muito comparado ao que foi em 2020, quando a situação era completamente diferente”, disse Jatobá, da Ceplan. “O valor era muito maior, o número de beneficiários era muito maior e a inflação estava muito baixa, chegou a até a ser negativa.”
Salários no menor nível em dez anos
Também anula parte do efeito que o Auxílio Brasil poderia ter na economia o fato de que, do outro lado da balança, os salários dos trabalhadores estão minguando, comidos tanto pela inflação quanto pela dificuldade de se recolocar no mercado com os mesmos rendimentos de antes.
Com isso, mesmo que a taxa de desemprego, hoje de 11,2%, já tenha voltado aos níveis pré-pandemia, o salário médio do brasileiro está nos menores níveis em pelo menos dez anos, já considerada a correção pela inflação.
A massa salarial, que considera todos os salários do país somados, ainda está 4,4% abaixo do que no início de 2019, antes da pandemia, de acordo com os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ou seja, mesmo que, em uma ponta, haja 18 milhões de famílias abaixo da linha da pobreza ganhando uma substancial renda extra com os R$ 400 do auxílio, do outro há todos os outros trabalhadores tendo que viver com muito menos dinheiro do que antes.
Para a economia, o consumo e o varejo como um todo, as perdas de um grupo acabam anulando os ganhos do outro, e as vendas não conseguem deslanchar.
“O que compõe mesmo a massa de renda do Brasil é a renda que vem do trabalho, que representa 80% do total”, disse o economista da LCA. “Para que tivéssemos uma recuperação efetiva na renda, essa melhora teria que vir mesmo do trabalho.”
O Auxílio Brasil
Com benefício médio de R$ 400, o Auxílio Brasil foi criado pelo governo de Jair Bolsonaro em 2021 e está em vigor desde dezembro do ano passado.
O valor mínimo de R$ 400, a princípio, foi desenhado para ser pago apenas durante 2022, ano das eleições presidenciais em que Bolsonaro concorre à reeleição. Depois disso, voltaria para a faixa dos R$ 200.
Alterações feitas pelo Congresso na Medida Provisória que criou o programa, tornaram o valor permanente. O plenário do Senado aprovou na quarta-feira (4) MP que estabelece o valor mínimo permanente de R$ 400 para o Auxílio Brasil.
Sua criação só foi possível depois de uma série de manobras, feitas por meio da PEC dos Precatórios, que mudaram regras do Orçamento, flexibilizaram o Teto de Gastos e adiaram pagamentos de dívidas previstas para este ano (os precatórios) a fim de liberar recursos que pudessem dar conta do valor aumentado.
No total, foram reservados R$ 89 bilhões no Orçamento de 2022 para o Auxílio Brasil, pacote que incorpora o Bolsa Família e os cerca de R$ 40 bilhões adicionais para que os pagamentos chegassem aos R$ 400.
Para ser elegível tanto ao Bolsa Família quanto, agora, ao Auxílio Brasil, a renda mensal da família deve estar abaixo da linha da pobreza, de R$ 200 por cada pessoa da casa. É o equivalente, por exemplo, a uma família com cinco pessoas que vive com um total de R$ 1.000 por mês.
Fonte: CNN