Seis vias do Distrito Federal concentram a maior quantidade de acidentes de trânsito fatais dos últimos três anos: a Avenida Elmo Serejo, em Taguatinga; a W3 Norte; a 2ª Avenida Norte de Samambaia; a DF-128, em Planaltina; a BR-020, também em Planaltina; e a BR-251, em São Sebastião. Por trás das tristes estatísticas, impera a falta de empenho governamental com ações pontuais para reduzir os acidentes. As ocorrências também são causadas por problemas de infraestrutura, como falta de sinalização, pouca iluminação e carência de travessia para pedestres, e negligência humana — embriaguez ao volante e alta velocidade, por exemplo.
O caso mais recente, na manhã de 21 de junho, na DF-128, chamou a atenção dos brasilienses pela dupla irresponsabilidade. Ana Jacinta de Sousa, 70 anos, morreu após uma batida frontal entre o carro que estava e outro veículo. A motorista do outro automóvel tinha sinais de embriaguez e foi vista fazendo zigue-zague na pista pouco antes da batida. Ela não tinha habilitação e se recusou a fazer o teste do bafômetro. Aos policiais, a condutora admitiu ter consumido bebida alcoólica na noite anterior. A idosa não resistiu aos graves ferimentos e veio a óbito no local do acidente.
Cristiano Barbosa Neto, 44, conhece bem a dor que os números trazem. O avô dele, João Barbosa da Silva, 92, perdeu a vida em 6 de abril deste ano, em uma colisão frontal entre dois carros, também na DF-128. “Infelizmente, são vidas perdidas e, na maioria das vezes, por imprudência”, lamenta o morador de Planaltina. O idoso percorria o trajeto três vezes por mês, de Planaltina de Goiás para Sobradinho e o Plano Piloto, por conta de consultas médicas. “A moça do outro carro fez uma ultrapassagem e perdeu o controle, atingindo o automóvel (onde o avô estava) pelo acostamento”, descreve o caminhoneiro.
Os quatro primeiros meses de 2020, 2021 e 2022 registraram, no total, 78 acidentes fatais no Distrito Federal. Desse total, 37 (47,4%) ocorreram nos seis locais destacados acima. Em relação às vias urbanas, a Avenida Elmo Serejo, em Taguatinga, é a campeã, com seis mortes no período. Em segundo lugar, está a W3 Norte (5) e, na terceira colocação, a 2ª Avenida de Samambaia Norte (3). Já nas rodovias que cortam o DF, os brasilienses correm mais riscos na DF-128 (9) e na BR-020 (8) — ambas na altura de Planaltina — e na BR-251, na região de São Sebastião, com seis ocorrências.
Para entender os motivos que levam a tantas perdas, o Correio convidou especialistas em trânsito para percorrer os seis endereços com mais mortes registradas, apontar possíveis falhas de engenharia, além de destacar soluções para frear a imprudência humana nas ruas da capital. A partir das observações dos técnicos, a reportagem apontou os principais fatores de risco e as possíveis intervenções para reduzir as tragédias nas vias e rodovias do DF.
Passagem
Na W3 Norte, segundo Wesley Ferro Nogueira — secretário executivo do Instituto do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT) —, o desenho das faixas de pedestres impossibilita o trânsito seguro das pessoas que frequentam o local a pé. “Para poder concluir a travessia, preferem arriscar. Não foi feita uma previsão para cumprir com todo o percurso”, pontua Wesley.
Nazareno Affonso, diretor nacional do Instituto MDT, aponta outras falhas de segurança na circulação a pé dos brasilienses na W3 Norte, por onde passam cerca de 13,6 mil veículos por dia. “Quase todas as faixas estão, praticamente, apagadas. Apesar de ter semáforos para pedestres nos locais mais críticos, pela própria estrutura do trânsito, o pedestre é obrigado a fazer grandes caminhadas. Vários, quando percebem uma pequena passagem entre os veículos, atravessam, mesmo fora da faixa”, observa o especialista. A velocidade máxima permitida na via é de 60km/h.
Na BR-020, na altura de Planaltina, também é possível constatar a vulnerabilidade dos pedestres. No trecho da rodovia que corta o DF, por onde circulam diariamente 5,2 mil veículos, a velocidade é de 80km/h, de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela via. A falta de sinalização vertical adequada, sem passarelas e com travessias para pedestres quase inexistentes, persiste em um trecho com grande movimentação de carros, próximo ao hipermercado Ultrabox.
O único redutor de velocidade da área é uma lombada, localizada em um ponto de pouca visibilidade para os condutores. “Nessa pista, os pedestres correm grande risco”, alerta Wesley Ferro. “As medidas de proteção deveriam ser redobradas, com passarelas, investimentos em radares, para reforçar a segurança e promover, corretamente, a redução de velocidade”, elenca o especialista.
Enquanto esteve no local, a equipe do Correio flagrou várias infrações cometidas por motoristas. Mesmo fazendo sinal para indicar travessia na faixa de pedestres, as pessoas eram completamente ignoradas pelos automóveis. Segundo uma vendedora no local, que não quis ser identificada, os acidentes de trânsito são recorrentes no trecho. “Carros em alta velocidade sempre provocam acidentes aqui”, destaca.
Frequentadores da área afirmaram à reportagem que a iluminação da via, na altura do hipermercado, é precária. “Durante a noite, fica bem escuro. Os postes existentes não são suficientes”, denuncia uma moradora, que preferiu anonimato. Outra pessoa que passa pelo lugar diariamente relatou que há um trecho na região, logo após um posto de gasolina, sem iluminação.
Riscos
Em São Sebastião, a DF-251 esbarra em problemas que estão relacionados à falta de fiscalização de velocidade. De acordo com Adriana Modesto, doutora em transportes e mestra em ciências da saúde, quando os limites de certo local são superiores aos de outros trechos, onde há grande fluxo de veículos pesados, é necessário investir em medidas além de radares. “A fiscalização precisa ser melhorada. Além disso, o trabalho na formação de condutores veiculares na conscientização contra os riscos no trânsito precisam ser mais efetivos”, alerta.
João Carlos Rodrigues, 45, que mora próximo à rodovia, confirma os acidentes frequentes no local e cita outro perigo recorrente: a invasão da pista por animais. “Ainda estamos no meio do ano e já vi quatro acidentes. Na última vez, um dos veículos caiu na ribanceira e o outro pegou fogo”, relembra o agricultor.
Na Avenida Elmo Serejo, com fluxo diário de 27,4 mil veículos e velocidade máxima de 60km/h, falta qualidade na pista, que é preenchida por um pavimento precário. Além disso, boa parte das faixas de pedestre estão apagadas e precisam de manutenção. Outro fator importante destacado por Adriana Modesto são os perigos aos quais os ciclistas da avenida estão expostos. “A oferta de uma malha cicloviária seria essencial e ainda faria com que fosse desestimulado o uso do transporte individual”, reforça.
Embora não tenham sido constatados problemas viários na DF-128, na altura de Planaltina, e na 2ª Avenida de Samambaia Norte, as fatalidades dos locais podem estar relacionadas a fatores humanos, conforme destaca a especialista Adriana Modesto (veja mais em Palavra de Especialista).
Para minimizar as perdas em acidentes de trânsito, Marcelo Granja, diretor de Educação de Trânsito do Detran-DF, reforça que o caminho é longo e congrega diversos aspectos, como diminuir a circulação de veículos individuais e priorizar ônibus e metrô, por exemplo. “Usar melhor o espaço é um processo. Quando você se sente confortável para pegar ônibus, porque vai chegar no horário e o trajeto de bicicleta te dá segurança, você repensa o deslocamento e, automaticamente, a circulação”, comenta.
Motivos
Adriana Modesto, doutora em transportes, operação e circulação viária
De forma simplificada, são relacionados aos sinistros de trânsito os fatores veículo, via, ambiente da via, ser humano e entorno sociocultural. As causas mais prevalentes em relação a eles são erros ou falhas humanas, negligência quanto ao uso de equipamentos de segurança, consumo de substâncias etílicas ou drogas, veículos inseguros, fragilidades no esforço legal (falhas na fiscalização e relaxamento na legislação de trânsito) e infraestrutura insegura. É possível classificar as causas dos sinistros de trânsito como imediatas (fatores específicos anteriores, relacionados ao condutor, veículo, via e ambiente da via) ou subjacentes (que criam situações propícias ou agravam as consequências, relacionadas à ordem ambiental, tecnológica ou institucional).
Os critérios para definir um ponto crítico não incluem somente a ocorrência do sinistro. É feito um diagnóstico e são avaliadas as possibilidades de intervenção. Em sinistros com óbito, o tempo-resposta para o atendimento em zonas rurais também conta. Quanto aos fatores, pode ter sido verificada relação com o fator humano, como excesso de velocidade e embriaguez, e a via, em si, ser bem sinalizada e iluminada, com pavimento adequado e fiscalização efetiva, ou seja, sem oferecer riscos. Cada caso é um caso, e é necessário conhecer a morfologia do sinistro, a vítima envolvida e o horário da ocorrência.
Por Correio Braziliense