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Uma influenciadora brasileira que vive em Los Angeles partilhou recentemente um vídeo na rede social TikTok no qual respondia o comentário de um seguidor que a criticava por estar “expondo os filhos dos outros” nos vídeos que publicava nas redes sociais. Ele dizia que Tiane era a ama da criança que estava em seu colo e não a mãe biológica.
No vídeo, Tiane responde com naturalidade que a bebê que segurava era, na verdade, a sua filha, fruto do casamento com o marido, Bryan.
“Só porque sou negra e ela branca não significa que ela não saiu de mim”, afirmou a influenciadora.
A história de Tiane não é um caso único. Depois de o vídeo ter sido publicado em outra rede social, vários usuários do Twitter contaram nos comentários episódios de discriminação de que foram alvo só porque tinham um tom de pele diferente do da mãe ou do pai, e vice-versa.
Em um desses episódios, uma pessoa que estava na rua e falou para a polícia sobre uma mulher negra que andava pela rua, acompanhada de uma criança branca, para que a situação fosse averigada.
Ena Miller contou sua história em uma entrevista à BBC, em 2021, um ano depois do nascimento da filha, Bonnie. O caso é semelhante ao de Tiane, pois sua filha também é fruto do casamento com o marido, um homem branco.
“A minha filha é julgada pelo tom da sua pele desde o dia em que nasceu”, disse.
“Depois de passar um dia e uma noite sob cuidados intensivos, a Bonnie estava de volta aos meus braços há apenas algumas horas quando uma mulher olhou pela porta [do quarto do hospital] para perguntar se eu queria tomar o café da manhã. Antes de eu poder responder, ela perguntou: ‘Essa é a sua bebê?’. Eu estava à espera de um elogio, (…) mas, em vez disso, ela apenas repetiu: ‘Essa é mesmo sua bebê?’”, lembrou sobre o tom pejorativo da questão.
Ena recorda esse dia como o início da vida que começou a levar.
“Estranhos que se sentem livres para questionar se era realmente a mãe de Bonnie ou para comentar o tom da sua pele”
O sociólogo Nuno Nunes, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-ISCTE), disse à CNN que estas situações são resultado de a sociedade ainda não ter eliminado “por completo” o preconceito.
“É quase impossível não termos manifestações diárias de preconceito, desta ou daquela forma. A maior parte das vezes até são involuntárias, nem são conscientes”, conta.
Por vezes, pode ser também por desconhecimento de que é possível uma mulher negra ter um filho branco e vice-versa.
A explicação está no “pool genético”, diz à CNN Marta Amorim, especialista em Genética Médica, referindo-se ao conceito que caracteriza a soma de todos os genes presentes em uma determinada família.
A especialista explica que “a produção da melanina é controlada por vários genes”. Aquilo que se designa por uma “herança poligénica”, na qual “alguns genes têm dominância sobre outros”.
Nas famílias multiculturais, em que o pool genético é “mais frouxo”, existe uma mistura de diferentes genes, que “até podem estar mascarados e não se manifestarem”. Por isso, este é um processo imprevisível, aponta a especialista.
“A variabilidade permitida em harmonia com o pool genético de cada progenitor é verdadeiramente grande.”
“E depois surge uma palete de cores possíveis, porque efetivamente há muitos genes que contribuem para a produção da melanina e a forma como se manifestam pode ser muito diferente”, diz, lembrando que tudo depende do gene dominante.
Uma vida isolada da sociedade e da própria família
Apesar da explicação biológica, a verdade é que as famílias com estas características sentem-se isoladas em uma sociedade pouco tolerante com as diferenças.
Os comentários pejorativos, as críticas e, por vezes, acusações mais graves (como alguns relatos de mulheres negras acusadas de raptarem a criança só por ser branca) afetam não só os pais, mas também os próprios filhos.
Margarida Mendes, psicóloga do Hospital Lusíadas, salienta o “ambiente de desconfiança” que o nascimento de uma criança com um tom de pele diferente gera no casal e na própria família.
“O primeiro pensamento é sempre ‘houve traição’”, diz a especialista.
Nestas situações, acrescenta, a criança “nem sempre é aceita pela própria família, até pelas mães”, podendo desenvolver quadros depressivos, sofrer de baixa autoestima e se isolar até dos pais.
É importante estar atento também aos demais membros da família, como os irmãos, afirma a psicóloga.
“Muitas vezes os irmãos acabam sofrendo bullying na escola porque os colegas também gozam deles por terem um irmão diferente. É muito importante trabalhar com as outras crianças da família que podem não estar preparadas para lidar com estas questões”, salienta Margarida.
A especialista deixa um conselho aos pais nestas situações: devem esperar pela iniciativa da criança para esclarecer as suas dúvidas.
“As crianças são extremamente atentas e a dada altura elas vão perguntar ‘porque é que eu sou tão diferente?‘. Esse é o momento de explicarmos o porquê de ela ter um tom de pele diferente, mostrar-lhe fotos da família, por exemplo. É claro que temos de adequar sempre o discurso à idade da criança, não vale a pena explicarmos coisas que ela ainda não está preparada para entender”, realça.
“Acima de tudo, tem de haver um trabalho por parte dos pais”, diz Margarida sobre o que as famílias devem fazer perante as questões ou comentários de terceiros. Os pais devem, diz ela, “explicar, de uma forma simples, que aquilo é perfeitamente natural e que não é drama nenhum a criança ter um tom de pele diferente dos pais”.
Este conteúdo foi criado originalmente em português (pt).
Por CNN